Não sei quantas almas tenho PDF

Title Não sei quantas almas tenho
Author Bruno Vieira
Course Português
Institution Ensino Secundário (Portugal)
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“Não sei quantas almas tenho” O poema em análise é claramente um poema de reflexão – o eu lírico recorda ler o que escreveu com grande estranheza - é como se a sua obra lhe fosse estranha, quando ele percorre as páginas do seu passado. É nesta perspetiva que este poema deve ser lido, o que lia ele, senão passagens quase irreconhecíveis, de outros «eus», que não ele mesmo. Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que vê, Quem sente não é quem é, Esta primeira estrofe mostra aspetos da sua famosa despersonalização, diz não saber quantas almas tem, porque mudou a cada momento. Esta instabilidade é, no entanto, uma instabilidade de vida e não tanto uma instabilidade de "almas". Certo é que P, por sempre se expressar por outras vozes (heterónimas), neste momento já não se reconhece - tudo lhe foi sempre estranho, porque colocou sempre em outras vozes os seus problemas. Esta exteriorização das coisas na sua vida torna-o estranho à própria vida parece-lhe que foi outro que a viveu. Claro que este sentimento é uma protecção psicológica de se recolher para dentro para não sofrer com a solidão. A expressão "De tanto ser, só tenho alma", sendo curiosa, parece de fácil expressão quer dizer que não sente ter vida, mas só alma - ou seja, a sua vida foi (e é) toda pensada, toda racionalizada. Como sempre passou para pensamento tudo o que lhe acontecia, tudo o que sente é na alma, e parece que nada sente no corpo. Esta divisão corpo/alma é essencial no todo da obra e reflete uma das características da mesma - a extrema racionalização, o reduzir de todos os impulsos a uma inteligência recusando as emoções puras. Sabe que a vantagem de tudo ser inteligência tem desvantagens: "Quem tem alma não tem calma", diz ele. Quer dizer que quem pensa não tem paz - eis um novo princípio de grande importância: é inconciliável pensar e viver, ou se vive sem pensar ou se pensa sem viver. Viver a vida ou pensar a vida é um oposto que sempre o desafia. "Quem vê é só o que vê, / Quem sente não é quem é," marca ainda mais esta oposição viver/pensar. "Quem vê" é aquele que vive só a vida e não a pensa (sente). "Quem sente não é quem é" - quer dizer que o pensamento impede a ação na vida. Reforça que viver e pensar se tornam inconciliáveis. Atento ao que eu sou e vejo, Torno-me eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo É do que nasce e não meu.

Sou minha própria paisagem, Assisto à minha passagem, Diverso, móbil e só, Não sei sentir-me onde estou. Sentindo essa oposição pensar/viver transforma-se no papel, nas personagens dos seus heterónimos. E os heterónimos nascem das necessidades da sua vida - são filtros para o que vai acontecendo. À medida que são apresentados desafios a Pessoa, ele enfrenta-os indirectamente pelos seus filtros literários, pelas suas personagens literárias. Por isso ele diz que os sonhos e desejos é "do que nasce" e não dele. Ele como que apenas assiste à passagem da sua vida, porque se recusa vivê-la simplesmente. Tudo é analisado, dissecado, e tudo por isso se torna falso, uma ilusão de realidade simbolizada. É "diverso, móbil e só". Ou seja, multiplica-se, viaja, e está no final sozinho, sem salvação. Esta instabilidade, redução do um aos muitos, acaba por significar que ele deixa de sentir - "Não sei sentir-me onde estou". A vida é-lhe estranha e como a vida os sentimentos. Deixar de sentir é também deixar de viver - é alienar-se de tudo, protegerse da vida, dos perigos, de tudo, para se recolher dentro de si, e por detrás dos seus personagens literários. Por isso, alheio, vou lendo Como páginas, meu ser. O que segue prevendo, O que passou a esquecer. Noto à margem do que li O que julguei que senti. Releio e digo: "Fui eu"? Deus sabe, porque o escreveu. "Alheio" ele lê então "como páginas" o seu "ser". A sua vida confunde-se com a sua obra - diz ler como páginas o seu ser. A vida foi racionalizada, foi reduzida a linguagem escrita, transferida para os seus personagens literários, que acabam por viver a sua vida por si, por deixá-lo a um canto, reduzido quase a nada enquanto individualidade. Retiremos deste poema a grande solidão do poeta - já reduzido a apenas uma nota de margem na vida (e na sua obra) era a pessoa real, mas aqui torna-se evidente que a pessoa real foi obliterada, desmultiplicada em muitos outros, até que quase nada restasse do original. Nada para pensar, e sobretudo nada que sentisse o mundo à sua volta. Pessoa-ele-mesmo morreu para o mundo e já nada sente, e sobretudo o que sente é que a vida já não pode ser vivida senão por intermédio de um outro seu. E isto quer dizer que nele mesmo a esperança de viver estava definitivamente perdida"...


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