Caso Prático - Risco de Perda, Tabaco - Direito de Consumo PDF

Title Caso Prático - Risco de Perda, Tabaco - Direito de Consumo
Author Bárbara Marques
Course Direito de Consumo
Institution Instituto Politécnico do Porto
Pages 6
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Summary

Tópicos de correçãoImagine que no dia 5 de fevereiro de 2020, António celebrou um contrato de compra e venda com a Empresa "Jáfumega", através do qual adquiriu 50 maços de tabaco de uma marca rara. O responsável da Loja indicou a António que não tinha em stock tanta quantidade, mas...


Description

Tópicos de correção Imagine que no dia 5 de fevereiro de 2020, António celebrou um contrato de compra e venda com a Empresa "Jáfumega", através do qual adquiriu 50 maços de tabaco de uma marca rara. O responsável da Loja indicou a António que não tinha em stock tanta quantidade, mas que a encomenda poderia ser levantada dai a 5 dias úteis. António pagou o valor total e ficou com o comprovativo da compra. No dia em que António ia levantar a sua encomenda, um assaltante, altamente viciado em nicotina, que teve conhecimento que a encomenda de António tinha chegado, decidiu entrar no estabelecimento e roubá-la, uma vez que se tratava de um tabaco extremamente saboroso e cujo alto teor de nicotina deixava os respetivos fumantes com leves sintomas alucinogénios.

1 - Quem responde pelo risco da perda da coisa, tendo em visto que o proprietário, à data do crime, era o António? O regime pelo risco da perda da coisa é regulado pelo diploma DL 67/2003 de 8 de abril, porquanto é aplicável aos contratos de compra e venda de um bem de consumo, na aceção do artigo 1.º-B al. b), isto é, um bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens usados, celebrados entre profissionais e consumidores, no caso, a Empresa “Jáfumega” e o António, consumidor, ou seja “a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios” (artigo 1.º-B, al. a)). Relativamente à problemática invocada pela questão, ou seja o roubo da mercadoria que entretanto já tinha sido paga pelo António, importa referir que ao invés do regime geral previsto no artigo 796.º do CC que admite distintas soluções, a doutrina considera que apenas no momento da entrega se transfere para o consumidor o risco de perecimento ou deterioração do bem, respondendo o vendedor, antes de tal momento, por esse risco (reforçando o previsto no artigo 3.º n.º 1 da presente legislação e o artigo 9.º-C da LDC). Sendo verdade que a transmissão do direito de propriedade do tabaco se deu no momento da celebração do contrato e (aquando do pagamento), tendo em conta que o detentor do mesmo continuava a ser a referida Empresa, é natural que se proteja o consumidor nestas situações, uma vez que objetivamente falando é aquela que estaria em melhor condições de evitar o risco, leia-se, o roubo.

Em resumo, o diploma DL 67/2003 de 8 de abril, que Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, sobre certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, conjuntamente com as posições doutrinárias, permitem aferir quem responde no âmbito da relação de consumo pelo roubo dos 50 maços de tabaco. Deste modo, é a empresa que assume essa responsabilidade, o que na prática significa que esta terá de adquirir novos 50 maços de tabaco para entregar ao António ou devolver-lhe o dinheiro pago.

2 - Imagine que em vez do roubo, o António tinha conseguido levantar a sua encomenda, no entanto, quando abriu a embalagem, o tabaco encontrava-se cheio de humidade e bolor. Quid Iuris? No seguimento da resposta anterior, na qual foram abordados alguns conceitos importantes, uma vez mais nos situamos no âmbito DL 67/2003 de 8 de abril. Em sede de cumprimento dos contratos de compra e venda de bens de consumo (e equiparados), assim como da generalidade dos contratos de consumo, assume especial relevância a expressão conformidade com o contrato. Neste sentido, o artigo 2.º n.º 1 do 67/2003 de 8 de abril, estabelece que o vendedor deve entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato. A formulação genérica da noção de conformidade permite reunir num só grupo as situações mais comuns de vício, falta de qualidade, diferença de identidade, isto é, entrega de um bem distinto do acordado e diferença de quantidade. O artigo 2.º n.º 2, por sua vez, fixa um elenco de presunções, de forma meramente enunciativa, traduzindo as situações mais comuns de falta de conformidade. A formulação dessas presunções é, no diploma, feita pela negativa, é dizer, presume-se a não conformidade do bem com o contrato caso se verifique pelo menos uma das situações, no artigo descritas. Já no homónimo artigo da Diretiva 1999/44/CE de 25 de maio (artigo 2.º n.º 2), tal formulação é feita pela positiva, presumindo-se que os bens de consumo são conformes com o contrato, se cumulativamente, se verificarem todos os factos aí descritos. Segundo a Diretiva, caberia ao consumidor ilidir alguma das presunções provando a falta de conformidade. Já, relativamente à redação dada pelo legislador português, a única e possível interpretação é a de que as presunções previstas no artigo 2.º n.º 2 são inilidíveis pois, se o consumidor provar a falta de conformidade, não será de admitir que o profissional venha a provar a conformidade de um bem, relativamente ao qual, já se provou ser desconforme.

No que concerne aos critérios para aferição da conformidade do bem com o contrato, previstos no DL, o referido artigo 2.º n.º 2, enfatiza: -Em primeiro lugar, a descrição que desse bem é feita pelo vendedor (artigo 2.º n.º 2 al. a) primeira parte), isto é, todo o tipo de declaração dirigida ao público, através de qualquer forma de comunicação comerciais, incluindo a publicidade, excluindo-se, naturalmente, as pouco precisas ou pouco objetivas, devendo tal declaração do vendedor ser interpretada em harmonia com o artigo 236.º do CC (veja-se, por ex. uma comunicação de um vendedor de carne, descrevendo a sua carne como a mais tenra de Portugal); -Em segundo lugar, nos termos do artigo 2.º n.º 2 al. a) segunda parte, que as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado como amostra ou modelo vinculam, relativamente ao consumidor, devendo a coisa vendida ser de qualidade equivalente à referida amostra ou modelo (veja-se, por ex., quando se verifique falta de coincidência de uma fotografia num catálogo ou de um modelo em exibição com o bem posteriormente vendido); -Em terceiro lugar, a adequação ao uso específico para o qual o consumidor destine o bem e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que este tenha aceite (artigo 2.º n.º 2 al. b). Para além do uso habitual, o legislador entendeu particularizar, e presumir a falta de conformidade, se o bem não se adequar a uma utilização específica (e fora da esfera do referido uso habitual), desde que tal especificidade tenha sido previamente acordada pelas partes (veja-se, por ex., um consumidor que pretenda adquirir uma máquina de lavar roupa mas que, simultaneamente, a seque). -Em quarto lugar, a adequação às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo (artigo 2.º n.º 2 al. c)). Relevam, portanto, todas as utilizações habituais dadas ao bem, devendo, a conformidade, aferir-se objetivamente e não por remissão à intenção de um consumidor individualmente considerado, mas ao uso ou usos comuns desse bem. Parece que no caso em apreço, esta será o elemento mais preponderante que nos permite aferir estar-se perante uma não conformidade com o contrato, porque quem compra tabaco é para, em princípio, o fumar e como se poderá fumar se o mesmo apresenta humidade e bolor? -Em quinto lugar, as qualidades e desempenho habituais nos bens do mesmo tipo que o consumidor possa razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo

seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem (artigo 2.º n.º 2 al. d)). Esta alínea, destaca, para se aferir da conformidade, as próprias características essenciais e a performance do bem que deve ser apto a satisfazer os fins legitimamente esperados pelo consumidor (no esteio do artigo 236.º do CC), não se olvidando que as informações concretas e objetivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito se devem considerar integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão (artigo 7.º n.º 5 da LDC). Este critério poderá ser, igualmente, o requisito legal para aferir da inconformidade com o contrato no caso em concreto. As qualidades e desempenho habituais do tabaco são: não ter bolor nem humidade para que posso ser fumado de forma aprazível, em termos de sabor, intensidade e aroma. Em todo o caso, a falta de conformidade não relevará para a aplicação do regime se, aquando da celebração do contrato, o consumidor a conhecia ou não podia razoavelmente ignorá-la após a realização de um exame diligente (artigo 2.º n.º 3), exame este que foi exercido pelo António, comportamento que qualquer homem médio levaria a cabo. O artigo 3.º, por sua vez, dispõe que o vendedor responde perante o consumidor pela falta de conformidade que exista no momento da entrega do bem. Deste modo, a empresa em questão responde pela humidade e bolor nos maços de tabaco. No que diz respeito aos direitos do consumidor em virtude da referida falta de conformidade, o artigo 4.º estabelece que o António tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, redução adequada do preço ou resolução do contrato. Contrariamente à Diretiva 1999/44/CE de 25 de maio, o diploma português não estabelece uma hierarquia ou priorização relativamente aos direitos. Portanto, o consumidor poderá escolher qualquer um deles, apenas com as limitações impostas pelo n.º 5 do artigo 4.º, que se prendem, por um lado, com a impossibilidade (nomeadamente quando se trate de coisa infungível) e, por outro, com o abuso de direito (artigo 334.º do CC). Quanto à reparação ou substituição do bem, devem ser realizadas num prazo máximo de 30 dias, visto tratar-se de um bem móvel e sem grave inconveniente para o consumidor (artigo 4.º n.º 2). Quanto à reparação, não é humanamente possível retirar a humidade e o bolor ao tabaco, logo esta possibilidade está fora de hipótese. A substituição, naturalmente é viável, a não ser que algo excecional ocorra, como o tabaco se encontrar esgotado ou ter deixado de ser fabricado. Se o prazo de 30 dias não for cumprido,

legitima-se que o consumidor opte pelo exercício de qualquer outro dos direitos. Relativamente a estes importa tecer os seguintes comentários: - Resolução do contrato, que se concretiza com a devolução do tabaco e o reembolso do dinheiro pago. O António não poderia optar por esta solução se a falta de conformidade revestisse escassa importância pois tal constituiria abuso de direito (artigo 802.º do CC conjugado com o artigo 4.º n.º 5). Bolor e humidade, tendo em conta que se trata de um produto para ser inspirado pelos pulmões do ser humano com vista à obtenção de prazer, não é uma falta de conformidade de escassa importância, antes de enorme importância. - Redução adequada do preço, que no caso em apreço, parece não fazer muito sentido, a não ser que o António ache vantajoso pagar menos e em troca fumar tabaco onde já passou humidade e que possui bolor. Os critérios para se proceder à operação de redução devem atender à desvalorização do bem em virtude da sua desconformidade com o contrato. O vendedor reembolsará o consumidor no montante resultante da referida operação de redução de molde a reequilibrar as prestações. No caso, o tabaco seria praticamente de graça, já que tabaco contaminado perde praticamente todo o seu valor. Não obstante, após análise, chegar-se à conclusão que o António poderia optar pela substituição do tabaco ou pela redução do preço ou ainda pela resolução do contrato de compra e venda, no mundo real o mais natural seria a substituição dos maços por novos, sem mácula. Caso o António não desse essa possibilidade à empresa, optando, em primeira mão, pela resolução, e aquela não desejasse essa solução (já que teria de devolver o dinheiro e perder o lucro que poderia ter com a operação), creio que a resolução se traduziria na figura do abuso de direito (artigo 4.º n.º 5), uma vez que significaria cortar o cordão umbilical da relação jurídica contratual quando existe outra opção (substituição) que resolve a falta de conformidade sem tanta radicalização. O mesmo argumento serve para a redução do preço. Podemos argumentar que o objetivo do Direito do Consumo passa por proteger o consumidor, havendo quem advogue que os direitos do artigo 4.º são uma espécie cardápio de um restaurante, onde o cliente escolhe o prato que lhe apetece, esquecendo, no entanto, que o Direito do Consumo não pode ser tão autista ao ponto de ferir de morte as empresas impedindo-as de poder gerar lucro, só porque o produto apresenta falta de conformidade e o consumidor finca pé para resolver o contrato. Um defensor do Direito do Consumo e dos consumidores, que apenas se preocupe com a parte mais frágil, não é um verdadeiro defensor do Direito do Consumo, apenas alguém que procura ficar bem na foto e colher

aplausos, já que ao procurar atingir, no âmago, a parte fundamental para que exista consumo em Portugal, ou seja, os profissionais, as empresas, se esquece que sem estas não existem consumidores.

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