Nanook of the North (Nanook, o Esquimó) Documentário versus Ficção PDF

Title Nanook of the North (Nanook, o Esquimó) Documentário versus Ficção
Course Antropologia da Imagem
Institution Universidade Estadual de Campinas
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Summary

Artigo realizado como trabalho final para a matéria de Antropologia da Imagem, discorrendo sobre a importância do filme Nanook of The North, de Robert Flaherty, e como esse se relaciona com a Antropologia da Imagem...


Description

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Artes Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação Comunicação Social - Midialogia

Guilherme Vieira Hipólito Vian¹ (R.A.: 217341)

NANOOK OF THE NORTH - ANTROPOLOGIA DA IMAGEM

CAMPINAS 2018

Guilherme Vieira Hipólito Vian R.A.: 217341

NANOOK OF THE NORTH(NANOOK, O ESQUIMÓ): DOCUMENTÁRIO VERSUS FICÇÃO

Trabalho final da matéria de Antropologia da Imagem, do curso de Comunicação Social: habilitação em Midialogia, da Universidade Estadual de Campinas. Professor(a): Prof. Dr. Marcius Freire

Campinas – São Paulo 2018

Nanook of the North (Nanook, o Esquimó): Documentário versus Ficção Guilherme Vieira Hipólito Vian¹ R.A.:217341 RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar minuciosamente o filme Nanook, o Esquimó,

realizado em 1922 por Robert J. Flaherty através de um olhar crítico de nossa época, apontando características próprias do desenvolvimento do filme, tal qual elementos induzidos no mesmo que nos revelam um olhar próprio de seu produtor e realizador. Tais elementos colocados no interior do filme nos revela que o mesmo pode ser visto através do olhar antropológico, mesmo que tenha sido um filme realizado com o viés de ser exibido por Flaherty em grandes salas, para um grande público, em que muitos elementos colocados são ficcionais e não representem a realidade da melhor forma, como vamos ver nos parágrafos abaixo em que desenvolverei a minha análise. Antropológico, pois não só nos revela um resquício de identidade dos integrantes que estão sendo filmados, mas nos mostra também um olhar eurocêntrico que passa uma visão impregnada de estereótipos e podemos assim estudar toda uma questão de “sobreposição” que a sociedade de Robert se colocava em relação aos que eram desconhecidos.

PALAVRAS-CHAVE: Robert J. Flaherty; Nanook of the North; Antropologia Visual; História da Antropologia;

1. INTRODUÇÃO Desde os primórdios, reconhecemos a curiosidade e o fascínio que o ser humano pode ter com o desconhecido. Muitas conquistas do ser humano foram feitas através da busca incessante de tentar entender algo, estudar este algo e finalmente chegar a uma conclusão não-definitiva sobre esse objeto. Assim que a “roda-humana” da curiosidade se mantém. E indiferentemente de outros aspectos pesquisados pelo ser humano, este também tentou se entender e realizar o estudo de si mesmo, a antropologia (Ou talvez o estudo do homem desconhecido pelos europeus, uma vez que é uma ciência européia). Com isso, entre os séculos XVI e XIX, uma literatura etnográfica passou a se desenvolver juntamente às grandes navegações que perduraram pelo mundo inteiro e a busca do conhecimento pelo outro começou a se desenvolver. Ao longo do tempo, muitas outras formas de estudo do ser humano começaram a se desenvolver, e dentre umas dessas temos a antropologia visual, um ramo da “árvore da antropologia” que estuda o comportamento humano através dos vários tipos de imagens que podemos ter. Hoje em dia, tais estudos são realizados através de filmes documentários que são desenvolvidos com o objetivo de estudar o desconhecido em sua maioria. Antigamente,

também era realizado este trabalho através de filmes, fotografias ou até mesmo desenhos, porém muitos são apresentados à sociedade de uma forma totalmente eurocêntrica, que desconsidera a visão do próprio povo sobre a sua própria cultura, gerando arquivos altamente etnocêntricos. Dessarte, estudemos um filme documental-ficcional que pode ser sim considerado antropológico, que foi realizado em 1922 por Robert Flaherty, um explorador que buscou mostrar aos seus espectadores a rotina diária de uma família de esquimós situada no Norte do Canadá. Tal filme pode ser bastante polêmico de acordo com a comunidade acadêmica de hoje em dia, e até mesmo daquela época, por nele estar contido vários elementos que não condizem com o estilo de sintetização de um documentário antropológico. Estarei abordando vários assuntos que concernem tais problematizações nos tópicos abaixo.

2. A HISTÓRIA DE NANOOK 2.1 A história da realização de Nanook of the North Nanook, que pode ser traduzido como “caçador de ursos”, também nomeia o personagem principal, de nome original Allakariallak. O filme teve as

suas primeiras

gravações realizadas em meados da década de 1910, em que Flaherty foi contratado como explorador através da ferroviária Canadian Pacific Railway e o mesmo teve o seu primeiro contato com os esquimós. Interessado pelo estilo de vida, pela cultura e pela arte daqueles que viviam no extremo Norte do globo, Robert adquiriu um aparato e um curso de cinematografia para que pudesse registrar as imagens em preto e branco inaudíveis daqueles que viviam na Baía de Hudson, no norte do Canadá, que também eram desconhecidos por ele e por uma imensa parcela da sociedade. Por volta de 1916, as primeiras gravações estavam sendo praticamente concluídas, quando Robert Flaherty já tinha conteúdo suficiente realizar uma exposição pública de sua obra. Infelizmente, todo este conteúdo que foi registrado também foi destruído, quando a película altamente inflamável do filme foi incendiada em um acidente. Por outro lado, foi através deste acontecimento que Robert decidiu retornar ao Ártico entre Agosto de 1920 e Agosto de 1921 para refazer as suas gravações, porém desta vez com um olhar muito mais ficcional, adotando uma linha muito mais lógica que representava desta vez os acontecimentos rotineiros de uma família de esquimós, utilizandose do mise en scène para conseguir retratar o dia-a-dia de uma melhor forma, mesmo que não

seja o acontecimento real que estava sendo documentado. Com isso, o filme finalmente foi concluído em 1922, e posteriormente passou a ser representado por muitos como o início do gênero documentário.

3. O OUTRO LADO DE NANOOK 3.1 Documentário versus Ficção Nanook, embora seja um filme com um alto teor para uma análise antropológica, possui muitos elementos não antropológicos que também devem ser considerados para compreender o filme. Muitos acontecimentos dentro do filme são montados, embora possuam a aparência de serem reais, como por exemplo no momento em que Nanook está atrás de uma foca para alimentar a sua família. Nessa cena, podemos perceber que o protagonista não está lutando contra um animal, mas sim está apenas encenando para que o filme possua verossimilhança. Como diz o realizador da obra, Robert Flaherty, ‘Às vezes você precisa mentir. Freqüentemente você tem que distorcer uma coisa para captar seu espírito verdadeiro’, admitindo que muitas cenas foram montadas no filme. Com isso, também devemos considerar que através da montagem ficcional do filme sobre a família de Nanook, também está enraizada profundamente a visão de Robert. Com certeza que nós devemos considerar que uma imensa parcela dos filmes antropológicos tenham uma visão implícita de o seu realizador, seja através do recorte das imagens, dos elementos que estão no enquadramento e até mesmo da exclusão do extra-quadro. Porém, a segunda filmagem de Nanook possuía uma visão muito mais enraizada de Robert, uma vez que este já tinha ido uma vez ao local e realizado várias filmagens, portanto já tinha um escopo pré-moldado interiorizado para a sua segunda filmagem, que abandonou o estilo aleatório de filmagem e adotou um estilo muito mais lógico. Não podemos esquecer, também, que o filme foi filmado em uma época totalmente distante da realidade política que nós temos hoje, o mesmo não foi primeiramente pensado para ser exibido como forma verossímil de estudo acadêmico, mas sim foi feito para ser exibido para a população, que certamente queria conhecer sobre esse distante “selvagem”, através de uma forma de arte capitalista. Talvez o que estava sendo filmado e montado não queria agradar o público estudioso, mas sim o público que estava apenas buscando algum tipo de entretenimento. Portanto, os artifícios ficcionais utilizados para a montagem de cenas podem ser justificados até certo ponto.

3.2 O Espectador Porém, não devemos desconsiderar o impacto que tais cenas montadas possam ter ao nosso espectador. Mesmo que este seja distante do que está sendo mostrado, o mesmo se sente próximo de Nanook e cria um estereótipo dos esquimós de acordo com o que está sendo representado para ele através do filme. Como dito acima, Robert talvez não estivesse preocupado em representar a intensa realidade, mas sim em atrair público, ainda mais em uma época eurocêntrica, neocolonialista, capitalista e desprovida de politização que o mundo se encontrava, diferentemente de hoje. Com isso, podemos refletir sobre todos os elementos do filme, os seus enquadramentos, os seus recortes, a sua forma lógica de montagem e os seus elementos que foram colocados dentro do filme. Primeiramente, devemos lembrar que a forma de vida que os esquimós levavam na época que o filme estava sendo filmado já não era mais aquela que estava sendo representada. Existem relatos que comprovam que os esquimós, durante a época de 1920 já utilizavam armas de fogo para a caça (Fig 1), ao contrário dos arpões que são mostrados no filme quando Nanook tenta caçar as morsas(Fig. 2). Além disso, temos momentos em que o protagonista encena de forma que incita a sua selvageria, também temos cenas em que o mesmo desconhece itens tecnológicos trazidos por Flaherty, como por exemplo um toca-disco, sendo que também é comprovado que Nanook já conhecia tal tecnologia, tornando a ficção do filme em mais uma forma de deturpar o pensamento do espectador sobre o desconhecido que estava na tela. Outrossim, também devemos considerar a companheira de Nanook, que muitas vezes é mostrada com os seios para fora, cuidando sempre de seus filhos e fazendo de tudo para trazer o bem para aquela família, trazendo uma personagem altamente idílica. No filme, Robert nos passa uma visão muito mais primitiva sobre o estilo de vida dos esquimós, em que aquele que é desconhecido é também claramente representado como alguém que é “inferior” ao homem que o filma, que possui uma forma eurocêntrica de pensamento, assim como o público alvo.

Figura 1: Desconhecido, A couple of Eskimo Men hunting Walrus with guns, 1920.

Figura 2: FLAHERTY, Robert, Nanook, 1920-1922.

Além disso, durante a duração do filme, é sempre evidenciado um comportamento muito rotineiro e repetitivo, como se a vida de Nanook fosse apenas estar procurando um alimento para poder sustentar a sua família e sobreviver, tal qual sempre estar procurando o melhor local para de fazer uma moradia, acontecimentos esses que não creio que possam representar de melhor forma a vida de um povo, os seus costumes, suas crenças, sua arte, etcétera. Portanto, talvez não seja adequado assistir ao filme para analisar a forma de vida dos esquimós ao que tangencia a época em que foi filmado, visto que apresenta uma visão bem alterada sobre o que de fato era vivido pelo povo de Nanook na época. Mas sim analisar como alguém que possui uma forma dominante de pensamento representa o desconhecido através de uma película cinematográfica e passa essa visão para um público muito maior. De acordo com todos estes elementos supracitados neste tópico, pretendo chegar em um ponto : A construção de um espectador muito mais passivo, em que as ideias que são apresentadas para ele apenas “massageiam” outras ideias que já estavam colocadas dentro de seu pensamento através da construção de um pensamento coletivo, que é atribuído por todos

e construído também por todos, como uma rede neural. Não podemos esquecer que o público alvo do filme desenvolvido talvez não seja um público que está procurando raciocinar sobre algo, divergir e debater, pelo menos não naquela época. O público alvo de Nanook é um público eurocêntrico, que já possui suas ideias formuladas de acordo com uma sociedade que coloniza através de suas ideias, que naturalmente se sobrepõem sobre outras culturas e ideologias. Ou seja, o que está sendo mostrado para o público por Robert, é o que irá massagear essas ideias, algo que cria um ambiente propício para o entretenimento, uma vez que o espectador está confortável em assistir o material e não refletir sobre. Portanto, de acordo com todos os elementos ficcionais do filme colocados acima e as visões do povo de Nanook colocadas por Robert em seu filme também criam estereótipos sobre este por aqueles que o assistem, atribuindo todas as características de um selvagem, de alguém inferior, de um “homem das cavernas”, de um atrasado ao esquimó. 3.3 O lado diferente de Nanook Mesmo com todos os seus elementos de ficção, Nanook ainda consegue se sobrepor sobre alguns filmes documentais de sua época pelo simples fato de Robert querer e conseguir recortar a vida de um esquimó e a sua família. Com isso, Flaherty conseguiu nos passar muito mais do que outros filmes, conseguiu nos passar além de uma verossimilhança a dramaticidade e um valor sentimental, como por exemplo o momento em que Nanook está puxando uma corda para caçar uma foca, em que ele luta contra ela e gera um clima dramático, conseguindo perfurar os sentimentos do espectador, fazendo o mesmo se identificar com alguns personagens e colocando também às primeiras manifestações de dramaticidade em um filme que não era feito apenas de ficção. Por tais motivos colocados não só aqui mas na integridade do artigo, podemos concluir que a busca da realidade por Robert é muito questionável, e é possível que o mesmo não tenha tido o objetivo de nos mostrar o conteúdo com verossimilhança (Mas não descartando o olhar de superioridade implícito no filme).

Figura 3: Desconhecido, Nanook behind the scenes, 1920.

Além disso, não podemos nos esquecer que até mesmo o seu realizador, Flaherty, desconsidera a possibilidade de que o filme seja um documentário, mesmo que seja utilizado hoje em dia para fins acadêmicos. Em alguns momentos, o autor claramente quer despertar no espectador também o inusitado, fazendo talvez com que este duvide, como por exemplo no momento em que o protagonista está em um lago navegando com o seu barco aparentemente sozinho, mas após alguns momentos a sua família inteira sai do barco. Outrossim, também temos momentos em que percebemos que o ambiente foi manipulado, como por exemplo momentos em que o igloo da família é filmado por dentro, e até mesmo em horário noturno, mas a imagem permanece iluminada normalmente (Fig. 3). Não obstante, mesmo com todos os elementos colocados em cena e montados, o mesmo acabou colocando, de forma indireta, questionamentos na esfera documental que perduram até hoje, como por exemplo o uso da mise-en-scène em filmes do gênero documentário, além da utilização de outros artefatos que podem não condizer com a realidade que está querendo ser mostrada.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em virtude de todos os fatos que foram supramencionados, podemos não concluir, mas sim ter as considerações finais e o conhecimento que foi até aqui desenvolvido de que Robert J. Flaherty foi acima de tudo que é considerado hoje em dia, um cineasta e não um antropólogo (como o mesmo reconhecia) que nos trouxe além de muitas dúvidas e questionamentos sobre o gênero documentário. Através de seus estudos a humanidade passou a explorar mais um campo da antropologia, a antropologia visual voltada ao cinema, (pois antropologia visual se dá muito mais do que apenas no campo cinematográfico) em que

podemos estudar vários elementos, como por exemplo a disposição e a interação dos observados com a câmera e a visão que o seu realizados nos quer passar ou até mesmo através da interação dos que estão sendo estudados quando se relacionam diretamente com a câmera, como vemos nos Vídeos nas Aldeias, em que os filmes são realizados pelos próprios moradores das comunidades indígenas.. Porém, mesmo com todas as contribuições de seu realizador ao que concerne o filme antropológico, ainda temos muitos pontos que são altamente questionáveis e equivocados sobre o filme sob o ponto de vista que o seu realizador nos quis passar. Temos o conhecimento de tudo o que foi colocado no filme com o objetivo de representar o cotidiano daquele povo, os seus enquadramentos, seus recortes e a sua linearidade foram colocados em Nanook para representar a visão de Flaherty sobre aquele povo, mesmo que não fosse a realidade dos esquimós. Tais formas de representação tangenciam aquilo que é chamado de Darwinismo Social, em que uma cultura se coloca acima de outra, fato este que vemos claramente no filme quando percebemos que Nanook e sua família, ou melhor, Allakariallak, são mostrados como pessoas totalmente selvagens, desprovidos de conhecimento sobre coisas consideradas básicas para Robert, tal qual são demonstrados como atrasados. Por fim, podemos concluir que mesmo com todas as controvérsias de Nanook e de seu desenvolvimento, temos claramente um documentário-ficcional que pode ser ricamente analisado e através de tal podemos ter muitas conclusões individuais, que podem tanto defender um cineasta que trouxe consigo uma tentativa de entretenimento, ou até mesmo alguém que tinha como objetivo nos trazer um filme antropológico (mesmo que com artefatos ficcionais). Outrossim, através dessa obra, podemos estudar muito além daquele que está tentando ser representado, mas também podemos estudar as ideias, os preconceitos, os costumes, e a visão daquele que está realizando o filme através dos detalhes mais minuciosos.

Referências Bibliográficas AGUIAR, Gabriel(12 a 14 de junho de 2008). Documentário e/ou Ficção: considerações sobre Nanook, of the north, de Robert Flaherty. Acesso em 25 de Outubro de 2018, disponível em Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da

Comunicação: http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2008/resumos/R12-0534-1.pdf LEÃO, Tiago(7 de Outubro de 2015). Nanook of the North: um documentário tão polémico quanto inovador. Acesso em 25 de Outubro de 2018, disponível em Mundo de Cinema:: http://mundodecinema.com/nanook-of-the-north/ MORAIS, Tatyanne(2 a 6 de setembro de 2008). “Nanook, O Esquimó”: Discurso Documental em Consonância com as Estratégias Ficcionais. Acesso em 25 de Outubro de 2018, disponível em Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação(Faculdades Integradas Barros Melo – AESO): http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008/resumos/R3-0777-1.pdf RIBEIRO, Diana. Nanook, o esquimó: um pioneiro do filme documental. Acesso em 25 de Outubro de 2018, disponível em Obvious Mag: http://obviousmag.org/archives/2012/05/nanook_o_esquimo_um_pioneiro_do_filme_docume ntal.html...


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