Recalcamento - Psicanálise PDF

Title Recalcamento - Psicanálise
Course Matrizes do pensamento em Psicologia - Psicanalise
Institution Universidade Federal de Rondônia
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DISCIPLINA: MATRIZES DO PENSAMENTO EM PSICOLOGIAPSICANÁLISE RECALCAMENTO O recalcamento (Verdrängung), segundo Freud, "é o pilar fundamental sobre o qual descansa o edifício da psicanálise”. Assim como os outros conceitos freudianos, esse também sofreu modificações por conta das tradições. Em português, Verdrängung pode ser traduzido por: “repressão”, “recalque” e “recalcamento”. O primeiro refere-se a uma ação que se exerce sobre alguém a partir da exterioridade, enquanto que o segundo designa um processo interno ao próprio eu. Sob este aspecto, a tradução mais consistente com o conceito freudiano de Verdrängung seria “recalque” ou “recalcamento”. Herbart e a Verdrängung. Antes de Freud vários autores fizeram uso do termo Verdrängung, apesar de não ser com o mesmo significado conceitual. Johann Friedrich Herbart quem mais se aproximou da Verdrängung freudiana. Considerava a representação (Vorstellung), adquirida a partir dos sentidos, como o elemento constituinte da vida anímica. Herbart concebia a Vorstellung como uma mônada dotada de vis activa, de uma força que a impele a autoconservar-se. Nesse confronto entre as Vorstellungen pela autoconservação, uma pode ser recalcada (verdrängt) ou inibida por outra, o que faz com que a representação recalcada permaneça inconsciente, isto é, permaneça aquém do umbral da consciência. Segundo ele, há uma força natural e constante (uma konstante Kraft) que impele todas as representações a se livrarem do estado de constrangimento imposto pelo recalcamento e a retornarem ao estado de liberdade, ou seja, a se libertarem da Verdrängung que as mantém aquém do umbral da consciência. O fato de Herbart distinguir entre representações conscientes e representações inconscientes, de afirmar que estas últimas lutam para se tornar conscientes, e que o mecanismo pelo qual são mantidas inconscientes é chamado de recalcamento, por mais que apresente pontos de semelhança com a teoria elaborada por Freud, difere em alguns aspectos essenciais e suficientemente importantes para tornar irredutíveis, uma à outra, as duas

teorias. Permanece o fato de que Herbart não fez do recalcamento o processo responsável pela clivagem do psiquismo em duas instâncias distintas — os sistemas Ics e o Pcs/Cs —,assim como tampouco propôs estruturas e leis de funcionamento diferentes para cada uma delas. Herbart não propõe uma teoria do inconsciente, mas uma teoria da consciência que, apesar de jogar com o dinamismo das representações e com o papel desempenhado pelo conflito psíquico, não ultrapassa os limites de uma psicologia da consciência. Trauma e defesa. A Verdrängung está presente desde os primeiros escritos de Freud, Mas é quando Freud abandona a prática da hipnose e se defronta com o fenômeno clínico da resistência que o conceito de recalcamento começa a se delinear. Freud passa a empregar regularmente o método hipnótico acrescentando a ele características do método catártico de Breuer, que consiste em fazer o paciente remontar, sob efeito hipnótico, à pré-história da doença a fim de que possa ser localizado o acontecimento traumático que provocou o distúrbio. Por influência de Bernheim, Freud passa a aplicar uma técnica que unia a sugestão hipnótica à catarse. Com o tempo, porém, verifica que a sugestão, por seu caráter excessivamente diretivo e coercitivo, acabava criando um obstáculo à pesquisa. Nesse momento, abandona a hipnose e se defronta com um fenômeno que não podia ocorrer com o paciente sob efeito hipnótico: a defesa. Quando abandona a hipnose e solicita a seus pacientes que procurem se lembrar do fato traumático que poderia ter causado os sintomas, verifica que, por mais que se esforcem, esbarram numa resistência a que as ideias patogênicas se tornem conscientes. Analisando detalhadamente cada caso, Freud conclui: o que impedia que essas ideias fossem livremente recordadas pelos pacientes era uma defesa psíquica. A defesa surge, desta forma, como uma censura do eu do paciente à idéia ameaçadora, forçando-a a se manter fora da consciência. Ao mecanismo de transformação da carga de afeto ligada a essas idéias em sintomas corporais, Freud denomina conversão. Apesar do termo defesa ter sido empregado mais para designar uma proteção contra a excitação proveniente de fonte interna (contra as pulsões), quando empregada em sentido amplo designa a ação do aparato psíquico contra toda e qualquer excitação excessivamente intensa. Sob essa forma, defesa não se confunde

com recalque, já que este último possui uma especificidade que não encontramos na primeira. Freud, de posse das noções de resistência, defesa e conversão, tinha que modificar sua própria concepção de terapia. Seu objetivo deveria se ampliar em tornar conscientes as ideias patogênicas a fim de tornar possível sua elaboração por parte do paciente. Este é o momento em que começa a virada do método catártico para o método psicanalítico. Esse movimento de virada se completa com a publicação de A interpretação do sonho, quando o conceito de recalcamento adquire uma formulação mais precisa através da distinção entre inconsciente e consciente, entendidos como sistemas psíquicos.

Da defesa ao recalque A partir de A interpretação dos sonhos, se tem a elaboração do modelo de aparato psíquico, onde o inconsciente passa a ser concebido como um sistema, com uma estrutura e um modo de funcionamento distintos do sistema pré-consciente/consciente. E o operador dessa distinção, e o que responde pelo modo de ser do conteúdo do inconsciente, é precisamente o recalque. Embora o aparato seja constituído por um número maior de sistemas, o essencial a ser destacado é a distinção, ou mesmo oposição, entre o Ics e o Pcs/Cs. Enquanto o primeiro sistema tem sua atividade voltada para o livre escoamento das quantidades de excitação, o segundo sistema tem por função inibir essa livre descarga a fim de tornar possível a ação adequada. O que nos importa, porém, é que desses dois sistemas um funciona como instância crítica (o Pcs/Cs) e outro como instância criticada (o Ics), sendo que a função da instância crítica é interditar o acesso à consciência daquelas representações da instância criticada que possam se constituir como ameaça. Um determinado processo psíquico, pertencente ao sistema Ics, procura acesso à consciência em busca de satisfação. A censura que opera na passagem do Ics para o Pcs/Cs opõe-se a este propósito. A razão da oposição é que a satisfação de um desejo inconsciente, que em si mesma provocaria prazer, provoca também desprazer, relativamente às exigências do Pcs/Cs. Em

decorrência da censura, o desejo tem que permanecer inconsciente, podendo retornar, por exemplo, sob a forma de sintoma ou procurar expressão através do sonho. Nisto consiste basicamente o mecanismo do recalque: uma atividade do sistema Pcs/Cs no sentido de impedir que a atividade do sistema Ics resulte em desprazer. No entanto, o material recalcado persiste na procura de uma expressão consciente, e o faz exercendo uma atração constante sobre os conteúdos do Pcs/Cs com os quais ele possa estabelecer uma ligação a fim de escoar sua energia. Caso não ocorra a liberação da energia represada no Ics, a tensão interna a esse sistema torna-se insuportável. Recalque, destino da pulsão. Há uma economia do prazer/desprazer que tem que ser levada em conta no que se refere à satisfação da pulsão. Em princípio, a satisfação da pulsão, considerada em si mesma, é sempre prazerosa, mas pode ser inconciliável com exigências feitas a partir de uma das instâncias psíquicas. Assim, o que produz prazer num lugar pode produzir desprazer em outro lugar, o que estabelece a condição para o recalque: é preciso que a potência do desprazer seja maior do que o prazer da satisfação. Os sistemas psíquicos, e dentre eles o Ics e o Pcs/Cs, funcionam como parte do aparato psíquico, e operam no sentido de manter o melhor nível de equilíbrio possível entre as exigências pulsionais e as exigências decorrentes da cultura. Portanto, o recalque está a serviço da satisfação pulsional e não contra ela. A diferença em relação às outras formas de satisfação (como a sublimação, por exemplo) é que nela a satisfação se faz indiretamente e às vezes a um custo elevado no que tange ao sujeito. O recalque impede a passagem da imagem à palavra. No entanto, isso não elimina a representação, não destrói sua potência significante. Dito de outra maneira, o recalque não elimina progressivamente o inconsciente. Segundo Freud, o recalque não é um mecanismo defensivo que esteja presente desde o início da formação do aparato psíquico. Esse aparato não está formado assim que o indivíduo nasce, ele é formado aos poucos a partir de certo momento da vida, e para que haja recalque é preciso que haja a distinção entre consciente e inconsciente. O recalque é ao mesmo tempo um

mecanismo do sistema Pcs/Cs contra os efeitos do Ics, e o mecanismo responsável pela divisão do aparato psíquico em Ics e Pcs/Cs. Esse aparente paradoxo é resolvido pela distinção que Freud estabelece entre o recalque original ou primário (Urverdrängung) e o recalque secundário ou recalque propriamente dito (eigentliche Verdrängung). Recalque originário, fixação e inscrição Freud já havia feito divisões do processo de recalcamento 5 anos antes da publicação do artigo sobre o recalque, onde existiam 3 fases: 

1. A fixação;



2. O recalque propriamente dito;



3. O retorno do recalcado.

A primeira fase, a da fixação, corresponde à do recalque primário (Urverdrängung) do artigo de 1915. É apontada por Freud como precursora e condição necessária de todo recalcamento, e consiste em negar ao representante da pulsão o acesso à consciência, estabelecendo-se a partir de então uma fixação (Fixierung), uma ligação da pulsão ao representante de representação. Freud emprega ainda o termo inscrição (Niederschrift) para designar essa fixação da pulsão ao representante de representação e a manutenção deste último num registro psíquico inteiramente inacessível à consciência. As noções de fixação e de inscrição estão presentes em uma carta de Freud a Fliess datada de 6 de dezembro de 1896 (carta 52), onde ele está preocupado em fornecer um esquema do aparato psíquico entendido como um aparato de memória, e a referência central é a noção de traço (Spur). Os estímulos provenientes de fonte exógena e de fonte endógena atingem o aparato psíquico sob a forma de impressão ( Eindruck), sendo que o que permanece como efeito da impressão é o traço, marca mnêmica da impressão. O traço é uma imagem, mas essa imagem não é imagem do objeto externo que o teria produzido. O que vai constituir a memória não é o traço considerado enquanto elemento estático a ser reproduzido, mas as diferenças entre as facilitações, diferenças entre os caminhos tomados pelo fluxo de excitação. A

inscrição do traço ou da representação num determinado sistema mnêmico corresponde à fixação da excitação nessa representação. Então, a representação passa a se comportar como se fosse recalcada. Para que haja recalcamento não é suficiente a ação exercida pelo sistema Pcs/Cs, é necessária também a atração exercida pelas representações inconscientes. É neste ponto que entra em jogo o que ele denomina de Urverdrängung, o recalque originário, que vai fazer com que determinadas representações passem a se comportar como se fizessem parte do sistema inconsciente, isto é, passem a se comportar como se fossem recalcadas e a exercer a atração necessária para o recalcamento propriamente dito. Em relação ao recalque primário, a cena primária não é, em si mesma, traumática; o efeito traumático ocorre só depois ( nachträglich), quando a criança tem possibilidade de significá-la. Nesse momento, o que acontece é sua inscrição inconsciente sem que no entanto lhe possa ser atribuído valor traumático. A inscrição se dá no registro do imaginário, não sendo integrada ao sistema verbalizado do sujeito porque anterior à aquisição da fala. Por ocasião da cena primária não acontece, portanto, o recalque propriamente dito, mas sim aquilo que Freud denomina recalque primordial, uma espécie de demarcação do psíquico que, posteriormente, dará lugar a sua divisão em dois grandes sistemas: o inconsciente e o pré-consciente/consciente. O que torna possível a compreensão da cena não são suas excitações e pesquisas sexuais, mas seu ingresso no simbólico através da aquisição da fala. Fixação, inscrição e recalque primordial não são sinônimos mas correspondem, cada um a sua maneira, ao mesmo momento ou à mesma fase do recalcamento, no caso, ao momento do recalque original ou primordial. Este corresponde a uma primeira inscrição e simultaneamente a uma fixação da pulsão numa determinada representação. No recalque originário “é recusado ao representante psíquico da pulsão o acesso à consciência”. Ora, para que esse acesso lhe seja negado, é necessário que exista uma instância responsável por essa função; ocorre, porém, que essa instância surge apenas após a clivagem do psiquismo, isto é, após o recalque. É necessária, a existência do recalque para que o recalque possa se dar. Aí reside o paradoxo do recalque propriamente dito, razão pela qual Freud teve que postular a

existência de um recalque originário anterior ao recalque propriamente dito, que passa a ser designado de “secundário”. Lacan e seus discípulos na época, contribuem com o tema, afirmando que antes mesmo de se formar o inconsciente como um sistema psíquico, uma rede de oposições significantes opera a captura das representações elementares, criando uma primeira cadeia inconsciente — esta é a inscrição. Simultaneamente, dá-se também a captura da energia pulsional por essa trama de oposições significantes, de tal modo que estabelece-se uma ligação da pulsão à representação — é a fixação. Recalque secundário ou recalque propriamente dito Freud aponta como uma das distinções entre o recalque primário e o recalque secundário o caráter passivo do primeiro à diferença do segundo, essencialmente ativo. De fato, a fixação ou inscrição decorre das primeiras ligações, correspondentes ao primeiro esboço de organização do aparato psíquico, e essas primeiras ligações são sínteses passivas, apenas limitam ou impedem, através do mecanismo do contra-investimento, o livre escoamento das excitações. É apenas num segundo momento que se tornam sínteses ativas. O segundo momento do processo de recalcamento ou recalque secundário é o que Freud denomina recalque propriamente dito (eigentliche Verdrängung), e incide sobre os derivados psíquicos da representação atingida pelo recalque primordial ou sobre os caminhos que podem conduzir a ela. O destino dos derivados é o mesmo que o da representação original: são excluídos da consciência. No entanto, para que haja o recalque secundário é necessário

não

apenas

o

repúdio

por

parte

do

sistema

pré-

consciente/consciente, mas também a atração exercida pelo recalcado primordial; daí Freud se referir

ao recalque secundário como uma

Nachdrängen, uma pressão posterior. Na primeira infância está presente o recalque primário ou original; a partir de então, entra em cena o recalque secundário ou recalque propriamente dito, que incide sobre os derivados do recalque primordial. É o recalque secundário o responsável pela manutenção do sistema inconsciente enquanto

formado essencialmente pelo recalcado (recalcado resultante do recalque secundário); daí ele ser chamado por Freud de eigentliche Verdrängung, recalque propriamente dito. O retorno do recalcado. No primeiro livro dos seus Seminários, Lacan diz que “o recalque e o retorno do recalcado são a mesma coisa”. Freud, no entanto, prefere conceber o retorno do recalcado como um momento relativamente independente no processo de recalcamento como um todo. O que Freud denomina “retorno do recalcado” não é o aparecimento puro e simples, no sistema Pcs/Cs, da representação recalcada. Esse “reaparecimento” se faz por caminhos desviados e por intermédio de derivados que, pela distância do recalcado original e pelas deformações a que foram submetidos, escapam aos mecanismos defensivos. O retorno do recalcado não se faz, devido a uma falha no sistema defensivo, mas precisamente porque foram produzidos derivados submetidos a deformações tais que o caráter ameaçador do recalcado original tenha sido suficientemente atenuado a ponto de ultrapassar a barreira imposta pelo eu às representações recalcadas. No terceiro dos ensaios que compõem Moisés e o monoteísmo (1939), publicado quando Freud já se encontrava exilado em Londres, ele explicita as condições segundo as quais se dá o retorno do recalcado: 1) Se há um enfraquecimento do contra-investimento em decorrência de algum processo patológico que afeta o eu, ou por uma mudança na distribuição do investimento no interior do eu como ocorre no sonho; 2) Quando a articulação da pulsão com o recalcado recebe um reforço especial (como ocorre na puberdade, por exemplo); 3) Quando, em experiências recentes, certas impressões ou vivências semelhantes ao recalcado têm o poder de despertá-lo. Seja qual for, porém, a condição que possibilita o retorno do recalcado, este nunca se dá em sua forma original e sem conflito. O material recalcado é invariavelmente submetido à deformação por exigência da censura, mesmo quando as defesas do eu são diminuídas, como no caso do sono....


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