Gerard Lebrun - O Avesso da Dialética: Hegel à luz de Nietzsche (1988) PDF

Title Gerard Lebrun - O Avesso da Dialética: Hegel à luz de Nietzsche (1988)
Author Alan Duarte
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Summary

GÉRARD LEBRUN O AVESSO DA DIALÉTICA HEGEL À LUZ DE NIETZSCHE Tradução: RENATO JA N IN E RIBEIRO ______ COMFANHIA EKS LETRAS Oadoi d« C a t a lo g a ç ã o na P u b lic a ç ã o (C IP ) In lo rn a clo n a l (C A m a ra B f a s ila lra d o Llvro , S P , B r a s il) L cb ru n . C e ra rd , 1930- 0 avess...


Description

GÉ RARD LEBRUN

O AVESSO DA DIALÉTICA HEGEL À LUZ DE NIETZSCHE T r a d u ç ão : R E N A T O J A N IN E R IB E IR O

______ C O M F A N H IA E K S LE T RAS

O a d o i d« Ca t a l o ga ç ã o na Pu b l i c a ç ã o ( CIP) Inl or nacl onal ( CAm ar a B f asi l al r a d o Ll vr o, SP, Br a si l )

L c b r u n . Ce r a r d , 1 9300 a v e s s o d a d i a l é t i c a : He g e l â l u z d e Ni e t z s c h e Gé r a r d Lc b r u n ; t r a d u ç ã o Re n a t o J a n i n « Ri b e i r o . — Sã o P a u l o : Co m p a n h i a d a s L e t r a s , 1 9 8 8 .

/

ISBN 85- 7164- 007- 6 1. Di a l é t i c a 2 . He g e l , Ce o r g Wi l h e l m F r i e d r i c h , 1 7 7 0 - 1 8 3 1 3 . N i e t z s c h e , F r i e d r i c h , Wi l h e l m , 18441 9 0 0 I . T í t u l o . 1 1 . T i t u l o : He g e l > l u z d o Ni e t t s c h s -

ín d ic e s p a r a c a t á lo g o s is t e m á tic o : 1 . Di a l é t i c a b e g e l i a n a 2 . F i l o s o f i a a l e mã 193

s F i l o s o f i a a l e mã

1 93

C o p y r ig h t © G é r a r d L e b r u n T r a d u ç ã o d o P r e fá c io : C lá u d io M a r c o n d e s

Capa: E t t o r e B o t t in i

a p a r t ir d e E le m e n t o s m e c ân ic o s s o b re f u n d o v e r m e lh o ( 1 9 2 4 ) , d e F e r n a n d Lé g e r

R e v is ã o : O lg a C a f a lc c h io A d a lb e r t o C o U t o E lv ir a d a R o c h a

1988 E d it o r a Sc hw a r c z Lt d a . R u a T upi, 522 01233 — S ã o P a u lo — SP Fone s : (011) 825- 5286 e 825- 6498

Í N D IC E

Pr e fácio

............................................................ .................

^

i. A ve r da de ir a t e o d ic é ia .......................................................... II.

O pode r s e m a f o r ç a ............................................................

65

m . A grande s us pe ita ................................................................ A doçur a de te me r ..............................................................

167

v. O te ma do c ír c u lo .......... . ............. ......................................

213

v i. O c ír c ulo dos c ír culos ........................................................

243

.......... .........................* ............. ................................

293

I V.

Notas

P R E F Á C IO

Os ens aios r e unidos neste livr o dize m re s pe ito à dia lé tic a hegelia n a . Não se tr ata de is olar a a r ma ção de s ta, pois a “ dia lé tic a ” n ão é a lgo que se pos sa r e s umir de uma ve z por todas : c omo ind ic a por vezes o pr óp r io He ge l, s ua e s tr utur a v a r ia c onfor me seus mome ntos (por e x e mplo, e m ca da uma das três parte s da L óg ic a). Trata- se ape ­ nas de a na lis a r a lguma s amos tras da dia lé tic a c om um obje tivo be m pr e cis o: de te r mina r certas opçõe s que e la, sem o dize r , im plic a . P r i­ me ir o, opçõe s ontológic a s , c uja de te cção muita s vezes exige re fe rência aos clás s icos gre gos. Mas ta mbé m — e ins e par ave lme nte — opçõe s a ntr opológic a s , que o pe r fe ito func iona m e nto da m a q uina r ia he ge liana c o ntr ibui pa r a dis s imula r ao le itor . Não que e xis ta a í qua lq ue r de s le al­ da de por par te do a utor . Ac r e dita mos que o e fe ito de dis s imula ção se de va à p r óp r ia na tur e za de ssa "g in ás t ic a ” c onc e itua i, de no m ina da “ d ia ­ lé t ic a ” pe lo me nos de s de o Parm ê n id e s de P la tão, e que cons is te em de ix a r que se e x plic ite m s ignificaçõe s que o "e nte nd ime nto s ão ” não s onha r ia e m que s tiona r , pois as s upõe “ be m c onhe c ida s ” , c omo disse ir onic a me nte He ge l. Por isso, todo dis curs o dia lé tic o de ve , antes de tudo , ser c ompr e e ndido c omo um jogo, de s tina do a de s iludir o le itor a tur d ido — e todos nós o s omos , ne ce s s ariame nte . O “ U m ” , o "Me s ­ m o ” , o “ Ou t r o ” . . . apar e ce m, num a pr ime ir a a pr ox ima ção, c omo s ig­ nific a çõe s no m ín im o es táve is par a que m c o nfia na lingua ge m cor r i­ que ir a : a tar e fa do dia lé tic o é, po r ta nto , t o m a r flutua nte s tais s igni­ ficaçõe s , e nos faze r de s cobr ir e m ca da uma de las um n in h o de a por ias e de contr a diçõe s . Ne ssa me tamor fos e dos conce itos , que à pr ime ir a vis ta pare ce le var dir e to ao ce ticis mo, se e la bor a o Sabe r ao qua l o “ e nte ndime nto ” e ra, por na tur e za , inc a pa z de te r acesso. Este é o m o v i­ me nto da dia lé tic a : uma pe dagogia que pa r te da idé ia de que os a lunos se e nc ontr a m na total igno r ânc ia do s ignific a do das palavr as que e m­ pr e ga m. Se é as s im, talve z nos pe r gunte m: por que toma r c omo h ip ó­

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tese de tr a ba lho este que é um jogo tr uc a do ? Por que le va nta r uma s us pe ita de pr inc íp io contr a um dis curs o que pr e te nde e lim in a r todos os bloque ios e dis s ipar todas as mir a ge ns do fa la r c o tidia n o ? P or que essa obr a de de s mis tific a ção de ve r ia ser s ile ncios ame nte m is t ific a do r a ? T oda via , se le varmos e m c onta esses e s cr úpulos , seria impos s íve l e mpr e e nde r q ua lque r que s tiona me nto do dis curs o he ge liano. Par a nos dis ta nc ia r de le , te ríamos de e s colhe r e ntre ape nas duas pos içõe s : ou c o ntinua r dir igindo a He ge l as obje çõe s do "e n te n d ime n to ” , que e le pr óp r io te ve o pr aze r de r e futa r a nte c ipa da me nte , ou e ntão c o nc luir que seu sistema não pas s a de um a monta ge m de s ofis mas , de um gigante s co V e rn ün f te ln . A que m re cus ar essas a titude s , resta o c o m e n ­ t ário , c om s ua fa c ilida de e seu ris co. Fa c ilida de , pois o c ome nta dor se d á a g a r a ntia de na d a e nc ontr a r a lé m dos pr oble ma s locais de inte r ­ pr e ta ção, os qua is não c oloc a r ão e m caus a a pe r tinê nc ia , a d m itid a pr e via me nte , do dis curs o. Ris c o, ta mbé m, pois , u m a ve z ace ita a v a li­ dade das regras do jogo, e s tamos de s tinados a r e utiliza r in d e fin id a ­ me nte uma lingua ge m s obre c ujo v alo r nunc a nos pe r gunta mos . A isso se de ve a m ono to nia de muitos dos bons c ome ntár ios s obre He ge l: ao intér pr e te na da resta a lé m de fa la r , por s ua ve z, o “ he ge lia no” e de nos apre s e ntar e m c âma r a le nta a muta ção das s ignificaçõe s . Em s uma , ao pr oc ur a r manter- se fie l à dia lé tic a , ele acaba se de ix a ndo le var por e la e, po r c ons e guinte , ope r a s obre me ros conce itos , sem ja ma is referi- los a qua lq ue r e x pe r iência. Na ve r dade , a p r óp r ia dia lé tic a cons trange o c ome nta dor a adotar essa s olução. De s de Sócrate s , o dia lé tic o fa z cre r (ou acaba po r faze r cre r) ao senso c o mum que s ó ele te m pos s ibilida de de e nc ontr a r a e xata de finição do conce ito que os home ns s e que r ha via m pr oc ur a do. Some nte e le, d o fun d o de s ua do uta igno r ânc ia , será c a pa z de faze r e ntre ve r o que é o Jus to, o que é o Be lo, inc o ndic iona lme nte e s ob todos os aspectos. Pois essas pa la vr a s d e v e m ce rtame nte de s ignar a lg u­ ma cois a s ub s pe c ie ae te rn itatis . Mas aque le s que as e mpr e gam (p o r ­ que s ão e s tragados pe la e duc a ção da cida de , inte ir a me nte toma dos pe la vida pr átic a etc.) nunc a e x pe r ime nta r a m a ne ce s s idade de trazê- las à luz. O dia lé tic o , po r ta nto , se e ncarre ga de re mar contr a a corre nte e de afas tar seus ouvinte s do us o c o m um da lingua ge m: ao de s locar os conce itos us uais , ao dis s ipar as pobre s convicçõe s que os in d uz ia m , ele c o nd uzir á o inte r loc utor da inc u lt ur a até o s abe r a bs oluto. Ess a é a p a id é ia pre s e nte ta nto na a le gor ia da Ca ve r na qua nto na Fe nom e n o lo g ia. E esse e s que ma pe dagógico é re s pons áve l por gr ande parte do ê x ito da dia lé tic a , pois se a de qua de modo a dmir áve l ao e s pír ito de uma “ filo s o fia ” c onve r tida e m d is c iplina unive r s itár ia . Há um bom

te mpo os ve lhos “ s iste mas filo s ófic os ” de ix a r a m de a tr a ir profes s ores e e s tudante s , te ndo s ido de ix ados de boa vontade à dis s e cção dos his ­ tor iadore s e s tr utur alis tas . A dia lé tic a , po r outr o la do, cons e rva seu pode r de s e dução. Qua is q ue r que s e jam as dific ulda de s acarre tadas aos dis c ípulos pe los “ longos de s vios ” pla tônic os ou pe las re viravoltas hegelia na s , elas ta mbé m lhe tr aze m a ce rte za de que esse ár d uo pé r ip lo será re compe ns ado e que ele já se e ncontr a no c a m inho do s abe r, que s ua ing e nuida de inic ia l já fic ou longe atrás de si. De s s e m o d o , a dia lé tic a (as s im c omo, é ve r dade , a fe nome nologia ) s us te nta a c onvic ção, que não de ve de s gos tar ao filós ofo- apr e ndiz, de que a a quis ição do “ s abe r filo s ófic o ” exige que se tome dis tânc ia fr e nte aos saberes “ ing ê nuo s ” que nos s atis fize r am até e ntão. Os h o ­ me ns , assegura- nos o dia lé tic o, nunc a s oube r am dize r o que e ra o Jus to, o Be lo, o P ie d o s o .. . E e u lhe s do u os me ios pa r a que re alize m be m essa inve s tigação. Pois , e nfim, por que o Be lo, o Jus to, o Pie ­ dos o . . . de ve r iam pode r ser de te r mina dos no a bs o luto ? Do s imple s fa to de pe ns ar que e xis tam ess ências e que elas s e jam for muláve is , pode r ía mos m u it o be m s uc um b ir à p io r inge nuida de , à q u a l s omos c o nduzidos , pre cis ame nte , pe lo e mpr e go ir r e fle tido da lingua ge m. Os home ns não s ab e m , lite r a lme nte , o que dize m: este é o po nto de par­ tida do dia lé tic o. Ma s , é isso o im po r ta nte ? T alve z o que impor ta seja que os home ns c ons ide r a m as palavr as c omo ins tr ume ntos te óricos , de ix a ndo as s im aos filós ofos o c uida do de e s tipula r e m o “ c onhe c i­ m e n to ” c o ntido e m tais s inais . De s s a s upe r e s timação da lingua ge m, d izia Be rke le y, nas ce m os pr oble ma s filos ófic os : “ nós me s mos le va n­ tamos a poe ir a e de pois r e clamamos de que na da cons e guimos ve r ” . Essa fras e as s inala uma lin h a divis ór ia e ntre os filós ofos . Ou be m c o ntinua mo s a ac r e dita r que exis te algo pa r a se ve r atrás da nuve m de poe ir a , e que a "r a z ã o ” , e mpr e gada de modo c onve nie nte , pode nos coloc a r e m pre s e nça das “ pr ópr ia s cois as ” . . . o u, e ntão, não nos arris camos ma is a “ le va nta r a p o e ir a ” e, re cus ando a he r a nça dos clás s icos gre gos, pr oc ur a mos ape nas de s monta r as a r ma dilha s que nos coloc a todo logos . N ão é ce rto que este outr o m o d o de pe ns ame nto s eja outr o modo de “ filo s o fa r ” , vis to que im plic a a dis s olução das ilus õe s que t o m a r a m pos s íve l o a dve nto de uma “ filo s o fia " que se cons ide r a va c omo o s abe r s upr e mo (pense- se e m Nie tzs che , mas ta m­ bé m e m Sc hope nha ue r e e m Be rgs on). E m todo cas o, ele fa z s urgir que s tõe s de s re s pe itos as . Afin a l, e ra o bo m senso dos ate nie ns e s tão de s pre zíve l q u a n to dizia P la tão ? É tão e vide nte as s im que a a titude de “ e nte ndime nto ” , da qua l He ge l nos libe r ta , nos c o nfina e m ce rte ­ zas abs tr atas ?

líssas que s tõe s não se coloc a m q ua n d o e s tamos presos ao jogo da dia lé tic a . De s ne ce s s ário dize r , por ta nto, que , par a nós , o “ e nte n­ d im e n to ” fix ou inde vida me nte as s ignificaçõe s e intr o d uziu opos içõe s falacios as . E, s obr e tudo, não mais s onhamos e m e x a mina r o va lor dos conce itos c onfor me nos fo r a m tr a ns mitidos pe la tr a dição. Nos s a tare fa é s ome nte faze r c om que se dis s olvam e, c om isso, re ave r s ua “ ve r­ d a d e ’', as s im c omo a tare fa de Sócrate s , nos diálogos , é de s monta r os ar gume ntos de modo a pr ovoc a r , na que le s que os s us te ntam, o s e nti­ me nto de seu não- sabe r. Essa bus ca e x clus iva d a “ ve r dade ” nos dis ­ pe ns a de q ua lque r re fle xão pr é via s obre o s e ntido us ual das pa la vr a s . Por que este conce ito es tá ma r c a do desse m o d o ? Por que o us o de s ta pa la vr a pre vale ce u s obre e le ? He ge l de ixa ao filólo g o , ao his tor ia dor do fo r tuito , essas que s tõe s indigna s da filos ofia . A dia lé tic a nos afas ta dessa c ur ios ida de filo lóg ic a , pois s upõe que os home ns s e mpre fa la r a m de uma o u outr a ma ne ir a . Na d a se pode e s pe rar dessa mic r c his tór ia , a filo lo g ia , q u a n d o se tr a ta de fa ze r s ur gir o c once ito da cois a, e a dia lé tic a , de modo mais ge r al, fa z ape nas c om que volte mos as costas aos h is t o ria i, is to é, às inv e s tig açõe s po s itiv as . Nas ce as s im um dogma tis mo mais ins inua nte do que a que le que proce de por Ax ioma s e T e ore mas e que , me lho r do que este, nos as s e gura que só de pe nde de nós fa ze r com que se ma nife s te o dis curs o da Ve r da de . Re fúg io ine s ­ pe rado par a a te ologia. N ão h á d úv id a de que pode r ía mos obs e r var que , ao se conte s tar desse m o d o a pe r tinê nc ia da dia lé tic a , acaba- se la nça ndo s us pe itas s obre todo o e mpr e e ndime nto filo s ófic o. E po r que o ne gar ? Se e n­ te nde mos por "filo s o fia ” a a tivida de de pe ns a me nto que , po r seus pr ópr ios re curs os, de ve ria nos forne ce r um re grame nto de finitivo dos conce itos abs tratos , s im, é da filo s o fia que de s c onfia mos , e e s pe cial­ me nte de s ua pre te ns ão (dia lé tic a ou fe nome nológic a ) de ultr a pa s s a r em r igor ou pe lo me nos r iva liza r com as dis c iplina s for ma is . No e n­ tanto, por q u a l obs tina ção léxica de ve r íamos vinc ula r a s orte da filo ­ s ofia à cre nça na e xis tência de u m io go s que seria de te r mina do e m últ im a ins tânc ia por um mé todo d a d o ? Por que de ve r ia a filo s o fia , pa r a me re ce r c r é dito, toma r o luga r , dor a va nte vago, da te ologia ? Filos ofar pode r ia m uito be m cons is tir e m inte r r ogar a e x pe r iênc ia que te mos das palavr as , e e m r e s tituir a suas dive rs as orige ns as s ignifi­ cações c uja ve r dade os filós ofos pr e te nde m re e ncontr ar c om um “ dis ­ curs o s é r io” . Não ma is e x plic ita r o s e ntido (que , de s de s e mpre , espe­ rava ser e nunc ia do ), mas inve s tiga r os acasos de s ua for ma ção. Esse é o e s pír ito com que te ntamos , a q ui, a na lis a r a lguns te mas he ge lianos , s imple s me nte par a mos tr ar que a dia lé tic a pe rmane ce ine ­

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vitave lme nte presa a certas e s colhas s e mânticas . Qu a n d o s ubme tida a esse tipo de e xame — que , be m e nte ndido, e la re cus a por p r inc íp io — pe rce be mos que s ua r a dic a lida de é ape nas a par e nte , vis to que ela r e a lizou, s ub- re pticiame nte , uma be m de te r mina da fle x ão e m seus c on­ ce itos , e m vez de e x tir pa r todo pre s s upos to c om seu me r o e xe rcício. Pe rcorre r essa dime ns ão é de s c obr ir que h á u m po nto de vis ta a pa r tir do qua l a r azão he ge lia na se e xpõe ao me s mo tipo de c r ític a que e la pr óp r ia dir ige sem cessar ao “ e n te nd ime n to ” . É come çar a de s ve ndar o avesso da dia lé tic a . Ela ta m b é m é pa r c ia l. Ela t a mbé m oc ulta seus pre s s upos tos . Ela não é o me ta dis c ur s o que pr e te ndia ser e m re lação às filos ofias de “ e nte ndime nto ” . De onde vir ia essa a finida d e e ntre a razão e s pe c ula tiva , a de s­ pe ito de s ua pre te ns ão s ubve r s iva, e o que e la de no m ina "e n t e n d i­ m e n to ” ? Para c ompr e e nde r isso, le mbre mo- nos de que o “ e nte ndime n­ to ” é o nome , c om fr e qüê nc ia pe jor a tivo, que He ge l d á à “ r a zão ” dos clás s icos , c ompr e e ndida c omo fa c uld a de de de s cobe rta e de possessão de pr inc ípios . Ka nt, e m ce rto s e ntido, mante ve essa “ r a z ão ” e m s e u lu g a r, a inda que mos tr a ndo , é ve r da de , s ua inc a pa c ida de de nos pr o ­ por c iona r , po r si me s ma, q u a lq u e r c onhe c ime nto, e que s ua operaciona lida de se re s tringe a uma áre a e s tre itame nte de limita d a , a li onde (s ob o nome , pr e cis ame nte , de “ e nte ndime nto ” ) e la ape nas a r tic ula a in t uição s e nsíve l. Qu a n d o ope r a c omo razão s tric to s e ns o e nos aguiIhoa e m dir e ção ao in c o n d ic io n a d o , e la não pode ser ma is do que uma fonte de dis s abore s : a his tór ia da me ta fís ic a bas ta pa r a ind ic a r isso. O pós - kantis mo, c omo se s abe , r e s tituiu os dir e itos dessa “ r a zão ” que Ka nt ha via c r ite r ios a me nte d is ting uido do e nte ndime nto , mas que ha via c a lunia d o de modo de s as tros o, pe lo me nos e nqua nto r a zão te ó­ rica. Vítim a de seu pr e conce ito e m fa vo r do "e n t e n d im e nt o ” (e m ce rto s e ntido, de s de e ntão, pe jo r a tivo ), Ka n t não ha v ia fe ito jus tiça à na ­ tur e za da r azão. A ve lha me ta fís ic a ce r tame nte n ão tinh a ma is motivo de ser: nesse ponto, o dia gnós tic o ka ntia n o era jus to. Ma s o s abe r a bs oluto, longe de te r se tor na do impos s íve l, po dia e n fim toma r im ­ puls o, pe lo fa to de que a r a zão cessava (graças a Ka nt ) de ser c on­ fu n d id a com o e nte ndime nto , e o s abe r filo s ófic o c om as ciências pos itivas . No fim das contas , o s is mo k a n tia n o colocou a de s cobe rto, de modo ine s pe r ado, o s abe r a bs oluto, que os maior e s pe ns adore s “ dogmátic os ” ha via m ape nas a nunc ia d o vagame nte . Ka nt ha via assi­ na la do o fina l desses e ns aios infe lize s . Ma s , s obr e tudo, ha via libe r ­ tado, e dis s o não tinha d úv id a , o loc a l do ve r da de ir o s abe r de si da r a zão. Entr e os “ do g mátic o s ” (no s e ntido de Ka n t) e He ge l, e xis te , por ta nto, e m c o mum, essa c o nvic ção de que a r a zão não é uma facul15

dndc ape nas e ncarr e gada de fo r ma r os conce itos , mas um pode r de c onhe c ime nto o r igina l. Esse p o nt o , a liás , não ha via s ido conte s tado por Ka nt. .Ele ha via s imple s me nte ne gado que o home m, ser f in it o , pude s s e conhe ce r algo po r me io da r a zão pur a . Mas a dmitia a va lida de desse modo de c onhe c ime nto pa r a seres cons tituídos dife r e n te m e nte ... Essa c o nfia nça no pode r o r ig ina l da r a zão não bas ta, ce r tame nte , par a car acte r izar a dia lé tic a he ge lia na . Mas pode nos ofe re ce r uma pis ta que nos p e r mitir ia c o nto r na r esta últ im a . A hipóte s e é a s e guinte . Se o s is te ma he ge lia no é vulne r áve l, isso não se de ve a seu dogma tis mo (no s e ntido c o mum ) ne m a seu ide a lis mo, o u, a ind a , ao fa to de que He ge l te ria tr a ta do s upe r fic ia lme nte as c iências de s ua é poca. Para e nc ontr a r a fa lha na c our a ça , pr e cis amos nos conve nce r de que toda c r ític a a He ge l é v ã, se se come ça por ace itar a r a zão como uma fonte de c o nh e c im e nto s por me io de me ros conce itos . Pouco impo r ta , as s im, que acus e mos He ge l de da r uma ima ge m de for ma nte , ou me s mo ca­ r icata, dessa r a zão pur a . Pois , e nq ua nto nos ma nte mos ne ssa pos ição — que o e nor me impa c to de Ka n t, diga- se de pas s age m, a ba lo u me nos d o que pode r ía mos cre r — , o s is te ma he ge lia no pe rmane ce ine x pug­ náve l. Pode mos m u it o be m acusá- lo de c ha r la ta nis mo, mas não o re ­ f u tare m o s . . . Is s o se pas s a de o utr o modo , c o ntudo , se o e xame do he ge lia nis mo é c o ma nda d o pe la e x igência de se colocar e m que s tão a p r ó p ria n o ç ão de u m c onhe c ime nto pe la r a zão pur a (e m ve z de cr itic a r o alc an c e de s ta, c omo o fe z Ka n t ). De s de logo, a apos ta se tor na tudo ou na d a , pois já n ão se tr a ta ma is de re fu tar. “ Não se r e futa um a doe nça dos o lho s ” , d izia Nie tzs che a pr o pós ito do c r i...


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