EM BUSCA DE UMA PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA: Arqueologia, mito e ciência no Brasil do século XIX PDF

Title EM BUSCA DE UMA PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA: Arqueologia, mito e ciência no Brasil do século XIX
Author M. Oliveira Calazans
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1 EM BUSCA DE UMA PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA: Arqueologia, mito e ciência no Brasil do século XIX. MARÍLIA OLIVEIRA CALAZANS* Introdução Os estudos arqueológicos no Brasil do século XIX desenvolveram-se em um contexto inusitado, entre a institucionalização das ciências no país e a afirmação do Brasil q...


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EM BUSCA DE UMA PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA: Arqueologia, mito e ciência no Brasil do século XIX. MARÍLIA OLIVEIRA CALAZANS*

Introdução Os estudos arqueológicos no Brasil do século XIX desenvolveram-se em um contexto inusitado, entre a institucionalização das ciências no país e a afirmação do Brasil quanto nação moderna. Em nossa pesquisa, propomos investigar este cenário por meio das pesquisas realizadas em sambaquis. Em sua concepção hodierna, sambaquis são grandes montes artificiais compostos por restos faunísticos característicos da região litorânea (mariscos, berbigões, conchas e ossos de aves e de pequenos mamíferos) que, acumulados ao longo de milhares de anos, conformaram enormes monumentos que serviram de acampamentos ou cemitérios, mas, sobretudo, como marcos paisagísticos para os colonizadores do litoral brasileiro, chamados de paleoíndios, pois são anteriores aos povos ceramistas dos quais descendem as comunidades indígenas atuais. Da especificidade destes sítios emergem questões significativas que integraram o grande debate acerca da pré-história brasileira travado pelos homens de ciência reunidos nos recém-fundados institutos e museus. Este debate contemplava a ancianidade da ocupação humana no continente americano e confrontava a cronologia imposta pelo Antigo Testamento. No plano político, construir um passado majestoso para a nação brasileira significaria alicerçar a existência de um país de dimensões continentais em um passado comum. A formulação deste passado representou um projeto intelectual e político, portanto. Entre escavações e soterramentos, esta empresa conseguiu perpetuar elementos da história do Brasil que persistiram nas narrativas da centúria posterior, por exemplo, a coesão entre as “raças fundadoras”. Por outro lado, a despeito do significativo esforço de alguns pesquisadores, a ideia de um “homem pré-histórico” nas Américas ficou adormecida. Este elemento fora

* USP, mestranda em História Social.

2 substituído pelo indígena contemporâneo à colonização, que representaria o primitivo e o rudimentar, em outras palavras, o pré-histórico.

História e Arqueologia brasileira no século XIX: temas e sentidos recorrentes O século XIX no Brasil é particularmente convidativo àqueles inclinados a investigar as imbricações entre poder e ciência. Neste momento, o poder imperial passa por grandes reformulações estruturais e ideológicas que desembocam na (re)fundação do sentido de Brasil, na (re)formulação do espírito nacional e na (re)acomodação de novas e velhas elites no seio do poder político do país. Evidentemente, a grandiosidade deste projeto demandou a articulação dos diversos tentáculos do poder imperial – dentre os quais a ciência – a fim de acomodar ideias conflitantes e manter o status quo, ou seja, garantir a manutenção da unidade brasileira, sob a coroa imperial. Diante de um panorama de tal complexidade, abundam estudos históricos que buscam compreender as facetas deste cenário caleidoscópico: as rupturas e permanências, o papel de velhas e novas instituições, a questão da unidade territorial, as rebeliões populares e o nacionalismo importado figuram entre temas tão polêmicos quanto comuns nestes estudos. Desde o final dos anos de 1980, porém, uma interessante abordagem passou a ganhar espaço nas publicações especializadas: a análise da produção historiográfica desse período, mais precisamente, da segunda metade do século XIX. Mais que um exercício autorreflexivo – característico do métier do historiador – este recorte busca compreender o papel desempenhado pela história e pelos historiadores nesta época. Seria grosseiro, porém, supor que o fazer histórico estivesse (no século XIX ou em qualquer tempo) alienado de outras esferas de conhecimento ou imunes a qualquer influência ideológica da época. Isto posto, para satisfazermos minimamente a questão “O que foi ser historiador no Brasil do século XIX?”, desmembraremos esta questão em algumas outras, quais sejam: a) Que patente científica legitimava a história? b) Quais eram os interesses dos estudos históricos da época? c) Quem eram os historiadores e a que instituição estavam vinculados? e d) Qual a relevância da história (enquanto “passado”) na conformação de uma ideia de Nação?

3 Apenas a seleção destas perguntas podem sugerir o caminho pretendido por esta análise. Vamos a ele. Faz parte da ideologia do século XIX – que marca, segundo a clássica periodização de Hobsbawm, a transição entre revoluções e imperialismo – o orgulho de sua ciência. Embora, como sinaliza o mesmo autor, seja perigoso estabelecer relação direta entre ciência e sociedade (pois as atividades humanas possuem uma lógica própria), a ciência (e a arte) “in their way reflected the 'dual revolution', partly because it made specific new demands on them, partly because it opened new possibilities for them and faced them with new problems, partly because its very existence suggested new patterns of thought” (HOBSBAWM, 1962: 336). Não só novos paradigmas caracterizaram as ciências do século XIX, como também o establishment das ciências sociais – profundamente ancoradas no positivismo – como disciplinas acadêmicas. Neste ínterim, coube à história correr em busca de sua própria cientificidade, remodelando-se a uma tarefa narrativa e factual, porém “verdadeira” porque – julgava-se – imparcialmente vinculada às informações contidas nos documentos. Com certa segurança, podemos afirmar que a historiografia brasileira estava bastante familiarizada com as tendências europeias (GUIMARÃES, 2005: 166). No Brasil, a maior parte dos estudos era direcionada a dar contas a questões de cujas respostas dependia a sobrevivência do poder imperial. Era necessário edificar, por intermédio da história “magistra vitae”, um passado e uma memória que conferisse identidade à recém-fundada nação brasileira. O passado, dessa forma, guardava a gênese da Nação e cabia aos historiadores amalgamar memórias e setores sociais conflitantes e engendrar o sentido de brasilidade sob escombros neste passado. Afirmamos no início que a ciência do século XIX era um dos “tentáculos do poder imperial”. Pois bem, este tentáculo tão caro ao imaginário do século XIX, passou por peculiar processo de institucionalização. Fazia parte da construção da imagem pretendida pelo imperador D. Pedro II, “monarca esclarecido e amigo das letras”, o incentivo às artes e às ciências. Neste sentido, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1838, é marco definidor na produção historiográfica. Os intelectuais em torno desta

4 instituição tinham a tarefa de pensar o processo de gênese da nação brasileira. E o Instituto tratou de produzir uma “homogeneização da visão de Brasil no interior das elites brasileiras” (GUIMARÃES, 1988: 6)1. Enquanto o discurso historiográfico vinculado ao IHGB ganhava foros de cientificidade, a arqueologia era praticada sob tutela de museus e amadores, mas sem leis específicas (GUIMARÃES, 1988: 6; FUNARI; BASTOS In: SILVERMAN; ISBELL, 2008: 1127). Este cenário se altera em 1847, com a oficialização da arqueologia pelo Instituto. Guardando as íntimas relações que permeavam o debate entre História e Nação, a arqueologia representaria uma das formas de nivelar o Brasil com as civilizações europeias, sob o signo da ciência. Contudo, como observa Manoel Guimarães (1988: 9), a produção do IHGB estava também voltada a construir mitos e representações, porém com estatuto de objetividade e evidência fundados na história: O Brasil dos discursos do Instituto era frente avançada da civilização, apenas a esperar que lhe retirassem do “obscurantismo caótico”. Mas quais as luzes jogadas sobre o passado do Brasil a fim de torná-lo digno de pertencer à memória nacional? Esta pergunta foi elaborada em forma de concurso pelo próprio IHGB. A monografia vencedora, “Como se deve escrever a História do Brasil”, do naturalista bávaro Karl Philipp Von Martius, propôs a receita a ser seguida pelos historiadores: encontrar na história do Brasil a singularidade capaz de forjar um sentimento nacional. Segundo Martius, o Brasil era o único lugar do mundo que reunira brancos caucasianos, negros etíopes e nativos indígenas; e esta particularidade deveria ser explorada. A propagação deste modelo representou, como se pode observar, a institucionalização de uma perspectiva racial que ponderava o papel de cada uma das três “raças” na constituição da nação. Ao branco europeu, cabia o papel ilustrador, civilizatório. Aos indígenas, a função do “bom selvagem” era reservada, o equivalente ao cavaleiro medieval do ideário romântico, em terras brasileiras. Sobre os negros, Martius diz que “êste problema se resolverá para o historiador” (VON MARTIUS,1991: 47). Desta forma, mais que gestar um projeto nacional

1 O mesmo autor cita que 75% das verbas do IHGB advinham diretamente dos cofres imperiais, e a seleção de funcionários e pesquisadores passava necessariamente pelo crivo das relações pessoais e sociais (1988: 9).

5 que adaptasse à perspectiva progressista as “dificuldades específicas” do Brasil, a saber, a existência de populações indígenas e de trabalho escravo (José Bonifácio, 1813, Apud: GUIMARÃES, 1988: 6); Martius propunha a escrita de uma história que legitimasse o quadro de dominação sócio-político-racial. O desafio para o Instituto era, portanto, conferir nobreza ao passado nacional, isto é, torná-lo digno de uma nação civilizada. Os historiadores, por sua vez, esbarraram em um impedimento a sua função: os indígenas não produziam documentos escritos sobre si. Limitados metodologicamente pelos pressupostos positivistas, a tarefa de estudar a raça “côr de cobre” foi destinada a arqueólogos e etnógrafos. Martius, em sua obra de referência, já supusera que os povos indígenas decerto, representavam uma civilização decadente, uma “ruína de povos” (VON MARTIUS, 1991: 34). Neste sentido, sugeriu que como documento mais geral e mais significativo deve ser considerada a língua dos índios (…) À língua devem em primeiro lugar ligar-se os estudos sôbre a Mitologia, as Teogonias, e Geogonias das raças brasileiras. Um observador filosófico não deixará de descobrir nos restos de mitos, e no balbucionamento poético, que ainda hoje se encontram vestígios muito significativos de uma perdida filosofia natural, e de um culto ainda enigmático. (VON MARTIUS, 1991: 35-37).

Em uma breve digressão, constatamos que, nos anais do primeiro Congresso de História Nacional, promovido pelo IHGB em 1914 (GUIMARÃES, 2005), as teses reunidas na seção “História das Explorações Arqueológicas e Etnográficas” representaram apenas 5,2% das 95 teses apresentadas. Dentre as 5 teses da seção, havia apenas uma que se dedicava à “Distribuição geográfica das tribos indígenas à época do descobrimento”, e nenhuma dedicada ao estudo linguístico. Parcela expressiva das teses (94,8%, portanto) tratava das diversas fases e aspectos do domínio colonial2. Uma rápida análise deste quadro insinua que os estudos pré-colonização perderam popularidade entre a intelligentsia reunida em torno do IHGB no período republicano. Estes números refletem, por um lado, que os estudos sobre as populações indígenas foram uma preocupação particular ao Segundo Reinado. Por outro, evidenciam certa negligência, ou mais que isso: a ideia de que os povos indígenas não possuíssem uma história. 2 distribuídas entre os temas: História Geral do Brasil; das Explorações Geográficas; História Constitucional e Administrativa; História Parlamentar; Econômica; Militar; Diplomática; e História Literária e das Artes.

6 A questão da pré-história brasileira por si encerra alguns problemas, por supor que préhistória seja um período “antes da história”. O que implica em presumir que haja povos sem história, ou que passem por uma “fase a-histórica”. Esta percepção parte do pressuposto de que existem “marcos de historicidade” (a escrita, por exemplo) que determinam a transição entre estágios. O que é bastante problemático, uma vez que, se há sociedades que nunca desenvolveram escrita, ou estas são “sociedades fósseis”, estagnadas, ou não se deve considerar a hipótese de “estágios” de desenvolvimento social. Não é difícil imaginar à qual explicação o “senso de superioridade branca” que norteava os trabalhos do IHGB pendeu. No contexto oitocentista, a ideia de que o marco de historicidade dos povos nativos foi a colonização tinha respaldo no imaginário intelectual, sobretudo na noção de “missão civilizatória” europeia. Civilizar, neste sentido, significaria inaugurar uma história para o Brasil. Sobre “civilização”, Norberto Guarinello afirma e interroga: “Civilização não é um conceito, mas um termo visivelmente ideológico e propositalmente vago. Afinal, que é uma civilização? Opõe-se à barbárie, ao primitivo?” (GUARINELLO, 2004: 17). Tal debate está muito além do nominalismo, portanto. Ao contrário, estabelecer a ruptura entre pré-história e história significa também fundar limites identitários, ideológicos, como afirma o mesmo autor: Essas unidades recortam o passado no tempo, no espaço e culturalmente, como meios de conferir-lhe sentido. [...] Mas esse procedimento nunca é inocente ou inócuo. Não importa quão científicas sejam, essas interpretações da História são sempre produtoras de memória, de lembrança ou esquecimento, são instrumentos de identidade, de legitimidade e de poder. Essas unidades de base tendem, além disso, a naturalizar-se [...]. O processo de fabricação de entidades como “povo”, “raça” e “etnia” é hoje evidente, mas a mesma artificialidade afeta unidades como nação, estado-nacional e civilização. Como escrever a história de um estado-nacional sem projetar no passado sua definição contemporânea, suas fronteiras, a configuração de seu “povo”? Que se deve privilegiar: a história do Estado, a de um segmento de sua população, a do território contemporâneo? (GUARINELLO, 2004: 16)

Uma reformulação de conceitos está além dos objetivos deste trabalho. Contudo, não podemos discutir pré-história sem compreender a amplidão dos espectros destes termos.

7 A arqueologia brasileira do século XIX era encarada como uma atividade de prestígio, praticada por colecionadores e intelectuais amadores, sem vínculo com instituições de pesquisa, que faziam desta prática um hobby, mas também um indicador de refinamento. Não era incomum o trânsito internacional de peças arqueológicas raras, oriundas de escavações pela Grécia ou Egito, por exemplo, a fim de adornarem galerias e salões particulares. Por outro lado, havia também as explorações arqueológicas científicas, que – por sua vez – eram essencialmente fundamentadas em hipóteses criacionistas. Os princípios norteadores destas pesquisas buscavam quase sempre constatar a veracidade dos relatos bíblicos da criação, ainda que vestígios paleoambientais testemunhassem fortemente contra a cronologia estabelecida pela Bíblia e pela Igreja. A cosmogonia bíblica era, desta forma, fator imprescindível na compreensão de mundo dos homens de ciência do século XIX. Ao mesmo tempo, a ciência por si também formulava seus próprios mitos. O mais evidente entre eles, derivado das ideias iluministas, versava que a humanidade teria um propósito: o progresso material e intelectual. Nesta missão, caberia aos mais ilustrados, ou seja, à própria elite intelectual, a ilustração dos demais indivíduos e povos. Maria Helena Machado enfatiza o modo com que a “ciência também se enraíza na historicidade dos conceitos e nas questões sociais do mundo vivido”: As significativas batalhas esgrimidas nas décadas de 1830 a 1860 por naturalistas – idealistas, defensores da interpretação bíblica da idade da terra, do dilúvio ou da glaciação, da monogenia ou da poligenia —por militantes abolicionistas, pelos ideólogos da escravidão ou da tutela, tiveram como laboratório as regiões tropicais da América do Sul, tendo se tornado o império brasileiro o mais significativo campo de batalha no qual se defrontaram as diferentes teorias naturalistas […] . (MACHADO, 2009)

Claude Lévi-Strauss pergunta-se: “Quando tentamos fazer História científica, fazemos porventura algo científico ou adoptamos também a nossa própria mitologia nessa tentativa de fazer História pura?” (LÉVI-STRAUSS, 1978: 61). Tal questionamento, embora reflita sincera preocupação do autor, já traz em si a polarização entre mito e ciência. Assim, nos termos estabelecidos por Lévi-Strauss, ou se faz a “ciência pura” de fato ou apenas se tem a ilusão de fazê-la.

8 Esta perspectiva, que estabelece oposição – mais ou menos radical – entre pensamento mitológico e razão científica, precisa aqui ser reconsiderada. Primeiro porque a ciência oitocentista foi frequentemente permeada por mitos, sejam de origem, sejam teleológicos, sejam os que insistiam em qualificar para discriminar as diferenças entre humanos. Outrossim, porque ambos são produtos do pensamento humano de uma mesma época. Neste sentido, a produção científica do século XIX é a evidência máxima de como é possível acomodar mito e ciência em uma mesma ideologia. Erigindo um passado, descartando outros. A construção da ideia de uma pré-história americana, no século XIX, esbarrava em limitações metodológicas e em impedimentos de ordem ideológica. Isto pois, por mais que se considerasse alheios ao pensamento mitológico, quase não havia espaço entre os pressupostos da ciência da época que admitisse uma ocupação humana do continente americano em tempos remotos. As pesquisas arqueológicas da época dedicavam-se, majoritariamente, a estudar povos indígenas e a buscar os vestígios de arquitetura monumental que confirmariam a tese de Martius, de que os indígenas seriam a degeneração de uma grande civilização do passado. Esta suposta civilização seria a colonizadora do continente, e esta ideia delimitava temática e temporalmente as pesquisas arqueológicas. O estudo de épocas anteriores caberia à História Natural, ciência que buscava compreender do ponto de vista paleoambiental a evolução ou sucessão de eras geológicas. Para a ciência, de modo geral, a existência de seres humanos em eras anteriores à “atual” era hipótese descartada. Pelo menos até os primeiros fósseis humanos serem encontrados. Exemplo do embate de ideias neste cenário é Peter Wilhelm Lund (1801 – 1880), naturalista dinamarquês considerado o pai da paleontologia brasileira, responsável pelas pioneiras pesquisas no carste de Lagoa Santa (MG), onde explorou dezenas de cavernas e lapas e exumou milhares de indivíduos de espécies extintas. Em carta ao IHGB de 1842,

9 como em diversas cartas particulares, Lund atestou que suas explorações sugeriam que o povoamento da América se dera em tempos muito mais remotos ao que se pressupunha: A questão da coexistência do homem com as grandes espécies extinctas de mammíferos terrestres […] não pode ainda ser resolvida de huma maneira decisiva pelas investigações dos naturalistas do velho mundo. […] Achei estes restos humanos em huma caverna, que continha, e misturado com elles, ossos de vários animaes de espécies decididamente extinctas […] huma circunstância que devia chamar toda a attenção para estes (sic) interessantes relíquias (da antigüidade). (Peter Lund Apud: LUNA FILHO, 2007: 127)

Apesar de ampla ressonância nos debates internacionais, a hipótese de Lund, de que humanos teriam convivido com as “grandes bestas extintas” foi rapidamente descartada pela comunidade internacional e ignorada pelo IHGB. Outro importante vestígio, embora mais recente, da “antiguidade do homem americano” são os sambaquis3. Embora tenham despertado interesse científico (o próprio imperador D. Pedro II, o imperador ilustrado, acompanhou escavações em São Vicente [GASPAR, 2004: 12; PROUS, 1992: 8]), os sítios sambaquieiros não ocuparam papel de destaque entre os naturalistas brasileiros. Isto pois, apesar das evidências, hoje incontestáveis, prevaleceu entre os cientistas do século XIX a antiga ideia de que tais “ostreiras” eram resultantes de acúmulo natural de comida, como neste relato do historiador Frei Gaspar da Madre de Deus, do século XVIII. Tanto é a antiguidade dessas Ostreiras […] que a umidade pelo decurso dos tempos veio a dissolver as conchas de algumas delas, […] petrificando-se pouco a pouco com o calor, formou pedras tão sólidas […] Destas conchas dos marisc...


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