Title | Leitura silenciosa - Nota: 8 |
---|---|
Author | July Anapova |
Course | Biblioteca Escolar: Atividades, Desenvolvimento de Habilidade e Recursos de Informação |
Institution | Universidade de São Paulo |
Pages | 2 |
File Size | 57.1 KB |
File Type | |
Total Downloads | 103 |
Total Views | 124 |
Contexto histórico da transformação dos padrões de leitura no passado, que consequentemente acarretam no modelo de leitura silenciosa, gerando a ditadura de silêncio em bibliotecas até os dias atuais...
RESENHA “A GRÉCIA ARCAICA E CLÁSSICA: A INVENÇÃO DA LEITURA SILENCIOSA”
Desde a invenção da escrita alfabética na Grécia Antiga, a palavra era utilizada como forma de poder. A palavra falada predominava de forma incontestável sob a forma de kléos, “fama”, que por sua vez chegava a ser uma espécie de obsessão na época. Os gregos acreditavam que a sonoridade da palavra era a responsável por glorificar as orgulhosas aventuras de seus heróis, uma glória sonora, acústica, uma fama que só poderia ser invocada através da oralidade. Um exemplo claro disso são as obras a Ilíada e a Odisseia. O autor Homero foi um renomado poeta aedo, ou seja, um escritor que cantava poemas e feitos heroicos, assim como fez com ambas as epopeias citadas. E mesmo sendo repassadas de forma oralizada na época, sobreviveram como obras ainda populares em todo o mundo. Além desse fator cultural de exaltar a fama heroica, algumas particularidades da escrita tornavam a leitura silenciosa mais complicada, como a ausência de intervalos e de uma ortografia normalizada, marcando assim três traços característicos na leitura: Um caráter instrumental do leitor, em que a voz daquele que lê tem a utilidade de um mero instrumento para que a obra seja transmitida. Em segundo plano, um caráter incompleto da escrita, afinal precisava do instrumento da voz para se fazer completa. O terceiro caráter, como consequência dos dois primeiros, é o de que os destinatários da escrita não eram leitores, mas sim ouvintes. Essa definição de leitor como um mero ouvinte tornava o hábito da leitura ainda mais problemático. Na Grécia daquele tempo, a liberdade individual do cidadão era vista como uma questão de honra, fazendo com que o leitor não pudesse se contentar com o papel de “instrumento” da leitura tanto quanto um aprendiz de cidadão não poderia apreciar o seu papel nas habituais práticas de sodomia pelos pederastas. Outro fator da escrita que também é exemplificado nas obras de Homero é a inconstância entre vozes (as vezes como indivíduo, as vezes como várias pessoas), demonstrando que a voz do leitor “instrumento” muitas vezes tomava para si um “eu” que não era real. Em contrapartida, Sócrates já defendia o uso de uma consciência própria na leitura, de que as vozes exteriores não deveriam se sobrepor à própria vozinterior. O modelo do teatro também foi essencial na estruturação da nova prática de leitura, aquela que se fazia em silêncio. No caso das apresentações cênicas, o ator não trabalhava com o texto em mãos, assim como a plateia teria o dever de assistir passivamente, sem qualquer interferência. Dessa forma, a história a ser dramatizada era lida de forma particular por cada um e interpretada, notando-se também a grande
diferença entre o teatro e a leitura sonora: o teatro não se tratava de usar a voz como mero instrumento para ativar a leitura, mas sim de uma interpretação autônoma, o texto dramático está inscrito no espírito daquele que o diz em cena, produzindoumaescrita vocal. Sócrates censura,até comparando a escrita à pintura, o fato de uma obra significar sempre a mesma coisa, o que não se aplica ao teatro se for considerado que o ator abre a possibilidade de uma nova atitude em relação ao escrito, a possibilidade de uma leitura silenciosa. Assim se estabelecem relações de interiorização entre o teatro e o livro tanto quanto entre o livro e alma. Ou seja, no espaço mental pode exteriorizar-se no espaço escrito, que por sua vez, pode se exteriorizado no espaço teatral. Em Atenas começaram a surgir peças de teatro que não só estabeleciam essa relação com a leitura silenciosa, como também passaram a representar o próprio alfabeto como protagonista. O exemplo do Espetáculo do Alfabeto mostrava 24 mulheres representando o alfabeto jônico. A palavra que até então necessitava de uma voz terceira que a ativasse, agora fazia a inversão dos papéis. As letras começarem a “falar” é um fato notável. Também é possível deduzir que todo esse teatro ateniense exaltando a palavra não foi uma ideia isolada e infundada, mas sim nascido do espírito daquele para quem as letras já são autônomas, puras, e cuja vocalização se faz desnecessária para o entendimento. Porém, por mais que tenha havido certa flexão no pensar sobre a palavra, a leitura silenciosa jamais passou de uma prática marginal na Grécia Clássica, utilizada apenas por profissionais da escrita, que chegavam mergulhar em leituras vastas para que a leitura interiorizada se fizesse realmente útil. Para um povo cuja cultura sempre exaltou a sonoridade textual como forma de exaltação, a leitura silenciosa não chegou a atingir leitores medianos. Mas embora não tenha se popularizado merece ser notada pelo caráter inovador, e ainda porque permaneceu existente sobre o eco da leitura em voz alta....