Ensaio sobre o Épico De Gilgamesh PDF

Title Ensaio sobre o Épico De Gilgamesh
Course História Antiga
Institution Universidade do Estado de Santa Catarina
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Ensaio para História Antiga sobre o Épico de Gilgamesh...


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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA EDUCAÇÃO – FAED HISTÓRIA ANTIGA Por Lucas Fonseca

ÉPICO DE GILGAMESH

A Epopeia, ou épico, de Gilgamesh é uma compilação de contos sobre os feitos e aventuras do rei-herói de Uruk (Suméria), Gilgamesh. Tais episódios eram oriundos de tradições orais e recitações, somando doze cantos que totalizam aproximadamente 3500 versos (BOTTÉRO, 1992) e foram compilados, originalmente, em 11 tábuas de argila em escrita cuneiforme (uma décima segunda tábua foi adicionada posteriormente, narrando a ida de Gilgamesh ao mundo dos mortos). A obra é há muito tempo uma fonte inesgotável de estudos e interpretações sobre imaginário dos povos mesopotâmicos, explorando o conceito da morte e do inframundo, os ideais de um monarca e valores e sentimentos como a ética, coragem, amizade e sabedoria. As narrativas mostram o processo de amadurecimento e a busca pela imortalidade do rei Gilgamesh. Mais popular pela sua versão encontrada na biblioteca de Assurbanipal (versão ninivita) 1, é considerada por alguns a mais antiga obra literária conhecida pela humanidade. Entretanto, segundo Bottéro (1992), fragmentos mais antigos de tábuas com contos sobre Gilgamesh nos levam a crer que possa ter existido uma versão original babilônica do épico, fato que faria com que o atual compilado assírio deixasse a posição de mais antiga. Gilgamesh foi um rei de Uruk enviado pelo deus Sol, era parte deus e parte homem. Detinha poder, riquezas e força, mas era um governante cruel, solitário, tirano, que se apropriava dos bens coletivos e escravizava seu povo (JARDIM, 2008). Neste sentido, há a primeira representação de um conceito que já existia naquela população: o de um mau governante, o tirano propriamente dito. Apesar de não representar a idealização perfeita, ajuda nessa compreensão ao mostrar justamente o contrário disso: um homem autocentrado, que agia de acordo com os seus próprios desejos e ambições; afastado da coletividade 2 . Logo, um bom governante seria alguém que cumpra as funções do cargo e se comprometa a manter o bemestar do seu povo e não o governar pela força. Neste contexto de tiranias e abusos do governo de Gilgamesh, a deusa Aruru (ou Ninhursag), deusa da criação, concebeu, através do barro (similar à criação do homem na

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Id, Ibid. Id, Ibid.

cosmogonia judaico cristã) Enkidu: um homem tão forte quanto Gilgamesh e criado para derrotá-lo. Enkidu vivia na floresta e seu encontro com Gilgamesh pode ser interpretado como o choque entre a civilização e a barbárie, o confronto com o outro (RAULINO, 2008). Os dois lutam, mas Enkidu salva a vida de Gilgamesh e dali em diante eles se tornam amigos inseparáveis. A amizade deles é de suma importância para essa história pois é o motor para a metamorfose do rei tirano em um rei-herói justo e sábio que vemos nas últimas tábuas. Por trás dessa mudança na forma de governar da personagem, podemos observar o outro lado da idealização de monarca que já foi explicitada: agora temos a representação imaginária do bom governante, que defende seu povo e seus aliados; e ainda mais por trás dela encontramos um valor universal: a ética. Após tentativas falhas dos deuses em matar Gilgamesh, eles se enfurecem, exercem a sua soberania divina e matam Enkidu. Este acontecimento devasta Gilgamesh, que faz todos chorarem pela morte de seu amigo e chora ele mesmo por 7 dias e 7 noites sobre o corpo morto de Enkidu (CARDOSO, 1986). Traumatizado por esse choque com a morte, o rei deposita todas as suas energias em uma busca implacável pela imortalidade. A forma com que a morte é mostrada ao longo do poema diz muito sobre como este assunto era visto ou pensado na cultura mesopotâmica. Estas sociedades tinham medo do obscuro, do desconhecido (SANTOS, 2014) e a representação do inframundo no imaginário desse povo, de acordo com Jean Bottéro (1992), era de um lugar escuro e empoeirado com as vestes feitas de penas. A partir deste receio é que Gilgamesh passa a ir atrás do que o tornasse imortal, algo que só poderia ser feito por um dos deuses, que já não gostavam dele por conta de seu comportamento arrogante e insolente perante as entidades divinas. Ao longo deste processo de tentar tornar-se imortal, Gilgamesh vai amadurecendo, se tornando cada vez mais justo, sábio e digno de respeito e no final dessa longa jornada se vê obrigado a aceitar a inevitabilidade da morte e entende que a imortalidade para os humanos é o seu legado de justiça, bondade e bens materiais deixados ao mundo dos vivos. Esse desfecho do épico de Gilgamesh difere da maioria das histórias com os finais felizes, pois ele não consegue emplacar a sua maior ambição, mostrando as falhas do herói e reafirmando a sua mortalidade, e consequentemente, o inexorável destino dos humanos. Portanto, durante essa história vemos uma construção de uma personagem que reflete em muitos aspectos as concepções e idealizações daqueles povos acerca da sociedade (das individualidades às formas de organização) e do mundo. Temos, como foi mostrado, as duas faces de um governante, a relação do poder real com as divindades, o poder soberano das divindades sobre a fraqueza da mortalidade humana, a transformação de uma personalidade sem amigos, cruel e injusta, em um exemplo a ser seguido, um governante que se torna superior ao seu povo, não por seus atributos divinos, mas sim pela sua sapiência, suas experiências, sua II

coragem e seu senso de justiça. Vemos, estampado pela busca pela imortalidade, o medo e as suposições acerca da vida após a morte e uma vontade de ser lembrado por toda a eternidade. O conceito de imortalidade é transformado durante o épico: de uma vida de fato eterna a uma construção de um legado que perdure por muitos séculos. Esse compilado datado da segunda metade do segundo milênio antes da era comum certamente ainda está aberto a muitas interpretações sobre seus usos, seus significados e suas representações no contexto das civilizações mesopotâmicas. É até hoje um documento muito importante para a história, para a literatura e para outras áreas do conhecimento que buscam analisar e compreender as civilizações antigas, suas ideias e seus modos de interpretar o planeta e a sociedade em que viviam.

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REFERÊNCIAS: AN Old Babylonian Version of the Gilgamesh Epic. Connecticut: Yale University Press, 2006. 93 p. Disponível em: .

BOTTERO, Jean. Mesopotamia. Writing, Reasoning and the Gods. Chicago: The University of Chicago Press, 1992.

BOUZON, Emanuel. A Epopeia de Gilgamesh e suas fontes. In: BOUZON, Emanuel. Ensaios Babilônicos: Sociedade, Economia e Cultura na Babilônia Pré-Cristã. Porto Alegre: Edipucrs, 1998. Cap. 5. p. 125-156.

CARDOSO, Ciro Flamarion. Mesopotâmia: Concepções acerca da vida após a morte. In: CARDOSO, Ciro Flamarion. Deuses, múmias e ziggurats: uma comparação das religiões antigas do Egito e da Mesopotâmia. Porto Alegre: Edipucrs, 1986. p. 133-138. (Coleção História 27).

D’AGOSTINO, Franco. Gilgamesh o La Conquista de la Inmortalidad. Madrid: Editorial Trot- ta, 2007.

JARDIM, Rafael Peruzzo. A Jornada do Herói em Gilgamesh. Letrônica, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p.256-265, dez. 2008.

RAULINO, Berenice. Gilgamesh: a busca da imortalidade. Sala Preta, v.8, p. 81-87, 28 nov. 2008.

SANTOS, Marco Pais Neves dos. O Conceito de Morte para o homem mesopotâmico na Epopeia de Gilgamesh. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 48, n. 1, p. 108-123, abr. 2014. Disponível em: .

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