Delfim 100707 PDF

Title Delfim 100707
Author Álvaro Martins
Course Metodologia em Economia
Institution Universidade Federal de Minas Gerais
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Delfim Neto entrevista...


Description

Os macroeconomistas Antonio Delfim Netto A nação dos macroeconomistas divide-se em muitas tribos. Um etnologista distinguiria pelo menos nove delas, com diferentes culturas. Sete tribos têm um comportamento mais pacífico e aceitam a organização social em que vivemos. Dividem-se, ainda, em dois subgrupos. O primeiro inclui: 1) a ortodoxa monetarista; 2) a neoclássica; 3) a dos ciclos reais; 4) a austríaca, todas predispostas a um certo "cientificismo", e que é hoje dominante. Por conveniência podemos chamá-lo de "neoliberais". O segundo subgrupo abrange: 5) a keynesiana; 6) a neokeynesiana e 7) a pós-keynesiana, com a predisposição de dar à economia o caráter de uma ciência moral, mas cujo avanço empírico continua deficiente. Perdeu prestígio acadêmico em meados dos anos 70, mas está em ressurreição pela necessidade de aumentar a relevância da teoria econômica. Podemos chamá-lo de "keynesianos". Há, ainda, duas tribos que não aceitam a atual estrutura social e se propõem a mudá-la por dois caminhos (a revolução ou a urna): 8) a marxista; 9) a neomarxista, que podemos chamar de "marxistas". O sistema econômico é tão rico e complexo que cada uma delas reivindica (com razão) a capacidade de "explicar" algumas das suas facetas, o que torna a competição entre as tribos feroz e instrutiva. A grande distinção entre os neoliberais e os keynesianos resume-se em aceitar ou não a hipótese que o sistema econômico obedece a leis naturais e que, deixado a si mesmo, com a menor intervenção do Estado (a não ser no provimento dos bens públicos essenciais), ele produzirá, num tempo finito e suportável, pelo funcionamento da "inteligência dos mercados", a felicidade geral. Para os neoclássicos (mesmo os agnósticos), Deus consulta continuadamente o "mercado". De fato, como Ele quer o melhor para os homens que criou, materializa-se no "mercado" para conduzi-los de volta ao paraíso. Os keynesianos podem até crer em Deus, mas têm imensas dúvidas de que o "mercado" seja o seu ectoplasma. Assistindo todos os dias à incapacidade do "mercado" (reconhecidamente eficiente e compatível com a liberdade individual) de resolver os problemas distributivos, e inconformados com o fato de que as flutuações do emprego sejam apenas "o produto natural de um fenômeno natural", resultado do comportamento racional dos agentes econômicos como querem os neoliberais, socorrem-se da ação do Estado, mesmo levando em conta suas limitações e o comportamento dos seus agentes, que têm, freqüentemente, seus próprios objetivos. A despeito de todas essas diferenças, o conhecimento e a visão do mundo implícita em cada uma dessas tribos está longe de ser irrelevante para a boa governança da macroeconomia, cujo objetivo é maximizar o crescimento econômico, reduzir ao mínimo o desemprego, manter estável o valor da moeda e o equilíbrio externo dentro de um quadro de razoável justiça social. O conhecimento mais cuidadoso da história econômica e a pesquisa empírica cada vez mais ativa tendem a relativizar a estadofobia dos neoliberais e a estadolatria dos keynesianos, e levará, no futuro, a uma síntese das duas visões.

Quanto às tribos que rejeitam a atual forma de organização social (ela mesmo em permanente evolução), as dificuldades são maiores: seus generosos propósitos foram dissolvidos em experiências que mostraram um alto custo em termos de eficiência produtiva e um insuportável sofrimento humano, exatamente como haviam previsto, nos anos 30, muitas das tribos dos pacifistas. O que não se deve perder das tribos marxistas é o ideal de uma sociedade mais justa, dentro da qual o homem, com liberdade de escolha, possa realizar plenamente as suas potencialidades no trabalho. Tem havido uma lenta convergência entre o entendimento de cada tribo sobre a "realidade" (seja isto o que for) e sobre os mecanismos que estimulam a eficiência produtiva num regime de plena liberdade individual, ou seja, no que se chama "economia de mercado". Há ainda séria divergência quanto à necessidade de incorporação à política econômica de políticas públicas capazes de aumentar a igualdade de oportunidade, que é necessária para dar moralidade ao mercado. Esta moralidade é cada vez mais imperiosa no regime de liberdade política das sociedades modernas, nas quais o governo é escolhido, pelo sufrágio universal, por tempo certo em limpa disputa eleitoral. Para os neoliberais, a justiça social é um conceito estranho à teoria econômica. Virá por gravidade sem a "ajuda" do Estado, como resultado natural da plena liberdade dos mercados, da mesma forma que a abelha produz mel. Para os keynesianos, essa é uma visão tão utópica e perigosa quanto a marxista. Apenas está no outro lado da freqüência no dial. Talvez um primeiro exemplo de convergência entre neoliberais e keynesianos esteja se processando no campo da prática monetária, exatamente onde o entendimento teórico do papel da moeda na atividade econômica é mais divergente. Parece haver um reconhecimento (produto da própria prática monetária neoliberal), que um Banco Central operacionalmente autônomo, que obedeça a um sistema de metas inflacionárias escolhidas pelo poder eleito, é mais eficiente para obter um bem público essencial - a relativa estabilidade do poder de compra da moeda - do que as políticas de renda que ainda continuam a dominar o pensamento de alguns velhos keynesianos. O que é curioso é que, no meio dessa enorme competição entre as tribos, que tem produzido mais calor do que luz, alguns membros da grande nação se crêem, piamente, portadores de uma "verdadeira" e "única" ciência econômica... Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras no jornal Valor Econômico. Este texto foi publicado no dia 10 de julho de 2007....


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