HR 19 20 A religião romana (continuação) PDF

Title HR 19 20 A religião romana (continuação)
Course Latim I (Iniciação)
Institution Universidade de Coimbra
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História das Religiões TP2 Docente: Maria do Rosário Barbosa Morujão 2019/2020 __________________________________________________________________________________________________________

A religião romana (continuação)

A tríade arcaica, a tríade capitolina e outros deuses principais No início, os romanos não tinham um panteão organizado, mas um mero agrupamento hierárquico de divindades. No topo desse agrupamento encontrava-se a tríade composta por Júpiter, Marte e Quirino e acompanhada por Jano e Vesta . Protector dos inícios, Jano surge no princípio da lista; seguem-se os deuses da tríade, e termina a lista Vesta que, como dissemos, era a protectora da cidade. Júpiter, Marte e Quirino eram deuses arcaicos. Júpiter era o deus soberano por excelência, “celeste e fulgurante, fonte de sacralidade e garante da justiça e da fecundidade”1. A guerra era o domínio de Marte. Já Quirino, menos conhecido porque, entretanto, outras divindades o suplantaram, estava relacionado com a agricultura e com o governo da cidade. Jano, outro deus arcaico, encontrava-se nos umbrais das casas e nas portas, em locais de passagem, e estava ligado aos inícios, como dissemos. Teria sido o primeiro rei do Lácio, num tempo em que homens e deuses viviam juntos. Jano é sempre representado com duas caras, virada cada uma para seu lado (como se vê na estátua ao lado), pois todo o movimento supõe dois estados, aquele que se deixa e aquele para que se vai. Vesta, por seu turno, é um nome derivado de um termo de raiz indo-europeia que significa “arder”; e a sua missão era, precisamente, manter aceso o fogo de Roma. O seu templo era circular, diferente, pois, dos dedicados a todos os outros deuses, de planta quadrangular; na página seguintes, vemos as suas ruínas. A deusa não era representada por imagens, mas apenas através do fogo, o que prova o seu arcaísmo.

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ELIADE, Mircea – Historia de las creencias…, vol. 2, p. 153.

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Durante o domínio etrusco, que ocorreu na última fase da monarquia romana (vigente desde a fundação da cidade, em 753, até 509 a.C.), a tríade arcaica foi substituída por uma outra já com elementos gregos, em que apenas Júpiter se manteve. Ficou conhecida como tríade capitolina, porque o seu culto tinha lugar na colina do Capitólio. Além de Júpiter, a nova tríade era composta por Juno e Minerva (imagem ao lado). Júpiter passou então a ser designado como Optimus Maximus e a identificar-se com Zeus. Juno desempenhava várias funções, associadas à realeza sagrada, à força guerreira e à fecundidade, e presidia a festas relacionadas com a fecundidade feminina, como o começo dos meses, ou o ciclo da lua. Quanto a Minerva, era a patrona das artes e dos artesãos; chegada a Roma através dos etruscos, foi sendo paulatinamente identificada com Atena. A influência da religião grega chegou a Roma, de facto, através dos etruscos, povo acerca do qual se continua a saber demasiado pouco, nomeadamente no que toca ao seu pensamento religioso. Mas não foi só por essa via que a familiaridade com os gregos se deu: a expansão romana também teve responsabilidade directa nessa assimilação do panteão helénico, que foi mais rápida durante a República.

Novos deuses Pouco depois da instauração da República em Roma, em 496 a.C., foi erigido um templo ao pé do monte Aventino, havia muito consagrado aos cultos agrários, em honra de uma nova tríade: Ceres, Líber e Líbera, divindades protectoras da fecundidade. Ceres (na página seguinte à esquerda) era a deusa ligada aos cereais, e o par Líber e Líbera (ao centro) à procriação e à fecundidade universais, à libertação da semente através da união sexual. A sua festa, as Liberalias , celebravam-se a 17 de Março, e em certas zonas de

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Itália incluíam elementos de conotação sexual. Rapidamente, esta tríade foi assimilada a uma outra, grega, formada po r Deméter, Dioniso e Perséfone. Sob o nome de Baco, Líber teve uma fortuna excepcional, ligada à difusão do culto dionisíaco (à direita, Baco, pintado por Caravaggio).

Como dissemos, a partir dos começos da República, a assimilação das divindades gregas aconteceu a um ritmo muito rápido. O mesmo sucedia com outras divindades latinas (ou seja, da região do Lácio, onde Roma se situava) e de outras zonas de Itália. Isso explica-se em boa parte pela expansão territorial de Roma, o contacto com outros povos e as suas crenças, e ainda aos perigos por que a cidade passou aquando das Guerras Púnicas, que opuseram Roma a Cartago. Quando, durante a segunda Guerra Púnica (218-202 a.C.), travada em larga medida em território romano, a própria existência da cidade esteve em perigo, Roma apelou a todos os deuses, fossem quais fossem as suas origens. Para atrair o seu favor, fizeram-se sacrifícios, cerimónias e procissões pouco habituais, incluindo sacrifícios humanos, e chegou-se a consultar o oráculo de Delfos. Nas vésperas da vitória sobre o general cartaginês Aníbal, foi introduzida em Roma a primeira divindade asiática, Cibele (à direita). A pedra negra que simbolizava a deusa foi levada de barco desde Pérgamo, na Ásia Menor, até ao porto de Ostia, que servia Roma. Cibele foi instalada num templo erguido no Palatino, mas o seu culto, de tipo orgiástico, e o facto de os seus sacerdotes serem eunucos contrastavam vivamente com a tradição romana. O seu culto foi cuidadosamente regulado pelo Senado, os sacrifícios confinados ao interior do templo e tomaram-se medidas para que a devoção a esta deusa se mantivesse dentro de padrões controláveis. Esta foi uma introdução precoce: a entrada dos cultos orientais em Roma só se produziu verdadeiramente um século mais tarde, ou seja, no séc. I a.C.

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Após a vitória sobre os cartagineses, Roma passou a ter um número elevado de refugiados e de escravos estrangeiros, ao mesmo tempo que alguns sectores da população se afastavam mais da religião tradicional, ou seja, dos cultos públicos, procurando uma experiência religiosa pessoal, acessível sobretudo através do tipo de religiões de mistérios, que inspiravam a desconfiança do Estado, devido à sua ligação com sociedades secretas. Um desses cultos foi o de Dioniso, que a partir da Grécia se tinha difundido por todo o mundo mediterrânico, especialmente durante a época helenística. Com a dominação romana da Magna Grécia, as associações esotéricas deste tipo estenderam-se facilmente pela Península Itálica. Vários cultos foram condenados, com acusações de orgias, pederastia e assassinatos, que fazem lembrar as acusações feitas muitos séculos mais tarde contra as heresias e as bruxarias. A repressão foi dura e rápida, o que demonstra o seu carácter político: estas sociedades secretas constituíam um perig o por poderem alimentar conspirações que conduzissem a um golpe de Estado. O culto báquico não foi totalmente abolido, mas foi proibido a cidadãos romanos, e as cerimónias, nunca com mais de cinco pessoas envolvidas, tinham de ser autorizadas pelo Senado . A maior parte dos templos e objectos de culto foram destruídos, salvo uns poucos. O combate contra as bacanais serviu de modelo, mais tarde, à perseguição movida contra os cristãos. A magia e a astrologia também atraíam fortemente um grande número de romanos, não apenas as massas populares, mas também filósofos, nomeadamente os estóicos. Muitos foram os oráculos em voga na altura das guerras civis do final da República. O início do império e o reinado de Augusto (27 a.C. – 14 d.C.) pareceram trazer uma nova era de paz e prosperidade a Roma, a chamada pax romana. Era como se tivesse havido uma nova fundação da cidade, de tal modo que Augusto (à direita) foi proclamado como segundo fundador de Ro ma e o dia do seu nascimento (23 de Setembro) considerado como um novo ponto de partida do universo, cuja existência ele teria salvo – eis presente o velho mito da regeneração periódica do cosmos. O reinado de Augusto marcou o renascimento da religião romana tradicional. De acordo com Suetónio, o historiador dos imperadores romanos, Augusto comportava-se como um romano de outros tempos, levando a sério os sonhos e os presságios, observando as manifestações dos deuses e praticando a pietas. Decretou a restauração de santuários em ruínas, mandou edificar

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outros novos, preencheu os lugares de ofícios sacerdotais há muito vagos, restaurou sodalidades antigas. A sua ascensão ao trono não trouxe ao mundo, como se pressagiara, uma nova idade de ouro, mas o seu tempo ficaria como modelo para a civilização ocidental, e foi aquele em que se introduziu o culto do imperador. Já Júlio César fora proclamado deus depois de morrer, tendo-lhe sido consagrado um templo no fórum romano (que o desenho ao lado reconstitui). Os romanos aceitavam essa divinização post mortem, mas recusavam-na em vida. Na imagem seguinte, vemos a apoteose, ou seja, a deificação do imperador Antonino Pio (138-161) depois de morto.

A organização do culto imperial generalizou-se depois de Augusto, mas durante o séc. I d.C. nem sempre se fez a deificação dos imperadores. Já os do séc. II foram todos divinizados, o mesmo não acontecendo na centúria seguinte, por se sucederem com demasiada rapidez. A recusa em celebrar o culto imperial constituiu, a partir do séc. II, a principal causa das perseguições contra os cristãos. No início, as medidas anti-cristãs tinham a ver com o facto de o cristianismo ser uma religião ilícita, ou seja, sem autorização oficial. Em 202, Septímio Severo (193-211) publicou o primeiro decreto anti-cristão, proibindo a difusão das ideias desta religião. Em 250, um édito de Décio (249-251) obrigou todos os cidadãos a oferecer sacrifícios aos deuses do Império, perseguindo severamente quem não obedecia, como era o caso dos cristãos. Nova perseguição foi levada a cabo por Valeriano (253-260) em 257-258. Seguiu-se quase meio século de paz, entre 260 e 303, durante o qual o cristianismo se difundiu por todo o império e todas as classes sociais. A última perseguição, levada a cabo por Diocleciano (284-305), entre 303 e 305, foi a mais sangrenta, animada pelo desejo de fazer ressurgir as velhas tradições religiosas romanas

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e de exaltar o imperador (à direita, o Coliseu de Roma, onde muitos cristãos sofreram o martírio durante estas perseguições). Mas as crenças restauradas por Augusto já se tinham desvanecido. Os cultos orientais, provenientes do Egipto e da Ásia Menor, tinham uma enorme popularidade e eram protegidos até por imperadores. Cómodo (180-192) fizera-se iniciar nos mistérios de Ísis e de Mitra (à esquerda, o templo de Ísis em Pompeia). Caracala (211-217) fomentara o culto do deus solar sírio, o Sol invictus, que depois de um interregno regressou em força no final do séc. III, com o imperador Aureliano (270-275). Abaixo, vemos uma moeda de Probo (276-282), representando no anverso o imperador exibindo uma coroa com os raios solares, que surge também no reverso, na cabeça do Sol Invencido conduzindo uma quadriga.

No entanto, o cristianismo continuava a não ser compreendido; a ideia de um deus que se faz homem, morre e ressuscita para salvar a humanidade não fazia sentido para os romanos, e a intransigência cristã relativamente à aceitação de outros deuses impedia a sua coexistência com as demais religiões, que consideravam uma afronta o facto de não serem reconhecidas pelos seguidores de Cristo. O culto do deus solar acabou por contribuir para um avanço no sentido do monoteísmo e, por isso, da aceitação do cristianismo. Os elementos sírios da sua origem foram eliminados, o culto confiado aos senadores romanos, e a sua festa fixada a 25 de Dezembro, dia do solstício de Inverno, como sucedia com todas as divindades solares orientais. O culto e a teologia solares eram universalistas e apontavam para um monoteísmo para o qual outros elementos também se inclinavam, como os sincretismos religiosos, os mistérios, o desenvolvimento do cristianismo, o simbolismo solar aplicado tanto ao imperador como ao império. Havia, no dealbar do séc. IV, um fascínio pela noção do Uno e da Unidade.

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O imperador Constantino (306-337) era adepto do culto solar (à direita, uma moeda sua, representando, no reverso, o Sol Invicto). Mas, enquanto Aureliano vira no Sol Invictus a divindade suprema,

Constantino

considerava-o

o

mais

perfeito símbolo de Deus. O sol ficava, pois, subordinado ao Deus supremo, não era ele a divindade. Uma tradição diz que a conversão de Constantino ao cristianismo ocorreu na sequência de um sonho do imperador (representado à esquerda numa iluminura do séc. IX): antes de uma batalha decisiva, teria recebido a indicação de que deveria mandar gravar nos escudos uma cruz; tendo-o feito, conseguiu uma retumbante vitória. Outra tradição pretende que Constantino teria visto no céu o sinal da cruz resplandecente com as palavras in hoc signo vinces (“com este sinal vencerás”), e que, na noite seguinte, Cristo lhe aparecera em sonhos com esse sinal, ordenando-lhe que fizesse emblemas militares seguindo o modelo visto no céu. Há dúvidas, hoje em dia, sobre a efectiva conversão de Constantino ao cristianismo, sobretudo porque continuou a presidir como pontifex maximus às cerimónias pagãs. Certo é que era filho de uma cristã, Santa Helena (que na sua viagem à Terra Santa teria encontrado a Vera Cruz, a cruz onde Cristo fora crucificado, o que surge representado na iluminura medieval da direita); que, nas suas idas a Roma, não subiu ao Capitólio para prestar culto a Júpiter; que educou os filhos como cristãos; e que assegurou a cristianização do Império, proclamando, através do Édito de Milão, em 313, a liberdade religiosa, que permitia aos cristãos praticar o seu culto no Império sem qualquer perseguição. Os primeiros símbolos cristãos começaram a aparecer nas moedas romanas precisamente durante o reinado de Constantino, a partir de 315, tendo as últimas imagens

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pagãs desaparecido oito anos mais tarde. Vejam-se, nos dois exemplos apresentados abaixo, como o chrismon, o símbolo de Cristo composto pelo seu monograma, que junta as letras gregas chi e ro (ΧΡ) com que se inicia o seu n ome, já era usado nas moedas de Constantino: à esquerda, no reverso de uma moeda cunhada em Constantinopla em 327, o chrismon surge sobre uma espécie de pequena arca; à direita, no reverso de uma moeda cunhada em Arles em 334, o mesmo símbolo encontra-se entre as estrelas situadas sobre a loba que amamenta Rómulo e Remo,

A partir de então, a Igreja recebeu um estatuto jurídico privilegiado, os cristãos puderam ter acesso aos mais altos cargos e, em contrapartida, multiplicaram-se as medidas restritivas contra os pagãos. No reinado de Teodósio o Grande (379-395), o Édito de Salónica faz do cristianismo a religião do Estado a partir de 380 e proíbe o paganismo, passando a ser perseguidos os seus fiéis. Invertiam-se, assim, as posições dos dois sistemas religiosos. As causas para o triunfo do cristianismo são várias. Naturalmente, ter-se tornado a religião da família imperial foi um factor de grande importância. Mas a força da fé demonstrada pelos cristãos e a forma destemida e confiante nas promessas salvíficas de Cristo com que encaravam a tortura e a morte mereceu a admiração e o apreço de muitos, inclusive de inimigos declarados desta religião. O cristianismo difundiu-se largamente junto das classes mais baixas, praticando a solidariedade e a caridade, tomando conta dos mais pobres e necessitados, tratando dos feridos, dando-lhes esperança numa vida melhor depois da morte. No cristianismo destes primeiros séculos não existiam barreiras sociais ou raciais, todos podiam aderir e eram equiparados a irmãos. A mensagem cristã era tão diferente da transmitida pelas outras religiões, a esperança que infundia em cada crente tão extraordinária que não admira a sua rápida difusão. O exemplo de vida dos primeiros cristãos era, também ele, digno de admiração; diz-nos Mircea Eliade que “é muito provável que nenhuma outra sociedade histórica tenha conhecido nem antes nem depois

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o equivalente desta igualdade, desta caridade e deste amor fraterno que se vivia nas comunidades cristãs dos quatro primeiros séculos”2. Com o final do paganismo e o triunfo do cristianismo no Império Romano chega ao fim a nossa incursão – necessariamente muito breve e resumida – pela religião romana e, também, pelas religiões politeístas da Antiguidade. Passaremos, na próxima semana, ao estudo das chamadas religiões do livro: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.

Bibliografia: A companion to Roman religion. Ed. Jörg RÜPKE. Oxford: Blackwell Publishing, 2007 (tenho em PDF, que deixo no material de apoio ). *ELIADE, Mircea – Historia de las creencias y las ideas religiosas. Vol. 2: De Gautama Buda ao triunfo do cristianismo. Barcelona: Paidós, 1999 (deixo como material de apoio, à semelhança do vol. 1). NORTH, J. A. – Roman religion. Oxford: Oxford University Press, 2000. *RODRIGUES, Nuno Simões – Mitos e lendas da Roma Antiga. Lisboa: Clássica Editora, 2012. RÜPKE, Jörg – On Roman religion: lived religion and the individual in ancient Rome. Ithaca / London: Cornell University Press, 2016 (tenho em PDF, que deixo no material de apoio ).

Webgrafia: Dieux, cultes et rituels dans les collections du Louvre: http://www.louvre.fr/mediadossiers/dieux-cultes-et-rituels-dans-les-collections-du-louvre Lista

de

deidades

romanas

do

nascimento

e

da

infância:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_deidades_romanas_do_nascimento_e_da_ inf%C3%A2ncia Roman

religion

gallery :

http://www.bbc.co.uk/history/ancient/romans/roman_religion_gallery.shtml

2

ELIADE, Mircea – Historia de las creencias…Vol. 2, p. 479....


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