2.Nt.A+DC.I+Teoria - ---------------------------------------------------------- PDF

Title 2.Nt.A+DC.I+Teoria - ----------------------------------------------------------
Author Daiana Maia
Course Direito Constitucional I
Institution Universidade de Fortaleza
Pages 39
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NOTA DE AULA MÓDULO II - TEORIA DA CONSTITUIÇÃO CONCEPÇÕES/SENTIDOS, CLASSIFICAÇÕES E ELEMENTOS

Prof. Marcus Vinícius Parente Rebouças SUMÁRIO: CONSIDERAÇÕES INICIAIS - 1. CONCEPÇÕES TÉORICAS OU SENTIDOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - 1.1. Problematização - 1.2. Concepções ou Sentidos Tradicionais e Concepções ou Sentidos Culturalistas sobre a Constituição do Estado - 1.2.1. Concepções ou Sentidos Tradicionais - 1.2.1.1. Concepção ou Sentido Sociológico da Constituição (Sociologismo Constitucional) - 1.2.1.2. Concepção ou Sentido Político da Constituição (Decisionismo Político) - 1.2.1.3. Concepção ou Sentido Jurídico da Constituição (Normativismo Constitucional) - 1.2.1.4. Quadro Comparativo das Concepções ou Sentidos Tradicionais sobre a Constituição - 1.2.2. Concepções ou Sentidos Culturalistas (Estruturalistas, Totais, Sistêmicas ou Globais) 1.2.3. As Concepções Teóricas e as Categorias Filosóficas do “Ser” (Sein) e do “Dever-Ser” (Sollen) - 2. TIPOLOGIA OU CLASSIFICAÇÃO DAS CONSTITUIÇÕES - 2.1. Quanto à Forma - 2.2. Quanto à extensão [textual] - 2.3. Quanto à sua origem ou processo de positivação - 2.4. Quanto à origem da decretação - 2.5. Quanto ao modo de elaboração - 2.6. Quanto ao conteúdo ou à identificação das normas constitucionais - 2.7. Quanto ao critério da modificabilidade ou alterabilidade do Texto Constitucional 2.8. Quanto à finalidade ou função - 2.9. Quanto à dogmática ou à ideologia - 2.10. Quanto ao sistema [normativo] - 2.11. Quanto à função ou estrutura - 2.12. Classificação ontológica das Constituições (Karl Loewenstein): quanto à essência ou correspondência com a realidade - 2.13. Constitucionalização simbólica (Marcelo Neves) - 3. ELEMENTOS DA CONSTITUIÇÃO - QUESTIONÁRIO.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS O que é, em essência, a Constituição do Estado? Quais as concepções teóricas ou sentidos relativos à Constituição? Como as diferentes Constituições são doutrinariamente classificadas? Quais os elementos que as integram? Essas são, entre outras, algumas das questões que serão abordadas neste módulo. 1. CONCEPÇÕES TÉORICAS OU SENTIDOS SOBRE A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO 1.1. Problematização Quando se pensa numa Constituição, imagina-se algo que deve efetivamente reger e controlar a dinâmica institucional do Estado em seus aspectos mais fundamentais. Mas, afinal de contas, quais são as “verdadeiras forças” que efetivamente regem e controlam a complexa dinâmica institucional do Estado?

Em outros termos, o que realmente conduz ou governa a vida social, em seus traços fundamentais, no contexto de uma organização política estatal? É, de fato, um texto normativo supremo que comanda o funcionamento institucional do Estado? Será que o Texto Constitucional evidencia efetivamente força para tanto? Não seriam certas forças sociais dominantes que operam no seio da comunidade estatal? Ou será que o Estado opera a partir de uma interação dialética entre o Texto Constitucional e a realidade social que o circunda, ora prevalecendo a força daquele, ora as forças irradiadas desta? Esses questionamentos traduzem, em verdade, o problema fundamental acerca do que, em essência, é a Constituição do Estado? Em outros termos, onde repousa a “verdadeira Constituição do Estado”, “aquilo que efetivamente o rege e controla”? Num texto normativo, na realidade social, na esfera política ou parte naquele e parte nestas?

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Acerca dessas indagações, desenvolveram-se, em contextos históricos distintos, algumas importantes concepções teóricas com o propósito de definir o que verdadeiramente rege e controla a vida institucional do Estado em seus aspectos mais fundamentais. O QUE É VERDADEIRAMENTE A CONSTITUIÇÃO DO ESTADO? 1.2. Concepções ou Sentidos Tradicionais e Concepções ou Sentidos Culturalistas sobre a Constituição do Estado Como se diferenciam as principais concepções teóricas ou sentidos acerca da Constituição do Estado? Como dito, em contextos históricos distintos, algumas concepções teóricas acerca da Constituição do Estado foram elaboradas pelo intelecto de diferentes pensadores. Para fins didáticos, essas concepções teóricas ou sentidos sobre a Constituição do Estado podem ser diferenciadas em 02 (duas) categorias, de acordo com a amplitude dos horizontes de compreensão da problemática (horizontes epistemológicos), quais sejam: 1) concepções ou sentidos TRADICIONAIS; e 2) concepções ou sentidos CULTURALISTAS, também denominadas de estruturalistas, totais, sistêmicas ou globais. 1.2.1. Concepções ou Sentidos Tradicionais Como se caracterizam as concepções ou sentidos tradicionais sobre a Constituição do Estado? Desenvolvidas entre meados do século XIX e a primeira metade do século XX, as concepções ou sentidos tradicionais sobre a Constituição tiveram grande relevância na ampliação dos horizontes de compreensão, de conhecimento, de saber (horizontes epistemológicos) acerca dos fatores que efetivamente regem e controlam a dinâmica institucional do Estado. No entanto, as concepções ou sentidos tradicionais se caracterizam pelo fato de que reconhecem que a “verdadeira Constituição do Estado” reside, fundamentalmente, num só fator dominante, seja nas forças sociais em conjunto (Ferdinand Lassalle), na força deliberativa da esfera política (Carl Schmitt) ou na força normativa do puro Texto Constitucional (Hans Kelsen), atribuindo caráter inequivocamente secundário ou nulo aos demais fatores que dialeticamente interferem na dinâmica institucional do Estado. Nesse sentido, relativamente às concepções ou sentidos culturalistas, as concepções ou sentidos tradicionais são marcados pela parcialidade ou unilateralidade, pois tratam a questão da regência estatal apenas à luz de uma parte ou lado da problemática, conferindo, assim, pouca ou nenhuma relevância ou peso a outras dimensões que igualmente interferem na complexa dinâmica institucional do Estado, daí porque evidenciam significativos reducionismos (epistemológicos). CONCEPÇÕES/SENTIDOS TRADICIONAIS  PARCIALIDADE – UNILATERALIDADE – REDUCIONISMO VERDADEIRA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DEFINIDA COM BASE NUM SÓ FATOR DOMINANTE Quais são as concepções ou sentidos tradicionais sobre a Constituição do Estado? No período entre meados do século XIX e a primeira metade do século XX, desenvolveram-se 03 (três) concepções ou sentidos tradicionais sobre a Constituição do Estado, quais sejam: 1) concepção ou sentido sociológico da Constituição, desenvolvido por Ferdinand Lassalle em 1862; 2) concepção ou sentido político da Constituição, desenvolvido por Carl Schmitt em 1928; e 3) concepção ou sentido jurídico da Constituição, desenvolvido por Hans Kelsen em 1934.

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1.2.1.1. Concepção ou Sentido Sociológico da Constituição (Sociologismo Constitucional) Como foi desenvolvida e o que defendera a concepção sociológica da Constituição? Nascido em Breslau, na antiga Prússia, Ferdinand Lassalle (1825-1864) teve grande influência do pensamento marxista e foi um dos precursores da social-democracia alemã, sendo um defensor da organização das massas sociais e da sua afirmação democrática como força social ativa no seio da sociedade política do Estado. Numa conferência realizada em 1862 para estudantes, intelectuais e trabalhadores, Lassalle discorrera acerca do que entendia ser a essência da Constituição, ou seja, do que seria verdadeiramente a Constituição que conduz a dinâmica institucional do Estado. Essa histórica palestra foi posteriormente transformada na clássica obra que circula, no Brasil, sobre os títulos “A Essência da Constituição” (“Über Verfassungswesen”) ou “O que é uma Constituição?” (“Was ist eine Verfassung?”). Para Lassalle, a verdadeira Constituição do Estado não reside propriamente numa simples “folha de papel”, num “pedaço de papel”, ou seja, no Texto Constitucional. Na concepção ou sentido lassalleano, o Estado é, em verdade, uma instituição política muito poderosa regida precipuamente pela ação em conjunto das forças sociais orgânicas que operam concretamente na realidade social, pelas relações reais de poder que se manifestam faticamente no seio da sociedade, o que define como “soma dos fatores reais de poder que regem uma dada sociedade” (“ser” – Sein), e não pelas irradiações jurídicas abstratas de um simples texto normativo (“dever-ser” – Sollen). Sob essa perspectiva, frente à ação conjunta dessas forças sociais, o Texto Constitucional teria caráter meramente secundário, só regendo e controlando o Estado enquanto e naquilo em que estivesse em conformidade com a somatória resultante dessas forças sociais ativas. Caso o Texto Constitucional não espelhasse a resultante dessas forças sociais operantes, careceria de qualquer efetividade. No desenvolvimento dessa teorização, Lassalle diferenciara, por sua vez, as seguintes categorias: 1) Constituição real e efetiva: “soma dos fatores reais de poder que regem uma sociedade” (“ser” – Sein); e 2) Constituição jurídica, normativa ou escrita: alusiva ao Texto Constitucional (“deverser” – Sollen), que, frente à resultante das forças sociais, é caracterizada por Lassalle como uma simples folha de papel (Blatt Papier) ou pedaço de papel (Stück Papier), por seu caráter sempre secundário em face daquelas na condução institucional do Estado. Em suma, para Lassalle, a resultante das forças sociais ativas (“soma dos fatores reais de poder que regem uma sociedade”) é muito mais forte e sempre determinante na condução institucional do Estado, afirmando-se como sua “Constituição real e efetiva”, de forma que inarredavelmente prevalece sobre o Texto Constitucional, sobre a sua “Constituição jurídica, normativa ou escrita”, que, frente àquela, possui caráter sempre secundário, figurando como como uma simples “folha de papel” ou “pedaço de papel”. A realidade sociológica concreta (“ser” – Sein) seria, assim, sempre preponderante em face da realidade jurídiconormativa (“dever-ser” – Sollen) no que diz respeito à regência e ao controle da vida institucional do Estado, daí porque a importância da organização das massas sociais e da sua afirmação como força social ativa no seio da sociedade política. Por reconhecer nas forças sociais o fator dominante ou preponderante na condução da dinâmica institucional do Estado, essa teoria veicula a chamada concepção ou sentido sociológico da Constituição, sendo, em razão disso, denominada de sociologismo constitucional. FERDINAND LASSALLE  CONCEPÇÃO OU SENTIDO SOCIOLÓGICO DA CONSTITUIÇÃO  SOCIOLOGISMO CONSTITUCIONAL CONSTITUIÇÃO REAL/EFETIVA  SOMA DOS FATORES REAIS DE PODER QUE REGEM UMA SOCIEDADE (“SER” – SEIN) CONSTITUIÇÃO JURÍDICA/NORMATIVA/ESCRITA  TEXTO CONSTITUCIONAL  “FOLHA OU PEDAÇO DE PAPEL” (“DEVER-SER” – SOLLEN) CONSTITUIÇÃO REAL/EFETIVA > CONSTITUIÇÃO JURÍDICA/NORMATIVA/ESCRITA

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1.2.1.2. Concepção ou Sentido Político da Constituição (Decisionismo Político) Como foi desenvolvida e o que defendera a concepção política da Constituição? Nascido em Plettenberg, na Alemanha, Carl Schmitt (1888-1985) foi um jurista e filósofo político que se notabilizou por ser um dos mais proeminentes estudiosos de Direito Constitucional do século XX. Dedicou, contudo, parte de suas elaboradas construções teóricas para criticar postulados do liberalismo político e legitimar instituições e práticas autoritárias do regime totalitário nazista durante o Terceiro Reich, daí por que é recorrentemente associado às expressões “jurista do nazismo”, “jurista maldito” ou “jurista de Hitler”. Em 1928, Schmitt publicou a obra “Teoria da Constituição” (“Verfassungslehre”), em que defendera a tese de que a realidade política, em que dinamicamente se antagonizam “amigos e inimigos” na defesa de seus respectivos interesses parciais (“dicotomia amigo-inimigo”: Freund-Feind-Unterscheidung), evidenciaria supremacia ou preponderância sobre a realidade jurídica, sendo-lhe um antecedente necessário, pois compreendia que o Direito só reproduz o que se produz dialeticamente em meio à luta política, ou seja, no campo ou esfera da Política. Nesse sentido, na concepção schmittiana, o Estado é, em termos constitucionais, essencialmente regido e controlado pela força das decisões fundamentais concretamente produzidas no mundo soberano da política (“ser” – Sein), o que denomina de decisões políticas fundamentais. No desenvolvimento dessa teorização, Schmitt reconhece que o fator preponderante na condução da dinâmica institucional do Estado em seus aspectos capitais, ou seja, a “Constituição decisiva”, reside, em verdade, nas decisões políticas fundamentais emanadas, do mundo da política (“ser” – Sein), no exercício concreto do poder constituinte originário sobre o modo e a forma de existir da unidade política do Estado, o que denomina de Constituição em sentido positivo. O Texto Constitucional (“dever-ser” – Sollen), a que denomina de “Constituição em sentido relativo”, seria, assim, sempre secundário em face das deliberações produzidas na esfera política a respeito de aspectos fundamentais do Estado, só evidenciando efetividade na medida em que as espelhe. Por reconhecer nas interações e decisões da esfera da política o fator dominante ou preponderante na condução da dinâmica institucional do Estado, essa teoria veicula a chamada concepção ou sentido político da Constituição, sendo denominada de decisionismo político. CARL SCHMITT  CONCEPÇÃO OU SENTIDO POLÍTICO DA CONSTITUIÇÃO  DECISIONISMO POLÍTICO

CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO POSITIVO  DECISÃO POLÍTICA FUNDAMENTAL (“SER” – SEIN) CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO RELATIVO  TEXTO CONSTITUCIONAL (“DEVER-SER” – SOLLEN) DECISÃO POLÍTICA FUNDAMENTAL > TEXTO CONSTITUCIONAL

Como Carl Schmitt diferenciava a estrutura do Texto Constitucional quanto ao conteúdo de suas disposições normativas? Analisando a estrutura do Texto Constitucional (Constituição em sentido relativo), Carl Schmitt assinala, por seu turno, que as disposições normativas que efetivamente tratam de aspectos fundamentais do Estado, materializando, nesse tocante, as decisões políticas fundamentais, compõem o que denomina de “Constituição propriamente dita”. Por outro lado, denomina as disposições do Texto Constitucional que tratam de temas diversos de meras “leis constitucionais”. Essa distinção schmittiana serve de base para a atual distinção entre Constituição formal (Direito Constitucional Formal) e Constituição material (Direito Constitucional Material) e entre normas materialmente constitucionais e normas só formalmente constitucionais. Por sinal, conforme Schmitt, a “Constituição propriamente dita”, por materializar as decisões políticas fundamentais, seria intangível, ao contrário das leis constitucionais, que, por versarem sobre temas secundários, poderiam, inclusive, sofrer suspensões pelo “Soberano” durante situações gravemente críticas a que denomina de “estado de exceção” (Ausnahmezustand). 4

A propósito, foi com inspiração nessa teoria schmittiana que, em 1933, logo depois que assumiu o poder como Chanceler Imperial (Reichskanzler), Chefe de Governo do Estado germânico, Adolf Hitler logrou suspender a Constituição da República de Weimar, que vigorava na Alemanha desde 1919, num contexto de grave instabilidade institucional acirrado, sobretudo, depois do atentado que incendiou o prédio do Parlamento germânico (Reichstag). Na prática, a Constituição de Weimar perdurou suspensa, mediante sucessivas renovações, até o final da 2ª Guerra Mundial (1939-1945). TEXTO CONSTITUCIONAL  CONSTITUIÇÃO EM SENTIDO RELATIVO PARTE DO TEXTO QUE MATERIALIZA DECISÕES POLÍTICAS FUNDAMENTAIS  “CONSTITUIÇÃO PROPRIAMENTE DITA” PARTE DO TEXTO QUE VERSA SOBRE OUTRAS MATERIAIS  MERA “LEI CONSTITUCIONAL”

A “LEI CONSTITUCIONAL” PODERIA SER SUSPENSA PELO “SOBERANO” DURANTE O “ESTADO DE EXCEÇÃO” TEORIA PRECURSORA DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE NORMAS MATERIALMENTE CONSTITUCIONAIS E SÓ FORMALMENTE CONSTITUCIONAIS

Como Carl Schmitt se posicionava quanto à questão relativa ao “Guardião da Constituição”? Carl Schmitt ainda vivenciou célebre polêmica acadêmica com Hans Kelsen acerca de que órgão estatal evidenciaria maior legitimidade institucional para figurar como “Guardião da Constituição” (“Der Hüter der Verfassung”), ou seja, como última instância do Estado em matéria de defesa e interpretação da Constituição, como detentor da “última palavra” em matéria constitucional. Em obra publicada originalmente em 1929 sob o título “A Corte Suprema como Guardiã da Constituição” (“Das Reichgerichts als Hüter de Verfassung”), republicada em uma versão ampliada em 1931, sob o título de “O Guardião da Constituição” (“Der Hüter der Verfassung”), Schmitt sustentara a tese de que, como a defesa da Constituição figurava, a seu ver, como uma função de caráter mais político do que propriamente jurídico, o Guardião da Constituição deveria ser, em verdade, o Chefe de Estado, no caso, o Presidente do Reich (Reichspräsident), e não um Tribunal Constitucional. Aliás, depois da morte do Presidente Paul von Hindenburg, Adolf Hitler passou a acumular, em 1934, as funções de “Führer und Reichskanzler” (“Líder e Chanceler”), de forma que, exercendo tanto os papeis de Chefe de Estado e de Chefe de Governo, passou a figurar também como Guardião da Constituição, sob inspiração do modelo teórico schmittiano. Como a Constituição de Weimar se encontrava suspensa, a “vontade do Führer” passou a operar, na prática, como Constituição, e como lei (“Der Wille des Führers ist Gesetz”). Ainda em 1931, Kelsen publicara uma reposta a Schmitt com o título “Quem deve ser o Guardião da Constituição?” (“Wer soll der Hüter der Verfassung sein?”), em que sustentara que, como a defesa da Constituição também se reveste de forte conteúdo jurídico, seria mais legítimo a um Tribunal Constitucional figurar como Guardião da Constituição, já que este seria, em princípio, composto por pessoas tecnicamente mais preparadas, tendendo a ser mais imparcial em seus juízos a respeito das questões constitucionais. Na época, a teoria que prevaleceu na Alemanha foi a de Schmitt, em razão da ascensão do Terceiro Reich, mas, depois da derrocada do regime nazista e do fim da 2ª Guerra Mundial, a teoria de Kelsen findou por triunfar, de forma que, desde então, a função de guarda da Constituição passou a ser exercida pelo Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht – BVerG). A teoria kelseniana inspirou, por sua vez, a Constituição brasileira de 1988, que, em seu art. 102, atribui ao Supremo Tribunal Federal (STF) a função político-jurídica de “guarda da Constituição”. GUARDIÃO DA CONSTITUIÇÃO  CARL SCHMITT X HANS KELSEN CARL SCHMITT  CHEFE DO ESTADO  PRESIDENTE DO REICH HANS KELSEN  TRIBUNAL CONSTITUCIONAL CF/1988  STF  GUARDA DA CONSTITUIÇÃO 5

1.2.1.3. Concepção ou Sentido Jurídico da Constituição (Normativismo Constitucional) Como foi desenvolvida e o que defendera a concepção jurídica da Constituição? O jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen (1881-1973) é, de fato, um dos mais influentes teóricos do Direito, tendo-se filiado à dogmática juspositivista, sendo, ademais, um dos mais importantes representantes da Escola Normativista do Direito. Entre as várias obras acadêmicas que empreendera, destacam-se, nesse campo, a polêmica Teoria Pura do Direito (Reine Rechtslehre), publicada originalmente em 1934, em que procurou lançar as bases epistemológicas e metodológicas de uma nova e depurada Ciência do Direito. Definiu, para tanto, um particular conceito de Direito enquanto objeto específico de estudo do modelo “puro”, “imaculado”, de Ciência do Direito que propunha, reduzindo-o, numa perspectiva estritamente unidimensional, ao conjunto das normas que compõem o ordenamento jurídico. Em prol de sua austera pureza científica, empreendeu um rígido corte epistemológico e concebeu o Direito como uma realidade puramente ou exclusivamente normativa, excluindo ou expurgando, assim, do horizonte epistêmico de estudo da Ciência do Direito quaisquer referências de cunho extranormativo ou metajurídico, especialmente as de caráter fático (fatos) e axiológico (valores); que constituíam, a seu ver, elementos que deveriam ser estudados por outros ramos da Ciência, tais como a Sociologia e a Filosofia. Ao defender que o saber científico deveria, no âmbito da Ciência do Direito, ser restrito à pura normatividade, eliminou desse domínio científico quaisquer dados fáticos e axiológicos da realidade concreta, alienando o...


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