Title | VENÂNCIO, Renato Pinto. Famílias Abandonadas: Assistência à criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador – séculos XVIII e XIX. Campinas: Papirus, 1999. |
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Author | Renato Venancio |
Pages | 98 |
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COM
INSTITUIÇÕES, BRASILEIROS,
O
O
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RECOLHIMENTO
ABANDONO
DE
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DAS
CRIANÇAS
MENINOS
EM
SUA
E
Às
MENINAS
GRANDE
MAIO-
RIA, ERA INTERPRETADO COMO UMA PROVA DE IRRESPONSABILIDADE PATERNA E DE DESAMOR MATERNO,
V1STA POR UM PRISMA DE LONGA DURAÇÃO, A
FALÊNCIA
DAS INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA INFANTIL NO CONTEMPORÂNEO
DECORRE,
EM
PARTE,
DA
BRASIL
SECULAR
INCAPACIDADE DA CULTURA OFICIAL EM COMPREENDER AS FORMAS
DE
ORGANIZAÇÃO
MANEIRA OBJETIVA E
DAS
COERENTE,
FAMÍLIAS RENATO
POBRES,
DE
PINTO VENÂN··
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11
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PAPIRUS
RENATO
PINTC
NASCEU
CAMP □ S
EM
GOITACAZES
VENÂNCIO
(RJ),
EM
DOS 1 961.
DOUTOROU-SE EM DEMOGRAFIA HISTÓRICA DE
NA
PARIS
( 1 993}.
UNIVERSIDADE
IV-SORBONNE
FAMÍLIAS ABANDONADAS; ASSISTÊNCIA À CRIANÇA DE CAMADAS POPULARES NO RIO DE JANEIRO E EM SALVADOR
É
PROFESSOR ADJUN-
T□
NO
DEPARTAMENTO
HISTÓRIA
DA
FEDERAL
UNIVERSIDADE
DE
CONSULTOR
DE
OURO
PRETO,
CIENTÍFICO
DO
CEDHAL (CENTRO DE ESTUDOS DE DEMOGRAFIA HISTÓRICA DA AMÉRICA
LATINA)
E
PES~UISA-
D □ R DO CNP~. TEM CAPÍTULOS DE LIVROS E ARTIGOS PUBLICADOS NO EM
BRASIL E
NA FRANÇA•
1 9'98, JUNTO COM DEMAIS
PARTICIPANTES
D □
LIVRO
HISTÓRIA
DAS
BRASIL
CON~UIST □ U
PRÊMIOS GRANDE
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TEXTOS DO TEMPO
Textos do Tempo traz a público uma seleção dos melhoresprodutos da historiografia profissional brasileira, empenhada em elucidar, através de metodologias e técnicas inovadoras, os momentos decisivos de nossa história. Contempla também trabalhos reflexivos sobre a atividade do historiador, seja como pesquisador, seja como docente. Dirige-se a profissionais de Histón'a e Ciências humanas e a todos os amantes da boa reflexão e leitura.
Jurandir Malerba Coordenador da coleção
PAPIRUS EDITORA
Capa: Fernando Cornacchia Gravura de capa: Quitandeira. Litografia Ludwig & Briggs, Rio de Janeiro, 1846-1849 Copidesque: Mônica Saddy Martins Revisão: Lúcia Helena Lahoz Morelli
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) {Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Venâncio, Renato Pinto Famílias abandonadas : Assistência â criança de camadas populares no Rio de Janeiro e em Salvador - Séculos XVIII e XIX/ Renato Pinto Venâncio. - Campinas, SP: Papirus, 1999. (Coleção Textos do tempo) Bibliografia. ISBN 85-308-0541-0
1. Crianças - Educação em instituições - Rio de Janeiro (RJ) História 2. Crianças - Educação em instituições - Salvador (BA) - História 3. Crianças - Proteção, assistência etc. - Aio de Janeiro (RJ) - História 4. Crianças - Proteção, assistência etc. Salvador (BA) - História 5. Crianças abandonadas - Rio de Janeiro (RJ) 6. Crianças abandonadas - Salvador (BA) 1. Título. li.Série.
99-0195
CDD-362.7320981
Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Crianças abandonadas ; Instituições de assistência : Bem-estar social: História 362.7320981 2. Brasil : Instituições de assistência : Crianças abandonadas : Bem-estar social: História 362.7320981
Para Nelson Baguera
DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:
© M.R. Cornacchia Livraria e Editora Lida - Papirus Editora Matriz - Fones: (019) 272-4500 e 272-4534 - Fax: (019) 272-7578 E-mail: [email protected] - C.P. 736 - CEP 13001-970 Campinas - Filial - Fone: (011) 570-2877 - São Paulo - Brasil. Proibida a reprodução total ou parcial. Editora afiliada à ABOA.
A rneuspais
ABREVIATURAS Arquivos e bibliotecas ACMRJ ANR]
APM ASCMRJ ASCMS
ATT BNLSR BNRJSM
SUMÁRIO
Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro Arquivo Nacional do Rio de Janeiro Arquivo Público Nlineiro Arquivo da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Salvador Arquivo da Torre do Tombo Biblioteca Nacional de Lisboa, Seção de Reservados Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, Seção de Manuscritos
PREFÁCIO
9
INTRODUÇÃO
13
1. A PALAVRA E A LEI
17 18 23
O que é uma criança abandonada?
Periódicos
AAEB ADH AESC
AHR
AMP AQ
CBC HAHR
HCQ HES
HM JFH
JHM QS
RADF RIEB
RIHGB
Anais do Arquivo do Estado da Bahia Annales de Démographie Historique Annales: Economies, Sociétés et Civilisations American Historical Review Anais do Museu Palllista Anthropological Quarterly Cahiers du Brésil Contemporain Hispanic American Historical Review History of Childhood Quarterly Histoire: Economie et Société Historia Mexicana Journal of Family History Journal of the History of Medicine Quademi Storici Revista do Arquivo do Distrito Federal Revista do Instituto de Estudos Brasileiros Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Abandono selvagem e abandono civilizado Câmaras e Rodas
26
Permanências e mudanças
31
O período pós-independéncia
34
2. A CASA DA RODA: OS RITMOS DO ABANDONO
41 41
O número de crianças abandonadas
Instalações de acolhida
47 51 52
As fam11ias criadeiras
60
3. OS USOS DA INSTITUIÇÃO As suspeitas dos irmãos da Mesa
73 73
O testemunho dos bilhetes
75
O abandono: Hipóteses historiográficas
85
O sexo, a cor e a idade
As formas de admissão
4. A MORTE DAS CRIANÇAS
99
A Roda: Um cemitério de crianças
99
Os índices de mortalidade Em busca dos culpados: Pais, amas e miasmas
115
108
5. OS DESTINOS POSSÍVEIS
123
A volta aos pais A escravização das crianças abandonadas
124
Compadrio: Uma adoção popular O trabalho doméstico e a locação de serviços Recolhimentos e colégios de órfãos
131 137 141 144
A formação dos expostos artesãos
149
A revolta dos enjeitados
152
6. EXPANSÃO E DECLÍNIO DA ASSISTÊNCIA AOS EXPOSTOS A expansão do modelo europeu A instalação de novas Casas da Roda O declínio das Casas da Roda
159 159 165 167
O fechamento das Rodas
170
FONTES MANUSCRITAS
173
FONTES IMPRESSAS
175
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
178
PREFÁCIO
Foi a demografia histórica quem descobriu o volume e as flutuações de nível do fenômeno do abandono de crianças no passado. Utilizando-se de fontes seriais e novas para o estudo de populações do passado, particularmente a série de registros paroquiais de batismo, de casamento e de óbitos, desde o século XVI, os estudos inovadores da jovem ciência trouxeram à luz realidades humanas insuspeitáveis. Uma delas foi a descoberta dos índices de ilegitimidade e de crianças abandonadas no Antigo Regime e no século XIX europeus. Descobriu-se, por exemplo, que os países católicos da Europa Ocidental, após o Concílio de Trento (que normatizou e estabeleceu as bases de u1n controle estrito sobre a moral relativa aos sacramentos do batismo e do casamento, bem como da vida sexual de seus fiéis), durante o século XVII e até meados do século XVIII, apresentara1n índices insignificantes de ilegitimidade e de abandono. Desde então, e até bem entrado o século XIX, em toda a Europa católica, os índices de abandono de bebês subiram drasticamente, atingindo nívei~ inimagináveis de até 50% de abandono de recém-nascidos, em alguns momentos do século passado! Essas descobertas provocaram espanto entre os historiadores, que se voltaram decididamente ao estudo do fenômeno das crianças abandonadas na história da Europa. Nas décadas de 1980 e de 1990, o número de obras, artigos, coletâneas, debates nacionais e internacionais, e congressos dedicados à infância desvalida foi extraordinário. Hoje, conhece-
9
mos melhor a situação, as políticas públicas elaboradas e concretizadas para atender as crianças expostas em toda a história; estendeu-se o período de estudo, chegando mesmo à Antiguidade européia, a fim de se conhecer a arqueologia do fenômeno, seus níveis e as formas de proteção a essa criança desvalida. Essas novas tendências da historiografia coincidem com a nova ênfase que se passou a dar aos fenômenos da marginalidade e da exclusão social na história. No Brasil, inauguramos, junto com a criação do Cedhal - Centro de Estudos de Demografia Histórica da América Latina - da USP (1984), o projeto de pesquisa interdisciplinar intitulado "A família e a criança na história", que se estendeu até 1994, ano em que deixamos a direção daquele centro. Renato Pinto Venâncio foi um de meus orientandos que participou ativamente não só da criação do Cedhal, como, ainda, da elaboração do projeto de pesquisa e de sua execução. Apaixonado por arquivos e bibliotecas, participou, co1no um dos membros mais dinâmicos e criativos, da fase de descoberta e de seleção de fontes para o estudo da criança brasileira. Teve atuação intensa no trabalho de levantamento de dados em arquivos de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Graças a seu entusiasmo e a sua dedicação, foi largamente enriquecido o banco de dados que montamos: "Fontes e bibliografia sobre a história da criança", hoje disponível no Cedhal-USP e no Cespi da Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro. A tese de mestrado, brilhantemente elaborada por Renato Pinto Venâncio, foi um dos prllneiros frutos daquele imenso esforço coletivo empreendido e1n torno do Cedhal de então. Intitulada "Infância sem destino: O abandono de crianças no llio de Janeiro no século XVIII" (USP, 1988), foi sua primeira contribuição para o avanço de nossos conhecimentos sobre a história desse extrato de nossa população infantil. Baseada em sólida documentação serial, os registros de batismo de paróquias rurais e urbanas da cidade do Rio de Janeiro, pôde, pela primeira vez, estabelecer diferenças espaciais e conhecer evoluções temporais do fenômeno da exposição de bebês no século XVIll. Seus trabalhos de pesquisa não pararam por aí. Seu segundo passo foi partir para uma experiência no exterior, buscando o melhor centro e a direção de um grande mestre para realizar seu doutorado. De fato, em 1990, Renato partia para Paris, com suas malas transbordando de doeu-
10
mentas, notas, levantamentos arquivísticos de toda sorte, para, na Sorbonne (Universidade de Paris IV), sob a orientação de Jean-Pierre Bardet, demógrafo-historiador dos mais conceituados e justamente coordenador de uma vasta pesquisa sobre o abandono de t2rianças na história da França dos séculos XVI ao XIX, iniciar seus trabalhos de tese. Renato não se contentou com os volumosos dados que levava do Brasil sobre as Rodas dos Expostos, do Rio e de Salvador, na Bahia. Em Paris, foi um incansável pesquisador; a começar pela Biblioteca Nacional, das mais ricas em obras antigas e atuais sobre o nosso país, passando pela Sorbonne, de Sainte Geneviêve, da École des Hautes Études en Sciences Sociales, parn citar apenas as mais importantes por onde o incansável Renato andou garimpando dados, informações e teorias para bem embasar sua tese. Em 1993, era defendida na Sorbonne "Casa da Roda: Institution d'assistance infantile au Brésil -XVIlle et X!Xe siecles", que foi aprovada com distinção. É essa tese que o público brasileiro tem o privilégio de ver hoje publicada nesta edição. O estudo da infância abandonada, e da emergência das políticas públicas e das primeiras instituições criadas no Brasil para seu atendimento e abrigo, foi pouco analisado até então. Houve importantes publicações no século passado e no início do atual feitas, particularmente, por autoridades que de alguma forma foram responsáveis pela atenção às crianças sem família. Foram relatórios (de presidentes de província, de provedores de Santas Casas, de mordomos de expostos etc.), estatísticas oficiais, artigos e tratados médicos higienistas e de juristas, e mesmo alguns estudos clássicos. As primeiras pesquisas sistemáticas sobre o volume das exposições de crianças ou sobre as primeiras instituições que se ocuparam dos expostos no Brasil surgiram, inseridas em obras de historiadores, nas décadas de 1960 e 1970: refiro-me, pela ordem de aparecimento, aos trabalhos de A. Russel-Wood sobre a Santa Casa de Misericórdia da Bahia; de M.L Marcílio, sobre a população da cidade de São Paulo entre 1750 e 1850; e de Laima Mesgravis sobre a Santa Casa da Misericórdia de São Paulo. Com a implantação do projeto que dirigimos na USP, multiplicaram-se as pesquisas sobre a criança na história, particularmente sobre a infância mais desvalida - ilegítitn;:t, escrava e abandonada. E, nessa inovadora fase da nossa hiStoriografia, surgiram estudos sobre a infância
11
mais desvalida na história do Brasil, que em muito contribuíram para um decisivo avanço na história da família, da mulher, do concubinato, da sexualidade, da vida privada, do cotidiano, em suma, da história social de nossas populações do passado. Sem dúvida nenhuma, a contribuição de Renato Pinto Venâncio é não só grande em número, mas inovadora em temas e em aberturas de novos veios de nosso passado social. Esta publicação traz contribuições substanciais para o conheciinento das duas primeiras instituições que surgiram para criar as crianças expostas em suas Rodas. São analisadas não apenas as histórias de suas fundações e trajetórias, mas - e o que é mais importante quando pensamos nas crianças desvalidas - são dadas a conhecer as características dos bebês depositados nas Rodas, as causas que levaram as mães a enjeitar os próprios filhos, a pouca importância que se dava então a sua sobrevivência, as fraudes que foram surgindo dentro do sistema das Rodas, prejudicando ainda mais vidas marcadas desde o nascimento pelo abandono e pelos 1naus-tratos. A historiografia brasileira ganha nova dimensão com o trabalho que hoje é publicado. Maria Luiza Marcílio Professora Titular do Departamento de História - USP Presidente da Comissão de Direitos Humanos - USP
INTRODUÇÃO
Durante os séculos XVIII e XIX, milhares de aianças foram enviadas a instituições assistenciais existentes nas cidades brasileiras. Os abrigos que acolhiam os pequenos enjeitados funcionavam nas Santas Casas da Misericórdia e eram aparelhados com rodas destinadas a receber recém-nascidos. 1 As próximas páginas têm por objetivo investigar as relações mantidas entre as camadas populares e o dispositivo colonial de socorro à infância desvalida. A problemática central de nossa pesquisa são as normas, as leis e as práticas assistenciais, que, além de estigmatizarem os pobres com acusações de irresponsabilidade e de desamor em relação à prole, deram origem a uma perversidade institucional que sobrevive até nossos dias: paradoxalmente, desde os séculos XVIII e XIX, a única forma de as famílias pobres conseguirem apoio público para a 2 criação de seus filhos era abandonando-os. Por meio de técnicas e métodos comuns à demografia histórica e à história social, procuramos reconstituir o cotidiano das instituições, desvendando o universo de motivações que levavam pais, mães, tios, padrinhos e avós a recorrer à Roda dos expostos. Conforme veremos, as famílias das camadas populares não viam o recurso à assistência como uma demonstração de ausência de amor pela criança. Para os homens e as mulheres de antanho, a procura pela instituição decorria quase sempre de crises no universo da pobreza e tinha por objetivo proteger 1neninos e meninas do infanticídio. Os "laboratórios" escolhidos para nossa pesquisa são o Rio de Janeiro e Salvador, cidades que primeiro conheceram
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estabelecimentos de assistência à infância desvalida. Ao escolhermos dois núcleos urbanos, também tivemos por objetivo valorizar a história comparativa, perspectiva que faz com que o enfoque regional ultrapasse os estreitos limites da singularidade local. O variado e ambíguo relacionamento mantido entre as camadas populares e as instit...