Pepetela Crónicas com fundo de guerra (prox PDF

Title Pepetela Crónicas com fundo de guerra (prox
Author Anonymous User
Course Arte e Cultura COntemporanea
Institution Universidade Europeia
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Descrição base do livro revista...


Description

PEPETELA

ÍNDICE LINHAS A ABRIR

9

1. O Bacalhau do Natal

11

3.

17

Kianda dos nossos Sonhos

3.

Choveu em Luanda

23

4.

Cidade das Acácias Rubras

5.

O Canto do Matrindinde

35

6.

O Processo

41

7.

Maria da Fonte

47

8.

O Tri Africano

53

9.

Os Bandos

58

10. O Homem-Cobra

64

29

11. Agarra que é Polícia! 12. As Kínguilas

70 76

13. O Kimbanda do Sida

83

14. Meninos da Rua

90

15- Língua e Sapateado 16. Os Malucos 7

97 104

CRÓNICAS COM FUNDO DE GUERRA

17. As Reinaugurações

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18. Crónica dos Bichos

118

19. Empresários de Rua

125

20. O Conquistador de Benguela

13?

21. As Teias da História

139

22. A Propósito de Caça

146

23. Pacaças e Ovnis

152

34. ASarinização do Mundo

159 25.

Vento Fresco 166 26. O Perito Americano

17?

27. Os Letreiros

179

28. Feiticeira ou Louca, Tanto Faz 185 29. Os Apelos

193

30. A Arte da Diplomacia

199

31. Herbívoros e Carnívoros 206 BIBLIOGRAFIA DE PEPETELA Linhas a Abrir

8

2l3

O

PEPETELA

AS CRÓNICAS que

compõem este livro foram publicadas no jornal Público de 1992 a 1995 e tinham por título genérico . Poderia ser até um bom título para manter. Mas as crónicas tinham sido escritas na altura em que, depois do processo de pacificação e eleições do ano de 1992, altura em que tudo de bom parecia possível de realizar em Angola, se seguiu a desilusão do fracasso colectivo que significou a continuação da guerra civil, até em muito mais larga escala de sofrimento e destruição. Como se destinavam a um público estrangeiro, uma parte importante dele sem referências sobre o país, pouco se falava de guerra ou assuntos diretamente políticos mas antes do dia-a-dia e do despontar de pequenas notas de esperança, por vezes mesmo alguma ficção. No entanto, a guerra estava presente e o seu batuque ecoava por toda a parte, abafando a esperança. Talvez ainda se encontrem. ecos nestas crónicas. Daí o título do actual livro.

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Quase vinte anos passados depois de escritas, apresentam ainda eventualmente situações semelhantes às do presente. Alguns aspectos estão ultrapassados, para melhor ou para pior, dependendo dos pontos de vista. Preferimos não peneirar, mantendo mesmo as que nitidamente se encontram demasiado datadas . Essas valerão pelo testemunho de um tempo que não queremos que volte. Com esta publicação em livro se abre também a oportunidade de as apresentar a um público angolano, o qual, espero, perceberá não ter sido o alvo inicial, embora nelas esteja exclusivamente representado. Pepetela

1 O Bacalhau do Natal

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ENTRE AQUILO que Portugal deixou neste país africano, podemos destacar o costume de se comer bacalhau na noite de Natal. E não se pense que é hábito de reduzida elite urbana, nostálgica de tempos coloniais, que alguns estudiosos gostam de impropriamente chamar . Para já, a população urbana é metade da de Angola e vai servindo de matriz cada vez mais avassaladora da cultura angolana. E o costume está absolutamente espalhado, pelo menos por todas as cidades. Por isso, dois anos depois da Independência, quando tudo faltava nas lojas, o Governo decidiu fazer uma importação especial para o Natal (então oficialmente designado por ) onde constava o azeite de oliveira, o vinho e, claro, o infalível bacalhau. Por fortes pressões populares. No ano anterior, usara-se peixe seco, à falta de melhor, o que mostra a força do hábito, porque quem não tem cão caça com gato, como costuma dizer o meu amigo Ruy Duarte. O problema que houve com essa importação não foi com o bacalhau nem com o

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azeite, que esses eram de qualidade razoável. Mas foi decidido importar vinho do Brasil e o que veio foi uma bebida fermentada feita de frutas outras que a uva. Os garrafões apresentavam a marca Mosteiro. Era um carrascão químico da pior espécie, muito fora do nosso gosto do (referência à camada de gesso que protegia a rolha dos garrafões do tempo do colono). Depois• de algumas experiências aziagas, o humor caluanda, inspirado nas guerras de então, logo mudou o nome da bebida para . Completamente desmoralizado, tal produto passou a evitar cá a banda. Encontrei-o um dia numa tasca do Rio e contei a estória ao dono, por sinal português. Ele riu com a mudança de nome operada pelos meus compatriotas e em compensação ofereceu-me um Dão verdadeiro. E sem cobrar, talvez reconhecido por lhe dar um argumento para as eternas lutas de quem é melhor, entre brasileiros e portugueses. Donde se poderá concluir que por vezes as estórias pagam. Vinho agora é o que aqui não falta, especialmente o português. E o bacalhau lá vai aparecendo, mas os preços dispararam no

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mercado, o que prova a sua muita procura, especialmente nesta quadra. Ainda hoje ouvi, num inquérito feito por uma estação de rádio num mercado, que é o produto mais requisitado. Tinha de ser. Já a preparação não tem dogma, embora o cozido seja o mais utilizado. E se a quantidade for pequena, reforça-se com um prato da terra: um pirão, um muzonguê, um calulú, tudo pratos de peixe, ou uma moamba de galinha com funje. Qualquer que seja o complemento, é rematado no final com feijão de óleo de palma. E muitos bolos e doces à mistura, sem esqueceras nozes, as passas e os pinhões. Dirão que é comida pesada para jantar ou ceia. Pois é. Mas o toque angolano vem depois: com ou sem missa do galo (bicho este com conotações actualmente quase pejorativas, a exigir também a mudança de nome), a digestão vai se fazendo pela noite fora, em bruta farra. Porque a diferença entre a noite de Natal e a de Fim de Ano só está no bacalhau, o fim é o mesmo. E com muito mais razão nesta época de crises e convulsões. Ninguém quer perder um bodó que pode ser o último. E as tristezas só se esquecem bebendo e dançando, mesmo que nos intervalos se façam as mais lúcidas 13

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análises políticas e se aproveitem alguns contactos para negócios futuros. Como será o Natal deste ano? Certamente como os outros, a avaliar pela procura de produtos e pela tristeza de dona Zeza, minha vizinha com a filha em Portugal, com bolsa de estudo. A vizinha lamentava-se ontem: nós aqui com farra e tanto panquê (comida), mesmo apesar da guerra, e ela lá, coitadinha, a comer na noite de Natal. Porque parece que em Lisboa já ninguém está para cozinhar bacalhau, trocando a camisola para a de fast-food e a ceia por um filme na televisão, costumes importados da Europa. Desejo que ao menos não seja filme de guerra ou de gangsters americanos, pouco próprios para a quadra. Quanto ao bacalhau, se os portugueses estão prontos a renegar a tradição, isso não tem mambo, nós cá a conservamos para que um dia se diga em qualquer enciclopédia: ceia de Natal com bacalhau foi costume alienígena, trazido de Angola, que perdurou algum tempo, mas que não resistiu ao fim da colonização, mantendose hoje apenas em África .

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No entanto, apesar de todas as farras e brincadeiras, um qualquer véu aveludará os olhos dos angolanos este ano, mesmo que ninguém a isso se refira. E que muitos de nós acreditámos que este Natal seria o primeiro de toda a família unida. Afinal, alguns homens não quiseram, sempre os mesmos. E passaremos mais um Natal com as famílias e o País partido em dois, mirando-se desconfiados e com dedos nos gatilhos. Comendo uns o bacalhau e os outros raízes. Muitos ficarão engasgados com as espinhas do bacalhau, pensando nisso. Estou certo, porque imprevisíveis somos, muitas vezes irresponsáveis, mas não animais . Muito menos de capoeira.

27-12-92

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2 Kianda dos nossos sonhos

ESTA GUERRA que vai desfazendo o país, perante a indiferença da comunidade internacional, tem consequências insuspeitáveis à primeira vista. Estava eu em Benguela quando li no jornal que fortes calemas (do kimbundo, ) lambiam as praias da ilha de Luanda, ameaçando mesmo a existência da sua parte sul, a Chicala. Ao aterrar na capital, vi do avião que fortes vagas de facto se abatiam sobre a linha da costa. Fenómeno natural, sobretudo nesta época do ano, em que há tempestades no Atlântico e as suas ondas de choque chegam ao continente. No entanto, a dúvida ficou...

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Indo à ilha para ver os estragos (mínimos, na realidade), perguntei a um pescador meu conhecido se por acaso não era efeito do humor sombrio da Kianda. Não duvide, respondeu-me ele. Não vê a linha escura lá no horizonte, com pontos brilhantes no mar? É Kianda. Também que esperavam, se em Novembro a festa de Kianda esteve tão fraca? Eu só assenti com a cabeça, meio incrédulo, com as minhas ilusões científicas. Para os pescadores da ilha de Luanda, primeiros habitantes conhecidos desta zona, Kianda é um ser mítico que habita as águas e que uma má tradução para português associou à sereia. E acabou também por ganhar uma conotação feminina, quando deveria ser neutra, como os grandes do Além. O pior nem foi isso, mas sim o facto de essa associação fazer pensar num ser meio mulher meio peixe. Kianda de facto manifesta-se de muitas maneiras: pode serumalinha mais azul no mar, um bando de gaivotas, um remoinho inesperado, fitas de cores, ou pontos brilhantes.

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Ser benfazejo se respeitado, porque regula o bom tempo e a qualidade de peixe, pode ser irascível se desprezado. Daí que seja necessário fazer cerimónias, o chamado , em que se pede desculpa por qualquer falta de respeito cometida e se fazem oferendas, constando as melhores comidas, a cola e o gengibre, e bebidas que Kianda muito aprecia, em especial vinho do Porto. Hoje, sinal da invasão cultural anglo-saxónica, Kianda aceita bem . O ritual é acampanhado por danças, evidentemente. Então não se trata de ritual kaluanda? Com a colonização, a religião católica foi penetrando o meio dos pescadores e associou-se às celebrações de Kianda, com missa e procissão dedicadas à Nossa Senhora do Cabo, sua face católica. Nos primeiros anos da independência deixou de haver a festa. E logo vieram as cale mas fortíssimas que lamberam a ilha e fizeram escassear o peixe. Os pescadores insistiram com o Governo e este passou a não só autorizar como a facilitar os produtos para se realizar o Kakulu, mas com uma componente turística. Para lá dos rituais tradicionais, há barracas montadas

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com comes e bebes, onde se dança, claro. É a festa da Ilha. Ultimamente o carácter recreativo e comercial da festa tem-se sobreposto ao tradicional e místico. Por isso a população do fabuloso Mussulo, essa língua de areia coroada de coqueiros que corre no Sul de Luanda, dissociou-se dos irmãos da cidade e mantém o seu Kakulu tradicional com todo o secretismo. Mesmo com rituais adulterados pela modernidade comercial, o certo é que os axiluanda (como se chamam as populações da orla marítima) acreditam que se reconciliaram com Kianda. Não sei se por isso, se por causa dos trabalhos de reforço da ilha feitos durante quatro anos, se por causas naturais, a verdade é que nunca mais tinha visto aquelas tremendas calemas dos anos 70, que quase iam partindo a ilha ao meio, o que sucedeu em 1944, época também de pouca crença. E apesar das frotas de todas as nacionalidades sugarem o peixe mesmo à frente dos nossos olhos, nunca mais faltaram as espécies mais apetecidas, sem dúvida as mais saborosas do mundo, deste e do outro. Em Novembro do ano passado, tentou fazer-se a festa na data

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habitual. Mas tinha acabado de haver os combates de Luanda e a guerra espalhavase de novo pelo país. Nem havia ânimo nem talvez os meios para se cumprir a tradição. Lembro-me que ainda por lá passei para ver se os kaluandas seguram o seu espírito tão afamado de dançarmos em todas as circunstâncias e queimavam três dias nisso. Efectivamente, a dor estava demasiado presente e ninguém festejou. Daí a minha suspeita, confirmada pelo meu amigo pescador: os homens ofenderam Kianda? Tudo indica que sim. Neste momento o maior perigo passou. As águas apenas se aproximaram do asfalto na parte Norte, mais protegida, e a Chicala ainda resistiu. Mas a minha vizinha comentou por cima do muro, para o meu quintal: eu sou católica praticante, mas já vi muita coisa nesta vida. Se não fizermos uma festa bem bonita em Novembro, no próximo ano a ilha pode ser engolida. Kianda não perdoa. Foi por causa da guerra que não tivemos festa, disse eu. Pois é, replicou ela, mais uma razão para acabar com esta guerra. Já.

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E fiquei a pensar, se temos um ou uma Kianda que nos defende no mar e do mar, porque não temos um ser benigno que nos defende das guerras? Deve ser mesmo a única coisa que esta terra de todos os mitos ainda não criou. 07-03-93

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3 Choveu em Luanda

EM LUANDA, chuva é mercadoria rara, como tantas outras. Mas em Março e Abril, quando chove é para valer. Por isso, aquilo que em outros lugares é visto como uma dádiva preciosa, aqui significa praga. A cidade nunca esteve preparada para essas cargas de água que se abatem sobre ela e agora ainda menos, pois os bueiros e as valas de escoamento há muito estão entupidos, as ruas esburacadas viram regatos cheios de armadilhas, os largos e terrenos vagos transformam-se em lagoas, e muitas casas se inundam, isto sem falar de consequências mais graves, como acontece nas barrocas em que choupanas são arrastadas pelos espíritos em cólera.

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Pois bem, a primeira grande chuvada do ano aconteceu no último domingo de Março, pela manhã. Logo num domingo, em que toda a gente se preparava para uma praiada de arromba. Realmente, os espíritos andam ofendidos, como então escolher logo um domingo? Estragada a praia, dos poucos consolos que nos restam, cartão amarelo para São Pedro. Só foram três horas de chuva. E até que nem foi das mais fortes. Mas bastou para inundar a cidade. Não se falou de casos fatais, o que já faz uma diferença, nos tristes tempos que correm. Mas paralisou completamente a vida. Se fosse em dia de semana e se começasse um pouco mais cedo, ninguém iria trabalhar. Pois, esqueci-me de dizer que quando aqui chove pela madrugada, mesmo que seja uma chuvinha tímida, já é pretexto para tolerância de ponto. Por isso em Londres ou Bruxelas eu sempre ficava arrepiado a ver ingleses ou belgas debaixo da chuva correndo para o trabalho. Mania de branco loiro! Havia de ser aqui, eh! Se a chuva de domingo pôs mal-humo-

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rados os kaluandas, impedidos de ir à praia, Impedidos de quase sair de casa pois as ruas se tornaram autênticas picadas minadas e os maximbombos desapareceram de circulação, para algumas crianças, no entanto, ela serviu para negócio ou brincadeira. Como sempre. As lagoas provisórias nos bairros logo se transformaram em piscinas, pouco se importando com o facto de a água ser barrenta ou trazer cólera. E as mães estavam ocupadas em tirar a água das casas com baldes e canecas, os pais a ajustar as chapas dos telhados arrastadas pelo vento, por isso as crianças festejavam a liberdade de mergulhar nos charcos. Outras, mais integradas na novel economia de mercado que se vai impondo, resolveram tirar benefícios materiais do . Um grupo, num largo, improvisou uma passadeira com tijolos. Cada adulto que quisesse atravessar por cima dos tijolos, e assim manter os sapatos secos e limpos, tinha de pagar uma portagem. Mas as nossas portagens são provavelmente diferentes das da Europa. Paga antes de passar. Aconteceu com um kota que disse e logo se atreveu a

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atravessar. Passou cinco tijolos, mas não encontrou o sexto. Os miúdos ultrapassaram-no, porque nus e molhados já eles estavam, tiraram - lhe os tijolos da frente . Quando se voltou para regressar, já tinham retirado os de trás. Ficou com um pé em cada tijolo, qual ilha no meio do charco. E ali mesmo pagou a portagem, para que voltassem a colocar os restantes tijolos. Refilou, ameaçou, adiantou? Outros miúdos, lá no Cazenga, mais integrados ainda na economia de mercado, resolveram pôr a render mercadorias que estavam sem utilidade em casa. E postaramse nos largos inundados, com enormes botas de borracha, encontradas sabe-se lá onde, para as alugar a quem quisesse atravessar. Quinhentos kwanzas para lá, outros quinhentos para o regresso. Os economistas que me perdoem, mas chamo a isso rentabilizar um capital morto, pois nunca vi aqui ninguém utilizar botas de borracha. Também apareceram os mais desprovidos de imaginação negocial, pois vendiam directamente a sua força de trabalho. É o caso dos que, a dois e dois, improvisavam cadeirinhas de braços, para carregar as

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donas que se não queriam molhar. Estes não irão longe nos novos tempos de capitalismo selvagem, lamento dizer. Finalmente, também surgiram os futuros marginalizados, pois se limitaram a usar a imaginação criadora para se divertirem. Foi lá para as bandas do Marçal, por sinal não muito longe do meu bairro. As crianças improvisaram passadeiras com pedras, mas algumas não o eram, embora parecessem. Apenas pedaços de esponja habilmente dispostos entre as pedras. E depois escondiam-se entre as casas, a apostar se o kota caía para a direita ou para a esquerda. Estes, como artistas que são, só podem contar com desgraça e cadeia. Cenas de uma cidade que não foi feita para a chuva. Mas acabaram aqui os casos? Claro que não. Além de servir para todas as conversas, de ter faltado a luz em alguns bairros porque as subestações eléctricas se inundaram, provocando curto-circuitos, de uma parte dos telefones ter deixado de funcionar e a televisão ter falhas constantes, a coisa continuou no dia seguinte. Porque os kaluandas, irritados com tanta injustiça caída do céu logo num domingo, não foram

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trabalhar na segunda de manhã, ou chegaram atrasa- dos. Os autocarros, chefe, os autocarros não passaram na minha rua, virou rio. A pé não posso andar e o Governo nunca mais constrói um metro. Então? 11-04-93

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4 Cidade das Acácias Rubras

EM 17 DE MAIO, Benguela completará 376 anos de existência. Foi fundada por Cerveira Pereira, anterior governador de Luanda e daí expulso sob gravíssimas acusações, que iam desde molestar todas as mulheres casadas a roubos, desvios e arbitrariedades contra os moradores. O objectivo de Cerveira Pereira era fazer de Benguela a capital de uma nova colónia, directamente dependente de Portugal e que explorasse as míticas minas de cobre da região. Como o mito das minas de prata de Cambambe tinha levado à criação de Luanda. Nos dois casos, as lendas acabaram por não se concretizar.

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Desde a fundação, os destinos de Benguela e Luanda ligaram-se em interesses e emoções contraditórias. As gentes de Luanda não se conformaram com a nova colónia, sem laços consigo e ainda por cima dirigida pelo homem que mais detestavam. O apoio que devia ser prestado a Cerveira...


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