Jorge Fernandes versaofinal PDF

Title Jorge Fernandes versaofinal
Author rodrigo brito
Course Cultura Visual
Institution Universidade Lusófona de Humanidades e Technologias
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Summary

Texto do Nicholas Mirzoeff requesitado para leitura obrigatória para a UC....


Description

Jorge Filipe Parreira Fernandes

DOS AZEITES VELHOS AOS NOVOS USOS DO AZEITE NA REGIÃO DE COIMBRA Relatório de Estágio do Mestrado em Alimentação: Fontes, Cultura e Sociedade, orientado pela Professora Doutora Maria Helena da Cruz Coelho e Dr.ª Sandra Simões, apresentado ao Conselho Interdepartamental da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Maio de 2021

FACULDADE DE LETRAS

DOS AZEITES VELHOS AOS NOVOS USOS DO AZEITE NA REGIÃO DE COIMBRA

Ficha Técnica Tipo de trabalho Título Autor/a Orientador/a(s) Júri

Identificação do Curso Área científica Especialidade/Ramo Data da defesa Classificação do Relatório Classificação do Estágio e Relatório

Relatório de Estágio Dos azeites velhos aos novos usos do azeite na região de Coimbra Jorge Filipe Parreira Fernandes Professora Doutora Maria Helena Cruz Coelho Dr.ª Sandra Simões Presidente: Professora Doutora Maria José Azevedo Santos Vogais: 1. Professora Doutora Maria Helena Cruz Coelho 2. Doutor José Luís Pimentel Lavrador 2º Ciclo em Alimentação: Fontes Cultura e Sociedade História das Culturas 14-07-2021 16 valores 17 valores

Agradecimentos

A realização deste trabalho beneficia, sem dúvida, de muitos contributos de instituições e pessoas. Sem elas não seria possível terminá-lo com o êxito desejado. Começo por agradecer à FLUC por me ter acolhido e proporcionado um tão elevado nível de ensino. À Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra (TP) que, ao abrir-me as portas para a realização do meu estágio, me permitiu concretizar um sonho que me acompanhava já há muito tempo. Agradeço penhoradamente aos representantes das empresas que estiveram presentes no evento realizado no final do estágio: proprietário do lagar Dentinho, Jorge Dentinho, e à co-proprietária do Museu do Azeite em Abobadela, Oliveira do Hospital, Alexandra Dias. E de uma forma muito particular agradeço à Escola de Viticultura e Enologia da Bairrada, na pessoa do seu Director, Eng.º. Adriano Aires. É devido um reconhecimento muito forte a todos meus colegas da Escola de Hotelaria (incluindo os seus alunos) que sempre se mostraram disponíveis para me ajudar a concretizar da melhor forma o meu sonho. As suas palavras de incentivo e de motivação foram muito importantes para nunca esmorecer. Peço licença a todos para destacar o professor Ricardo Mota e o colega Mário Sá pela preciosa ajuda que deram na montagem do workshop final. Realço neste agradecimento o Senhor Director da Escola de Hotelaria, Dr. José Luís Marques e toda sua equipa directiva, pela enorme disponibilidade, apoio e incentivo durante todo o tempo em que estive a estagiar. Ao ex-secretário da agricultura, Dr. Leonel Pereira, um obrigado especial pela presença no Workshop. Uma palavra de profunda gratidão à minha Orientadora de Estágio da Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra, Drª Sandra Simões, que foi sempre muito prestável e sempre me encorajou para dar continuidade a todas experiências evidenciadas. Junto neste agradecimento o meu amigo e colega Doutor Luís Lavrador pela coragem que me deu e pela preciosa ajuda na selecção bibliográfica. Uma palavra de profundo reconhecimento e agradecimento à minha Orientadora Científica, Doutora Maria Helena da Cruz Coelho, por tudo o que me ensinou, me fez acreditar e contribuiu para a minha felicidade pessoal e profissional. À minha família por todo o apoio incondicional e paciência para comigo, aos meus pais, a minha esposa Joana Gonçalves e aos meus dois irrequietos filhotes (Maurício e Mafalda) que contribuíram muito para aqui chegar. A eles dedico este trabalho. i

RESUMO

A partir de uma teorização sobre o mundo do azeite e da sua história, construímos um quadro acerca de possíveis novos usos que esta gordura poderá assumir no âmbito gastronómico actual. O enquadramento patrimonial, temporal e espacial começou por ser o ponto de partida para o trabalhar como produto inovado, no contexto de uma sociedade ávida de experiências fora do comum. Recorrendo às técnicas de cozinha molecular, desenvolvemos a representação edível do ciclo do azeite, desde o solo onde a árvore é plantada até ao sol que permite a sua vida, passando por todo o seu processo biológico. Associámos cada uma das representações a um petisco português e demo-las a provar a um painel de especialistas, para que pudessem avaliá-las no que evocam de pertinência, de sabor, de sentido estético, de textura e de inovação técnica. Palavras-chave: oliveira; azeite; património, biodiversidade, história, inovação, experiência.

ABSTRACT

From the theory of the olive oil and its history, we made a scenery with new possibilities of its new uses on current gastronomy. The patrimonial, temporal, and spatial framework began to be the starting point to work with the olive oil as an innovative product, in the context of a greedy society for unusual experiences. Using molecular gastronomy techniques, we develop an edible representation of the olive oil cycle, from the soil where the tree is planted to the sun that allows its life, passing through its entire biological process. We associated each of the representations with a Portuguese snack and serve to experts, so that they could evaluate them in terms of relevance, flavor, aesthetic sense, texture and technical innovation. Keywords: olive tree, olive oil, heritage, biodiversity, history, innovation, experience. ii

Jorge Fernandes

Dos azeites velhos aos novos usos do azeite

Índice AGRADECIMENTOS

I

RESUMO

II

ABSTRACT

II

INTRODUÇÃO

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O AZEITE COMO PATRIMÓNIO

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2

A BIODIVERSIDADE ASSOCIADA À OLIVEIRA E AO AZEITE

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3

O AZEITE: CONTEXTO HISTÓRICO

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3.1 MUNDO ANTIGO, GRÉCIA E ROMA 3.2 O AZEITE NA IDADE MÉDIA 3.3 O AZEITE NA ÉPOCA MODERNA O AZEITE NA ÉPOCA CONTEMPORÂNEA 4

19 29 34 38

NOVOS USOS DO AZEITE NA GASTRONOMIA 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 4.7 4.8 4.9 4.10 4.11 4.12 4.13

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WORKSHOP COM DEGUSTAÇÃO RAÍZES – SALADA MORNA DE BACALHAU SOLO – LEITÃO, MAÇÃ CARAMELIZADO E CRUMBLE DE AZEITE TRONCO – VIEIRA SOB O CREME DE ALHO FRANCÊS RAMOS – PEITO DE PATO, REBENTOS DE MOSTARDA E REDUÇÃO DE VINHO DO PORTO FOLHAS – CAMARÃO EM FOLHAS DE AZEITE FLOR – BOMBONS COM RECHEIO DE AZEITE FRUTO SOL LAGAR – CROCANTE DE AZEITE OURO LÍQUIDO - AZEITE A OLIVEIRA INQUÉRITO DE SATISFAÇÃO

48 49 52 53 55 57 59 60 61 62 63 63 64

CONCLUSÃO

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BIBLIOGRAFIA

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ÍNDICE DAS FIGURAS

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ANEXO I – VISITA AO MUSEU DE AZEITE

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ANEXO II - EXPERIÊNCIAS GASTRONÓMICAS E CONFERÊNCIA

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ANEXO III – IMPRENSA

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Jorge Fernandes

Dos azeites velhos aos novos usos do azeite

Introdução

Tendo em conta a importância patenteada pelo azeite ao longo da história e a proximidade que sempre cultivámos em torno do seu ciclo, de há muito nos sentimos motivados para o conhecer melhor. Por isso o escolhemos para tema do nosso estágio curricular. Neste âmbito, durante meses, trouxemo-lo para a nossa actividade diária, explorando-o nas suas multifunções, com especial enfoque nas gastronómicas. Consciente de um mundo em mudança, em que as novas experiências e o contraditório destas coexistem nos vários domínios do conhecimento e dos saberes, orientámos o nosso trabalho no sentido de valorizar o azeite como experiência sensorial inovadora e singular. Foi nosso objectivo explorar o ciclo completo deste óleo, criando para cada fase uma receita culinária específica que a representasse, de modo a que no final tivéssemos construído virtualmente a oliveira, no seu ambiente natural, com seu fruto, a azeitona, o lagar onde esta se esmaga, e até o sol cuja luz é indispensável à sua vida. É nosso propósito ainda conseguir ter no final das experiências realizadas uma proposta gastronómica, que do ponto de vista das exigências actuais, seja sustentável, culturalmente válida e cuja narrativa sensorial seja fiel aos seus pergaminhos históricos. Escolhemos como ponto de partida, uma teorização sobre a mundividência do azeite. Neste enquadramento, começámos por marcar esta gordura no quadro dos patrimónios imateriais, realçando a sua dimensão cultural, nas vertentes gastronómicas, de iluminação, médicas e de unção. De seguida, averiguámos como estes aspectos eram visíveis nas épocas históricas mais importantes. Assim percorremos a versatilidade funcional do azeite na Grécia Antiga, Roma Antiga, Idade Média, Idade Moderna e na Idade Contemporânea. Depois, fomos indagar se das épocas mais recuadas para as mais recentes existia continuidade em todo o processo dos usos do azeite, considerando que a tendência hoje seja a de um maior consumo no campo da gastronomia. Consolidada esta matéria, passamos para a narrativa do nosso estágio e do evento final, em contexto do qual tivemos ocasião de apresentar, a um conjunto de experts convidados, as várias experiências gastronómicas realizadas em torno do azeite, ao longo do nosso percurso formativo.

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Dos azeites velhos aos novos usos do azeite

Terminamos o nosso relatório com a apresentação e discussão de um questionário de avaliação das várias propostas realizadas e que foi entregue e respondido por quem participou presencialmente no evento que teve lugar na Escola de Hotelaria. Do ponto de vista metodológico, fizemos uma revisão bibliográfica que abonasse cientificamente a parte teórica do relatório. Para isso, escolhemos autores de obras que nos parecem bastante conceituados e de grande rigor científico. Quanto à parte prática, cingimo-nos, por um lado, aos nossos conhecimentos técnicos acumulados ao longo de uma carreira profissional com vinte anos, por outro, aos conhecimentos adquiridos em acções de formação que frequentámos ao longo dos últimos anos sobre as técnicas de confecção de gastronomia molecular.

1

O Azeite como património

Entende-se por “património cultural imaterial” as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefactos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu património cultural. Este património cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu ambiente, da sua interação com a natureza e da sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o património cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do desenvolvimento sustentável (UNESCO:2003). Desde o Princípio1 que os alimentos se tornaram imprescindíveis para a sobrevivência de todos os seres vivos. Uns mais dependentes que outros de certas espécies alimentares, todos foram procurando saciar-se do melhor a que sabe uma natureza variada e farta. O ser humano, ainda assim, foi o único vivente que, desde muito cedo, ultrapassou 1

Ver Gn 1 ss.

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Dos azeites velhos aos novos usos do azeite

o estado natureza (o cru) e se reviu, se reencontrou e se reafirmou no estado cultura (no cozido). Na justa medida do seu talento, descobriu inovadoras gramáticas alimentares, de modo a tornar o acto de comer num momento de fruição total, através do qual comunica de forma elevada com o mundo que o rodeia (Lévi-Strauss: 2009, 41). O azeite foi apenas um desses alimentos «inventado» pelo génio humano, que o passaria a sintetizar culturalmente. Por isso, se lhe reconhece hoje a sua dimensão patrimonial. Importa sublinhar, desde já, a origem etimológica do Azeite, para se perceber, a partir da sua importância original, o que hoje significa ao nível global. Azeite em Grego Antigo diz-se Élaion; Oliveira, na mesma lingua, diz-se Elaía; Zayith significa «Oliveira» em Hebraico; o Antigo Testamento usa uma palavra, Shemen, que significa gordura, para se referir ao «azeite». As palavras gregas Elaía e a hebraica Zayith deram origem à palavra latina «O’lea» e à árabe «Zayt». Em Latim, Azeite diz-se Oleum (oliva=oliveira); em Árabe, Azeite diz-se Az-zayt (az-zaytuna= azeitona/oliveira. Deduzimos pelo mencionado de que «Azeite» e «Azeitona» são vocábulos de origem árabe (Carvalho: 2019, 10). O azeite abarca manifestações culturais tangíveis e intangíveis e identifica-se tanto como património material como imaterial, aspecto que o torna peculiar ao ser estudado. Relacionamo-nos com o primeiro aspecto, quando estudamos os lagares onde as azeitonas se transformavam em azeite, as alfaias usadas para a apanha, transporte, fabrico e distribuição, e quando nos detemos nos demais artefactos necessários para que esta gordura chegasse aos vários usos que lhe davam. 2 Referimo-nos ao segundo aspecto, quando o estudamos no âmbito da gastronomia, no campo da unção (enquanto elemento religioso) e no domínio da iluminação. De acordo com uma visão mais clássica, o conceito de património refere-se ao legado herdado do passado transmitido a gerações futuras 3. Esta definição completa-se se não excluirmos todas as manifestações patrimoniais de carácter imaterial. Como refere

2 Referimos

aqui o exemplo do Museu do Azeite de Bobadela (Oliveira do Hospital), que visitámos recentemente, o qual constitui uma marca forte da patrimonialidade do azeite. De acordo com Lavrador (2017, 358), »nem tudo o que é vestígio do passado pode ser considerado património. » O património não é só o legado que é herdado, mas o legado que, através de uma selecção consciente, um grupo significativo da população deseja legar ao futuro. Ou seja, existe uma escolha cultural subjacente à vontade de legar o património cultural a gerações futuras. E existe também uma noção de posse por parte de um determinado grupo relativamente ao legado que é colectivamente herdado. Este autor afirma que a noção de património surge «quando um indivíduo ou um grupo de indivíduos identifica como seus um objecto ou um conjunto de objectos.»

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Dos azeites velhos aos novos usos do azeite

Silva (2000, 218), «não podemos entender o património apenas como vestígios tangíveis do processo histórico». E adianta que todas as manifestações materiais de cultura criadas pelos homens têm uma existência física num espaço e num tempo. Algumas dessas manifestações destroem-se e desaparecem, «esgotadas na sua funcionalidade e significado», enquanto outras sobrevivem aos seus criadores, juntando-se a outras expressões. Para que o fruto da cultura vá permanecendo no tempo e no espaço, é preciso dinâmica de existência nas coisas (Silva: 2000, 218). Tudo o que existe ligado ao passado alimenta, tanto pela sua intemporalidade como pela criação de novos modelos de produtos, o que acrescenta valor à existência humana. Foi neste quadro que o azeite, e tudo o que ele representa, ganhou espaço dentro do património «gastronomia». Embora não possamos excluir o seu carácter sagrado e a sua dimensão combustível, é compaginado ao complexo alimentar que o evocamos, quer como experiência gastronómica individual quer colectiva, além de o realçarmos como um bem activo no xadrez dos consumos humanos. Ao tomar lugar de destaque no conjunto da paleta gastronómica, além da experiência nutritiva que oferece, enriquece culturalmente os povos que com ele contactam e gera em torno de si próprio recursos económicos a quem a ele, em toda a linha, se dedica. Se até há bem pouco tempo o que mais distinguia o homem cultural do homem comum era o interesse pelos lugares e seus símbolos, monumentos e ruínas, procurando aprofundar os conhecimentos sobre eles, julgamos que hoje e no futuro, atraídos pelas qualidades de um produto gastronómico como este, os homens poderão usufruir de mais este factor de interesse para a sua viagem cultural. Partindo do excerto mencionado a abrir este ponto, cujas palavras sintetizam o essencial da importância que os legados imateriais representam para a humanidade, destacamos a gastronomia como um instrumento excelente de comunicação, no seio da qual o azeite tem traduzido da melhor maneira a herança cultural comum que todos, directa ou indirectamente, receberam. 4 Tais vivências não se esgotam no relacionamento social proporcionado pelas experiências vividas à mesa comum, elas visam de certa forma

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A gastronomia, no seu todo, e o produto «azeite», em particular, acabam por se constituir em discurso intemporal sobre o bem-estar que a mesa proporciona. Como parte integrante da cultura, o azeite implica apreciar o detalhe desta, em cada iguaria que se utiliza, esperando que comunique história, afectos, lavores, vivências sagradas. Já os antigos egípcios, judeus, gregos e romanos viajavam em busca de alimentos, por vezes exóticos, com intenção de, sofisticando a sua alimentação, poderem comunicar melhor entre si e com as divindades, afirma Lavrador: 2017, 360. Adianta, ainda, o seu estudo, que a gastronomia sempre foi uma linguagem falada por todos, e que hoje se tornou numa paixão (Lavrador: 2017, 360).

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Dos azeites velhos aos novos usos do azeite

destacar como os homens se transcendem a partir de uma experiência gastronómica. Neste sentido, estamos no âmbito de um património singular, que abrange cada um num “todo”, na medida em que cada indivíduo faz não só a síntese cultural em cada momento preciso da história, como também resume os seus valores enquanto ser social, religioso ou político e, ainda, abarca todas as virtualidades cósmicas. (Lavrador: 2017, 360). Vejamos a este propósito os exemplos da Eucaristia e dos rituais religiosos de passagem (baptismos, unção dos doentes), eventos religiosos que assentam em alegorias alimentares. No caso da eucaristia, trata-se de um banquete de pão e vinho, no caso dos ritos de passagem, o azeite serve para a unção. Por outro lado, numa linha de aperfeiçoamento cultural, os homens têm conseguido transformar o meio em que vivem, a natureza e a sociedade, adaptando-o ao seu uso. Tal como a língua, a habitação, as manifestações artísticas, que são aspectos de heterogeneidade fundamentais para a compreensão cultural de um indivíduo, de um grupo ou de uma sociedade, a gastronomia é um património feito de “palavras”, concretas ou não, verbais ou visuais, tangíveis ou intangíveis, com as quais um indivíduo ou um grupo “escreve”, “compõe” e manifesta o seu “texto” cultural. Um texto que exprime, que revela, que manifesta, o que nos permite perceber o perfil, a configuração, a “identidade” de cada um ou do colectivo (Lavrador: 2017, 360-361). Ao não nos cingirmos apenas à valorização do património material, no que ele representa de objecto e de materialidade construída pelos indivíduos numa época precisa, estamos a estimar a imaterialidade da gastronomia (mas também da música, dança, vestuário), nos diversos instantes do seu dia, estamos a apreciar as manifestações que caracterizam a sua história, estamos a revelar identidades e sentimentos. Contudo, tal património só é relevante se for utilizado conscientemente pelos indivíduos, numa base da interacção na vida social. Assim, tendo em conta que o património é uma construção social, Silva (2000, 218) argumenta: «construção social, ou se se quiser cultural, porque é uma idealização construída». Por seu lado, Lavrador (2017, 361) afirma que, o que caracteriza o património depende do que um determinado grupo humano, num determinado lapso de tempo, considera socialmente digno de ser legado. De todo o modo, só muito recentemente, a gastrono...


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