Balaiada - Nota: 10 PDF

Title Balaiada - Nota: 10
Course HISTÓRIA DO BRASIL REPUBLICANO
Institution Universidade Tuiuti do Paraná
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Summary

Historiografia acerca da Revolta da Balaiada, ocorrida no Nordeste do Brasil ainda no período imperial....


Description

Universidade Tuiuti do Paraná Mirela Richter Ferreira Brasil Independente - Avaliação Bimestral

Revolta da Balaiada

Entre o final de 1838 a 1841 ocorreu, inicialmente na província do Maranhão e espalhando-se pelas províncias do Piauí e Ceará, a revolta da Balaiada. Foi uma das maiores revoltas populares ocorridas durante o Brasil Império, contando com uma liderança popular ao longo de todo o processo. Conforme aponta Matthias Röhrig Assunção1 em seu artigo “Histórias do Balaio. Historiografia, memória oral e as origens da balaiada”, a balaiada foi uma revolta multiclassista. Devido à sua amplitude geográfica, assumiu diferentes características em cada sub-área da revolta, envolvendo desde fazendeiros de gado, vaqueiros e escravos. Uma característica pouco comum na história do Brasil importante de ressaltar é que, durante a revolta, ocorreu uma aliança (mesmo que efêmera) entre camponeses livres e escravos. A historiografia acerca do tema ainda encontra dificuldade em compreender o que este movimento significou para os seus protagonistas e em entender a mentalidade camponesa. Assunção utiliza-se da teoria do historiador indiano Ramachandra Guha para explicar este fenômeno: “A um “discurso primário”, imediato, oriundo dos agentes da repressão sucedem um discurso “secundário” e “terciário”, cada vez mais afastados dos protagonistas e da versão oficial. No entanto, como eles derivam um do outro, nem sempre conseguem escapar das aporias do discurso primário, cujo objetivo era a repressão. Neste sentido, a historiografia

acaba

sendo

uma

“prosa

de

contra-

insurreição””.

1 Historiador. Universidade de Essex, Inglaterra. Ensina e pesquisa História da América Latina e História do Brasil, atuando principalmente nas seguintes sub-áreas: história política e história social do Brasil e da América Latina (séculos XIX e XX), escravidão, movimentos sociais, Maranhão, cultura afro-brasileira, capoeira e artes marciais do "Atlântico negro".

Tendo isso em mente, Assunção propõe em seu artigo confrontar as versões da historiografia com o discurso da memória oral e os resultados de uma pesquisa de arquivo. Para contrastar com a memória oral apresentada por ele, utilizarei a pesquisa de Lillian Micheli Silva2, a qual apresenta a escrita da história da revolta através da perspectiva de Domingos José Gonçalves de Magalhães, que na ocasião era secretário do governo da província. Também será utilizado o trabalho de Maria de Lourdes Monaco Janotti3, a qual apresenta fontes memorialísticas. Janotti utiliza em seu artigo o livro “ O Captiveiro. Memórias” de João Dunshee de Abranches Moura, o qual é dominado por figuras femininas e pela denúncia da escravidão. Neste livro, encontram-se relatos e documentos significativos sobre a sociedade maranhense do século XIX. Dunshee consultou a correspondência de sua avó Marta Alonso Alvarez de Castro Abranches e entrevistou Emília Pinto Magalhães Branco, mãe dos escritores Aluízio, Artur e Américo de Azevedo. Dentre as questões mais comentadas por elas, estavam aquelas próprias da sociedade escravista maranhense. Já na época em que se deu a revolta surgiram diferentes interpretações desta, divergências articuladas à luta entre os dois partidos políticos do império, o conservador e o liberal. Tanto em nível nacional quanto em nível regional, era o partido conservador que estava no poder. O primeiro alvo dos revoltosos foi o governo provincial e sua política, como a lei os prefeitos4. Os conservadores negaram o caráter político da revolta e, segundo Magalhães, esta seria “sustentada pela ignorância das massas brutas postas em movimento; animado pelo espírito de rapina”. Também atribuíam aos chefes do partido liberal a culpabilidade da revolta. Magalhães escreve que estes seriam a “mão oculta” que dirigiam Raimundo Gomes, um dos líderes dos revoltosos. Os liberais defendiam-se dessa acusação e a sua perspectiva historiográfica atribui o levante a uma causa por eles considerada justa: o despotismo dos prefeitos, cargos criados pelos seus adversários conservadores pouco antes da revolta, vista como a máxima da tirania deste partido na província. Entretanto, ambos os partidos se recusam a considerar os rebeldes como dotados de uma 2 Mestranda em História pela Universidade Federal de São Paulo - Campus Guarulhos. A pesquisa conta com o financiamento CAPES. 3 Departamento de História - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP. 4 A Lei dos Prefeitos foi uma lei criada na regência de Araújo Lima, durante a Balaiada (1838 - 1841). A lei autorizava os presidentes das províncias a nomearem os prefeitos municipais, levando assim os seus “nomes de confiança” ou eles próprios ao poder.

visão política própria. Para Assunção, com base nas fontes de arquivos por ele analisadas, as razões que teriam favorecido a eclosão da revolta partiram desde uma série de conflitos que opunham camponeses e vaqueiros aos grandes fazendeiros, a luta pela terra, pela apropriação da mão de obra e conflitos comerciais mas, acima de tudo, pela exclusão política, discriminação das pessoas “de cor” pelas autoridades e o recrutamento para o exército ou a marinha nacional. As diferentes linhas historiográficas atribuem o início da revolta ao dia 13 de dezembro de 1838 com a tomada da cadeia da vila da Manga, quando Raimundo Gomes, um dos protagonistas da revolta, libertou seu irmão que havia sido recrutado ou, como era chamado popularmente, “pegado” à força para servir ao exército. Na tomada da cadeia, Raimundo libertou além de seu irmão outros mais que lá estavam presos. A historiografia, entretanto, diverge quanto a descrição de Raimundo. Os conservadores o descrevem pejorativamente, como um facínora libertador de “presos criminosos”, entre os quais o seu irmão. Já os liberais apontam que Gomes era um vaqueiro, não um criminoso. Algo bastante interessante, ignorado por ambas as linhas historiográficas, é a importância do manifesto de Gomes, divulgado por ele logo após o assalto da Manga. Análises feitas sobre os manifestos e cartas escritas por ele evidenciam que os rebeldes tinham sim uma visão política própria. De fato foram influenciados pelo discurso liberal da época, tendo uma visão mais “cabocla” e radical do liberalismo, a qual Assunção chama, em analogia com processos similares nas Américas, de liberalismo popular. Gomes condenava a discriminação a que estavam sujeitos os “caboclos” e “cabras”, defendia a igualdade de todos os “filhos de Deus” e afirmava que “esse mesmo Povo de Cor é que é as Forças do Brasil”. Mas a revolta não se deu da noite para o dia. Assunção aponta que a presença de numerosa tropa na área naquele momento era devida à resistência escrava. Lavradores da comarca do Itapecuru reclamavam de escravos fugidos desde novembro de 1838, segundo eles “unidos aos criminosos” “cometem mil desordens, roubos e assassinatos”. Tais ações quilombolas levaram as autoridades da área temerem uma “insurreição geral”. Portanto, a guerra entre os quilombolas e a sociedade escravista já estava em andamento quando eclodiu a Balaiada. O autor reconhece não ter indicações precisas em suas fontes, mas acredita que muitos dos

mocambeiros posteriormente integraram o exército do negro Cosme. Líder dotado de grande visão política, Cosme Bento das Chagas foi o primeiro a conceber a aliança entre rebeldes livres e escravos. O discurso de Emília apresentado por Janotti é de repúdio à escravidão. Emília, ao fazer sua crítica à escravidão, parte do pressuposto de que esta teria corrompido a sociedade. O mais interessante em sua crítica é como ela atribui o corrompimento da sociedade à degradação dos senhores brancos, e não à cultura africana. Já o Balaio, Francisco Ferreira5, aparece após o início da revolta. Figura também importante na liderança desta, aparecem menções à ele como um fabricante de cestos de palha (balaios). Sua motivação para aderir à revolta não é clara. Magalhães, ao mencioná-lo, escreve que duas filhas de Balaio teriam sido estupradas por um oficial, sendo sua motivação para aderir à revolta a vingança. Já a memória oral acerca do Balaio é diferente. Assunção menciona que a versão mais difundida é a que Balaio era um lavrador que libertou seus filhos que haviam sido recrutados à força, ou na expressão cabocla, “pegados”. Esta última versão Assunção encontrou vários documentos no Arquivo Público do Estado em São Luís que confirmam a veracidade desta versão da memória oral. Assunção, ao analisar tais divergências, propõe a existência de dois Balaios. Um o qual serve à historiografia oficial e o outro que predominou na memória oral. No discurso oficial é retratado o erro de um único soldado, atribuindo a vingança de Balaio para a eclosão da revolta, ignorando os conflitos mais abrangentes que dividiam a sociedade maranhense na época. Assim, a elite admitia a revolta sem ter de admitir as razões estruturais que levaram a ela. Já na memória oral, Balaio aparece como o libertador dos filhos “pegados”, pondo em evidência o motivo que teria levado à revolta, o “Pega”. Todas as famílias viviam sob a mesma ameaça do recrutamento, por isso as ações destes libertadores tiveram grande repercussão, mobilizando milhares de homens contra o governo provincial e os prefeitos recrutadores. Ao admitir este último, era quase que reconhecer uma causa legítima aos rebeldes. Por esta razão, conforme afirma Assunção, o governo e a historiografia oficial teriam insistido em desconsiderar a liderança popular do movimento, 5 Há variações no nome. Aparece também como Manoel Francisco dos Anjos Ferreira, Manoel dos Anjos, Balaio Manoel Francisco Ferreira, Francisco Ferreira de Souza Balaio, entre outros.

infamando-a como criminal antes da eclosão do movimento e como facínoras ávidos de sangue durante a luta. Conforme aponta Silva, o público leitor só foi conhecer a história da revolta dos balaios produzida por Magalhães no segundo semestre de 1848, quando esta foi publicada na Revista do IHGB. A publicação ocorreu após cessada a Revolta dos Farrapos. O parecer do IHGB em 1847 destacava, entre outras coisas, que o trabalho de Magalhães seria de “perfeita exatidão e imparcialidade”, “estranho aos partidos que lutavam entre si [...] pode apreciar o encadeamento de causas diversas, que trouxeram consigo aquela medonha explosão de guerra civil e anarquia”. O ano de publicação da Memória escrita por Magalhães é bastante significativo. É importante destacar que Magalhães, em sua narrativa, omitiu a parte que Raimundo teria ido libertar seu irmão, preferindo não apresentar a problemática do recrutamento forçado e também evitar expor questões que pudessem despertar a empatia dos leitores para com os rebeldes. Segundo Silva, o objetivo principal da obra de Magalhães era transmitir uma “lição histórica”, pois ao narrar os acontecimentos da Balaiada, destacava que o fim da revolta era o momento de nascimento do espírito da ordem que deveria prevalecer no futuro e que essa ordem estava associada à ação triunfante dos conservadores.

Referências

ASSUNÇÃO, Matthias Röhrig . Histórias do Balaio. Historiografia, memória oral e as origens da Balaiada. História Oral (Rio de Janeiro) , São Paulo, v. 1, p. 67-89, 1997. JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. Balaiada: construção da memória histórica.

História [online]. 2005, vol.24, n.1, pp.41-76. SILVA, Lillian Micheli. “E um eco de dor para o futuro”: a construção de uma Memória sobre a Balaiada. XXIX Simpósio Nacional de História. pp. 1-9....


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