Romantismo PDF

Title Romantismo
Course Português
Institution Ensino Médio Regular (Brasil)
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Romantismo Resumo...


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ROMANTISMO Romantismo: nacionalismo, individualismo e revolução Estabeleceu-se que, em Portugal, o Romantismo surge em 1825 (data de publicação do longo poema narrativo Camões, de Almeida Garret) e perdura até 1865, com a Questão Coimbrã. No Brasil, inicia-se com a publicação de Suspiros poéticos e saudades (1836), de Gonçalves de Magalhães, e se encerra em 1881, com a publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas. Romantismo início fim Brasil 1836 publicação de Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães 1881 publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis Portugal 1825 publicação de Camões, de Almeida Garret 1865 Questão Coimbrã Eugène Delacroix. A Liberdade guiando o povo. 1830. As ideias iluministas preparam a base filosófica para ocorrer, em 1789, a Revolução Francesa, marco do fim do absolutismo e da ascensão definitiva da burguesia ao poder: era a consolidação do modo capitalista de produção, que teria consequências irreversíveis para todo o mundo. Para as artes, a virada do século XVIII para o XIX também foi marcante. O Romantismo, movimento artístico surgido na Inglaterra e na Alemanha (à França coube coordená-lo e divulgá-lo), representou uma virada tão forte no pensamento e no modo de criar e produzir arte, que muitos teóricos consideram que somos românticos até hoje. De fato, se pensarmos que a escola romântica está diretamente vinculada à Revolução Francesa e à ascensão da burguesia e que ainda vivemos num modo capitalista de produção, é notória a presença do Romantismo no nosso 1 Ambos citados por Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira, p. 99. 2 Antigo Regime. cotidiano. Para entender a dimensão desse movimento, esclareçamos primeiro o sentido do termo. Certamente, num momento de devaneio, fantasia ou cavalheirismo, por exemplo, você já deve ter sido taxado de “romântico”. Essa é a acepção popular da palavra, e não a que usaremos aqui. Aqui, considerar romântico aquele que fala de amor não tem sentido, pois sabemos esse é um tema de que o ser humano sempre se ocupou. Mas há uma grande dificuldade na conceituação do termo. Segundo Paul Valéry, “seria necessário ter perdido todo espírito de rigor para querer definir o Romantismo”. Para Karl Mannheim, “o Romantismo expressa os sentimentos dos descontentes com as novas estruturas: a nobreza, que já caiu, e a pequena burguesia, que ainda não subiu: de onde as atitudes saudosistas ou reivindicatórias que pontuam todo o movimento”1 . Vamos refletir sobre essas declarações. O Romantismo, principalmente em sua primeira fase: [...] vive as contradições próprias da Revolução Industrial e da burguesia ascendente. Definem-se as classes: a nobreza, há pouco apeada do poder; a grande e a pequena burguesia, o velho campesinato, o operariado crescente. Precisam-se as visões da existência: nostálgica, nos decaídos do Ancien Régime2 ; primeiro eufórica, depois prudente, nos novos proprietários; já inquieta e logo libertária nos que veem bloqueada a própria ascensão dentro dos novos quadros; imersa ainda na mudez da inconsciência, naqueles para os quais não soara em 89 a hora da Liberdade-Igualdade-

Fraternidade. Alfredo Bosi. História concisa da literatura brasileira. 3 ed. São Paulo: Cultrix, p. 99. A lém disso, essa falta de conceituação sobre o movimento deve-se em grande parte ao repúdio dos românticos pelas normas clássicas. Eles defendem o impuro, a mistura de gêneros, o caos, os extremos em vez do equilíbrio, o único em vez do perene, o individualismo em vez do universalismo: tudo o que veem do mundo não passa de um reflexo e/ou uma extensão do “eu”. A natureza, por exemplo, que para os árcades era cenário para o idílio dos amantes, agora passa a ser obscura, por refletir o estado de espírito de um eu que se autobusca. Esse egocentrismo se manifesta num sentimentalismo introvertido, instável, móvel, adolescente. Segundo Massaud Moisés, “o Romantismo é uma estética adolescente, expressando sentimentos femininamente adolescentes ou vice-versa”.3 O mergulho em si mesmo desperta a percepção da dignidade da dor e, em certa medida, o gosto pelo sofrimento e pelas fraquezas humanas. Toda essa introspecção conduz ao tédio, à melancolia – “mal do século” XIX – e à consequente fuga da realidade, o escapismo: tentando reencontrar-se com um passado medieval, fugindo para terras exóticas, usando drogas (álcool, alucinógenos), levando vida boêmia ou entregandose a um hedonismo sem limites ou à paixão pela morte. O jovem Werther, personagem de Goethe, por exemplo, 3 Massaud Moisés. A literatura portuguesa. 33 ed. São Paulo: Cultrix, p. 117 suicida-se por não conseguir suportar a dor do amor; tema, aliás, que passa a ser usual na literatura desde então. Leia um diálogo do romance publicado em 1774 e note a presença de duas posturas antagônicas: a de Alberto, noivo de Carlota, espírito racionalista e equilibrado, e a de Werther, apaixonado pela noiva do outro, amante da loucura, da insensatez e da embriaguez como forma de atingir ações livres, nobres e inesperadas. As paixões do insensato – Aí o caso é completamente diferente – replicou Alberto – porque um homem que é arrastado pelas suas paixões perde toda a capacidade de raciocinar e passa a ser encarado como um ébrio, como um demente. – Ai de vós todos tão sensatos! – exclamei sorrindo. – Paixão! Embriaguez! Loucura! Conservai-vos tão serenos, tão desinteressados, vós, os moralistas; cobris de injúrias o bêbado, detestais o insensato, passais ao largo como o sacerdote e agradeceis a Deus, tal o fariseu, por não vos ter feito iguais a eles. Mais de uma vez me embriaguei, minhas paixões nunca estiveram longe da loucura e não me arrependo nem de uma coisa nem de outra, apesar de terem-me ensinado que sempre se haveria de menosprezar todos os indivíduos excepcionais que fizeram algo de grandioso, algo de aparentemente irrealizável! Mas também na vida cotidiana é insuportável ouvir quase sempre gritar para qualquer um empenhado numa ação livre, nobre, inesperada: “É um bêbado, está louco!” Envergonhai-vos, vós todos tão sóbrios! Envergonhai-vos, vós todos tão sensatos! Goethe, Werther. 10 ed. Munique: C.H. Beck, 1982, 14v., VI, p. 467. Leia a letra da canção de Cazuza e Frejat reproduzida a seguir e reflita: ainda somos românticos? Todo amor que houver nessa vida Eu quero a sorte de um amor tranquilo Com sabor de fruta mordida Nós na batida, no embalo da rede Matando a sede na saliva Ser teu pão, ser tua comida Todo amor que houver nessa vida E algum trocado

pra dar garantia E ser artista no nosso convívio Pelo inferno e céu de todo dia Pra poesia que a gente não vive Transformar o tédio em melodia Ser teu pão, ser tua comida Todo amor que houver nessa vida E algum veneno antimonotonia E se eu achar tua fonte escondida Te alcanço em cheio, o mel e a ferida E o corpo inteiro como um furacão Boca, nuca, mão e a tua mente não Ocorreram, durante o Romantismo, a profissionalização do escritor e a disseminação de novos gêneros literários, nãoclássicos, que se disseminaram por todo o Ocidente. Ser teu pão, ser tua comida Todo amor que houver nessa vida E algum remédio que me dê alegria Frejat e Cazuza in cazuza, Preciso dizer que te amo. Toda essa negação do equilíbrio redefine o papel do artista e traz o benefício da solidão (que pode, como vimos, levar ao desespero), a beleza do mistério e o conceito de gênio (para os alemães, Genie, o inspirado): agora, os poetas se creem portadores de um furor artístico, de um estado de transe e de inspiração divina. Têm, portanto, uma missão: são vates, profetas, acreditam ter um dever poético frente aos outros homens. É interessante que embriagar de um individualismo exacerbado pode trazer ao romântico a superação dos liames da convivência: perdese como pessoa, mas encontra-se como poeta e, consequentemente, como missionário. Assim, grandeza, missão e isolamento passam a ser os novos motes do artista, que se afasta cada vez mais do equilíbrio clássico para buscar um novo desequilíbrio. Pessimismo, sadismo e satanismo passam a ser formas de negação e revolta contra determinados valores sociais, demonstrados tanto na ironia e no sarcasmo quanto no ataque direto. Tudo o que contraria as normas (o crime, o vício, os desvios sexuais e morais) é para os românticos tão interessante quanto a virtude e a normalidade. Antônio Candido explica essa nova atitude: [...] denotando individualismo acentuado, desejo de desacordo com as normas e a rotina, é em parte devida à nova posição social do escritor, entregue cada vez mais à carreira literária, isto é, a si próprio e ao vasto público, em lugar do escritor pensionado, protegido, quase confundido na criadagem dos mecenas do período anterior. Deve ter havido na consciência literária um arrepio de desamparo, uma brusca falta de segurança, com a passagem do mecenato ao profissionalismo. A ruptura dos quadros sociais que sustinham o escritor – modificando igualmente o tipo de público a que se dirigia – alterou sua posição, deixando-o muito mais entregue a si mesmo e inclinado às aventuras do individualismo e do inconformismo. Em consequência, torna-se cada vez mais sensível à condição social dos outros homens, como cada vez mais disposto a interferir em seu favor. O advento das massas à vida política, em seguida à proletarização e à urbanização, decorrentes da revolução industrial e das lutas pela liberdade, trazem para o universo do homem de inteligência um termo novo e uma perspectiva inédita. Por isso, ao lado dos pessimistas, encontramos os profetas da redenção humana, às vezes irmanados na mesma pessoa; e o satanismo deságua não raro na rebeldia política e no sentimento de missão social [...]. Assim, pois, o individualismo e a consciência de solidão entrecortados pelo desejo de solidariedade, o

pessimismo enlaçado à utopia social e à crença no progresso aumentam a complexidade desse tempo patético e dourado. É notória também a busca pela liberdade, tanto na expressão como na forma. Já dissemos que se abandonou o rigor clássico. A musicalidade passa a ser um meio essencial para exprimir aquilo que não se consegue dizer apenas com belas palavras. Um ritmo fluido, cantante e declamatório torna-se corrente entre os poetas, assim como o uso de imagens mais próximas dos leitores e, portanto, mais facilmente apreensíveis. As gerações poéticas no Brasil Apesar de atribuirmos a Gonçalves de Magalhães o mérito de inaugurar o Romantismo brasileiro, de romântico ele tem apenas alguns temas, e não a liberdade formal almejada pelos grandes poetas do movimento. No Brasil, a poesia romântica passou por três momentos bem definidos. 1. O nacionalismo da primeira geração Gonçalves Dias foi, sem dúvida, o maior poeta da primeira geração brasileira, marcada notadamente pelo nacionalismo e pela saudade. Num tempo em que a poesia era caracterizada pelo transbordamento, pessimismo e intemperança sentimental, ele conseguiu equilibrar o afetivo e o simples. Persistia nele, porém, a necessidade da medida e um ritmo impecável, que de maneira alguma o desqualificam como romântico. Seu tema mais marcante era o índio. Frisava ora a selvageria, ora a docilidade dos nativos. Um de seus mais belos poemas é I-Juca Pirama (em tupi, “o que há de ser morto”), em que narra a história de um índio Tupi capturado pelos Aimorés que, diante da morte em ritual antropofágico, chora pensando no pai cego e perdido na floresta. Solto e execrado pelos inimigos e também pelo pai, que se envergonha da covardia do filho, I-Juca Pirama entrega-se lutando até a morte pela defesa de sua honra e coragem. Diferentemente dos índios de Alencar, que estudaremos na próxima aula, esse é vazio de personalidade, mas rico de sentido simbólico. Acompanhe um excerto desse belíssimo poema – e não deixe de notar seu ritmo impecável. A seguir, encontra-se “a obra-prima do exótico”5 , lindo poema erótico em que um eu lírico feminino indígena descreve seu desejo de ter rompida a liga rubra de sua virgindade por seu amado Ubirajara. 5 Antonio Candido, op. cit., p. 74. I-Juca Pirama [excerto] Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi: Sou filho das selvas, Nas selvas cresci; Guerreiros, descendo Da tribo tupi. Da tribo pujante, Que agora anda errante Por fado inconstante, Guerreiros, nasci; Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte; Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi. Já vi cruas brigas, De tribos imigas, E as duras fadigas Da guerra provei; Nas ondas mendaces Senti pelas faces Os silvos fugaces Dos ventos que amei. Andei longes terras Lidei cruas guerras, Vaguei pelas serras Dos vis Aimorés, Vi lutas de bravos, Vi fortes – escravos! De estranhos ignavos Calcados aos pés. E os campos talados, E os arcos quebrados, E os piagas coitados Já sem maracás; E os meigos cantores, Servindo a senhores, Que vinham traidores, Com mostras de paz. Aos golpes do imigo, Meu último amigo, Sem lar, sem abrigo Caiu junto a mi! Com plácido rosto, Sereno e composto, O acerbo desgosto Comigo sofri. Meu pai a meu lado Já cego e quebrado, De penas ralado, Firmava-se em mi: Nós ambos, mesquinhos, Por ínvios caminhos, Cobertos d’espinhos Chegamos aqui! O velho no entanto Sofrendo já tanto De fome e quebranto, Só qu’ria morrer! Não mais me contenho, Nas matas me embrenho, Das frechas que tenho Me quero valer. Então,

forasteiro, Caí prisioneiro De um troço guerreiro Com que me encontrei: O cru dessossego Do pai fraco e cego, Enquanto não chego Qual seja, – dizei! Eu era o seu guia Na noite sombria, A só alegria Que Deus lhe deixou: Em mim se apoiava, Em mim se firmava, Em mim descansava, Que filho lhe sou. Ao velho coitado De penas ralado, Já cego e quebrado, Que resta? – Morrer. Enquanto descreve O giro tão breve Da vida que teve, Deixai-me viver! Não vil, não ignavo, Mas forte, mas bravo, Serei vosso escravo: Aqui virei ter. Guerreiros, não coro Do pranto que choro: Se a vida deploro, Também sei morrer Por que tardas, Jatir, que tanto a custo À voz do meu amor moves teus passos? Da noite a viração, movendo as folhas, Já nos cimos do bosque rumoreja. Eu sob a copa da mangueira altiva Nosso leito gentil cobri zelosa Com mimoso tapiz de folhas brandas, Onde o frouxo luar brinca entre flores. Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, Já solta o bogari mais doce aroma! Como prece de amor, como estas preces, No silêncio da noite o bosque exala. Brilha a lua no céu, brilham estrelas, Correm perfumes no correr da brisa, A cujo influxo mágico respira-se Um quebranto de amor, melhor que a vida! A flor que desabrocha ao romper d'alva Um só giro do sol, não mais, vegeta: Eu sou aquela flor que espero ainda Doce raio do sol que me dê vida. Sejam vales ou montes, lago ou terra, Onde quer que tu vás, ou dia ou noite, Vai seguindo após ti meu pensamento; Outro amor nunca tive: és meu, sou tua! Meus olhos outros olhos nunca viram, Não sentiram meus lábios outros lábios, Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas A arazoia na cinta me apertaram. Do tamarindo a flor jaz entreaberta, Já solta o bogari mais doce aroma Também meu coração, como estas flores, Melhor perfume ao pé da noite exala! Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes À voz do meu amor, que em vão te chama! Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil A brisa da manhã sacuda as folhas! 2. O ultrarromantismo byronista A luz da noite faz mais belas as mulheres e as estrelas. Lord Byron A segunda geração é marcada por um Romantismo egótico de extremo subjetivismo: Dizia Obermann, no Senancour: “Eu sinto: eis a única palavra do homem que exige verdades. Eu sinto, eu existo para me consumir em desejos indomáveis, para me embebedar na sedução de um mundo fantástico, para viver aterrado com o seu voluptuoso engano.” Ora, a oclusão do sujeito em si próprio é detectável por uma fenomenologia bem conhecida: o devaneio, o erotismo difuso ou obsessivo, a melancolia, o tédio, o namoro com a imagem da morte, a depressão, a autoironia masoquista: desfigurações todas de um desejo de viver que não logrou sair do labirinto onde se aliena o jovem crescido em um meio romântico-burguês em fase de estagnação. 6 Comer, beber e amar; de que nos pode valer a quietude? Alfredo Bosi, op. cit., p. 120. Dentre os poetas dessa geração, o que mais se destaca no Brasil sem dúvida é Álvares de Azevedo. Não raro ambíguo – como qualquer adolescente, já que morreu aos 20 anos, Azevedo mostra-se dilacerado entre a ternura e a perversidade, a idealização e a degradação da mulher. Demonstrava um cansaço precoce de viver e uma nostalgia do vício e da revolta, corporificando, assim, as várias tendências psíquicas de sua geração. Nele, o sonho aparece tão nítido quanto a realidade, e a fantasia é mais viva que a experiência. “Spleen” e Charutos III Vagabundo Eat, drink, and love; what can the rest avail us? 6 Byron. Don Juan. Eu

durmo e vivo ao sol como um cigano, Fumando meu cigarro vaporoso; Nas noites de verão namoro estrelas; Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso! Ando roto, sem bolsos nem dinheiro; Mas tenho na viola uma riqueza: Canto à lua de noite serenatas, E quem vive de amor não tem pobreza. Não invejo ninguém, nem ouço a raiva Nas cavernas do peito, sufocante, Quando a noite na treva em mim se entornam Os reflexos do baile fascinante. Namoro e sou feliz nos seus amores Sou garboso e rapaz... Uma criada Abrasada de amor por um soneto Já um beijo me deu subindo a escada... Oito dias lá vão que ando cismado Na donzela que ali defronte mora. Ela ao ver-me sorri tão docemente! Desconfio que a moça me namora!... Tenho por meu palácio as longas ruas; Passeio a gosto e durmo sem temores; Quando bebo, sou rei como um poeta, E o vinho faz sonhar com os amores. O degrau das igrejas é meu trono, Minha pátria é o vento que respiro, Minha mãe é a lua macilenta, E a preguiça a mulher por quem suspiro. Escrevo na parede as minhas rimas, De painéis a carvão adorno a rua; Como as aves do céu e as flores puras Abro meu peito ao sol e durmo à lua. Sinto-me um coração de lazzaroni; Sou filho do calor, odeio o frio, Não creio no diabo nem nos santos... Rezo a Nossa Senhora e sou vadio! Ora, se por aí alguma bela Bem doirada e amante da preguiça Quiser a nívea mão se unir à minha, Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa. Álvares de Azevedo, Lira dos Vinte Anos. Rio de Janeiro: Garnier, 1994. São três as publicações de Álvares de Azevedo: a peça teatral Macário, o livro de contos Noites na taverna e a principal delas, o livro de poemas Lira dos vinte anos. Exemplar por demonstrar as contradições do poeta7 , é dividida em duas partes: a primeira representada por Ariel, entidade mitológica que representa a pureza e o espírito angélico, e a segunda, por Caliban, entidade mitológica que representa a zombaria e o espírito satânico. Esses contrastes são a grande qualidade do estilo do jovem poeta, que deliberadamente buscava essa dicotomia. No prefácio à segunda parte, adverte o leitor: “Cuidado, leitor, ao voltar esta página! Aqui dissipa-se o mundo visionário e platônico. Vamos entrar num mundo novo, terra fantástica. Quase que depois de Ariel, esbarramos em Caliban. A razão é simples. É que a unidade deste livro funde-se numa binomia. Duas almas que moram nas cavernas de um cérebro pouco mais ou menos de poeta escreveram este livro, verdadeira medalha de duas faces.”8 Vamos, então, conhecer essa binomia. Os temas escolhidos aqui foram a morte e a mulher. MORTE Ariel - Lembrança de morrer No more! o never more! SHELLEY Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nenhuma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto, o poento caminheiro -- Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro; 7 Apesar de, a partir da edição de 1853, ter sido dividida em três. Como o desterro de minh’alma errante, Onde fogo insensato a consumia: Só levo uma saudade... é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia. Só levo uma saudade... é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas... De ti, ó minha mãe, pobre coitada, Que por minha tristeza te definhas! De meu pai... de meus únicos amigos, Pouco – bem poucos... e que não zombavam Quando, em noites de febre

endoudecido, Minhas pálidas crenças duvidavam. Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda, É pela virgem que sonhei.....


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