Plutarco. De Ísis e Osíris PDF

Title Plutarco. De Ísis e Osíris
Author Maria Aparecida de Oliveira Silva
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Plutarco De Ísis e Osíris Plutarco De Ísis e Osíris TRADUÇÃO, I N T R O D U Ç Ã O E N O TA S Maria Aparecida de Oliveira Silva Copyright © 2022 by Maria Aparecida de Oliveira Silva Direitos reservados e protegidos pela Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. É proibida a reprodução total ou parci...


Description

Plutarco De Ísis e Osíris

Plutarco De Ísis e Osíris

TRADUÇÃO,

I N T R O D U Ç Ã O E N O TA S

Maria Aparecida de Oliveira Silva

Copyright © 2022 by Maria Aparecida de Oliveira Silva Direitos reservados e protegidos pela Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, da autora.

Produção editorial: Maria Aparecida de Oliveira Silva Primeira revisão: Marcelo Carvalho Segunda revisão: Angela Cavinatti Revisão final: Francisca Luciana Sousa da Silva Capa: Gabriel Araújo Imagem de capa: Alto relevo de Ísis e Osíris, templo de Seth I em Abido, Egito. XIXª dinastia. ID 13312116 © Basphoto | Dreamstime.com Design e editoração: Tamar Fortes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) S586p

Silva, Maria Aparecida de Oliveira Plutarco De Ísis e Osíris / Maria Aparecida de Oliveira Silva. Edição bilíngue. – São Paulo, SP: 2022. 284 p.: il. ; 14 x 21 cm. Inclui índices ISBN: 978-65-00-39639-3 1. Literatura grega. 2. Ísis e Osíris. 3. Plutarco. I. Silva, Maria Aparecida de Oliveira. II. Título. CDD 888

Índice para catálogo sistemático: 1. Literatura grega: 888 Isabel Cristina Pereira da Costa  Bibliotecária  CRB-3/1324

A

gradecimentos

Esta tradução é fruto da fé coletiva na união de forças atuantes em um projeto inédito voltado ao desenvolvimento dos Estudos Clássicos no Brasil. Agradeço imensamente a energia de cada participante, com suas distintas notas, mas com a consciência uníssona de que somente o conhecimento pode nos elevar e nos aproximar do divino; pois, como afirma Plutarco em seu prólogo: “aspirar à divindade é o desejo da verdade” (De Ísis e Osíris, 351E). A verdade humana é um construto de investigações e raciocínios elaborados ao longo dos anos, impossível de ser alcançada em sua totalidade por uma só existência. No espaço de uma vida humana não se é capaz de entender tudo porque pouco se viu e ouviu; diferente do deus que tudo sabe por ter visto os acontecimentos desde o seu início e sempre acompanhará o seu desenrolar. É o saber acumulado pela humanidade, ainda que incompleto por sermos mortais, que move

nosso mundo e torna possível compreender cada vez mais a natureza humana em suas diversas manifestações. A todos que colaboraram para mais este estudo da obra plutarquiana na minha carreira, por mais que eu escreva, não serei capaz de expressar toda a minha gratidão e todo o meu carinho por vocês que apoiaram este projeto! Não quero aqui citar nomes individualmente, foram muitos amigos, colegas, alunos, familiares, pessoas que conheci apenas por meio das mídias sociais, algumas páginas especializadas que me ajudaram, pois temo esquecer alguém e cometer alguma injustiça. Em razão disso, todos os nomes dos participantes estão grafados em ordem alfabética no fim deste livro, para que todos se sintam lembrados. É com muita alegria que informo que esta tradução está disponível em pdf no site: https://independent.academia.edu/ MariaAparecidadeOliveiraSilva, como forma de ampliarmos nossa contribuição ao nosso país. A versão impressa é exclusiva dos colaboradores da Campanha De Ísis e Osíris, de Plutarco – Tradução, edição e impressão, cuja primeira fase foi realizada de outubro a dezembro de 2018 e a segunda, de abril a junho de 2021; com edição e impressão executadas de julho de 2021 a fevereiro de 2022. Muito obrigada a todos por esta experiência única! Maria Aparecida de Oliveira Silva

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umário

Agradecimentos xi Prefácio 9 Introdução 31 Περι ισιδος και οσιριδος | De Ísis e Osíris 53 Notas 179 Índice onomástico 247 Índice topográfico 257 Referências bibliográficas 261 Participantes 269

P

r efácio

É interessante notar que Plutarco inicia a narrativa contida no texto Ísis e Osíris com uma espécie de epístola dirigida a Clea, que presidia as Tríades de Delfos: Tudo que é bom, ó Clea, [...] devem pedir para si junto aos deuses, sobretudo suplicamos em nossa busca obter da parte deles, o quanto for possível aos homens alcançar, o conhecimento deles em sua essência. Porque não há nada melhor para um homem receber nem mais venerável para conceder a um deus que a verdade. (Plutarco. De Ísis e Osíris, 351C-D)

Em que pese sua competência literária, o que o torna um mestre na escritura de biografias, a missão a que ele se propôs, ao ensaiar uma interpretação histórica do mito de Ísis e Osíris, levou Plutarco a enfrentar problemas quase inexpugnáveis. Isto porque, para o filósofo grego, a busca da verdade era a finalidade precípua de suas biografias. Devido, entretanto, à escassez de fontes, ao acesso a informações

cifradas pelos valores egípcios, bem como à despreocupação total dos próprios egípcios com a veracidade e a racionalidade de seus relatos, eles, ao misturarem magia, política, religião, criavam um contexto que não se submetia à razão, impossibilitando, com isso, qualquer tipo de categorização de suas narrativas, o que dificulta, em muito, sua análise.

a boca”. Importa particularmente para o presente texto contextualizar algumas das características presentes na narrativa de Plutarco, ao descrever os deuses egípcios Ísis e Osíris, particularmente, no momento em que ele se propõe a traçar um esboço da personalidade e modo de ser desses protagonistas  seu caráter, modo de agir e ditos.

Quando Plutarco se dispôs a entender os mitos egípcios, passou, assim, a espreitar um mundo cheio de mistérios, a começar pela própria linguagem escrita convocada para sua expressão, da qual, aliás, ele possuía pouco domínio. Além disso, por formação, fora levado a desprezar os hieróglifos por seu carácter imagético, pela recorrência ao figurativo. Mais ainda, precisou se defrontar com relatos que lhe chegavam trazidos (e traídos) por uma memória, como alertava Fedro, segundo Platão (428-348 a.C.), constituída “por histórias inventadas por Sócrates”. Em razão de tal contexto, não surpreende encontrarem-se, no interior dessas narrativas míticas, relatos de situações interpretadas, modificadas e/ou censuradas por Plutarco. Ele próprio confessa, no encerramento de seu texto, essas interferências: “Esses são mais ou menos os principais fatos característicos do mito; dele foram retirados os mais desagradáveis, como o desmembramento de Horo e a decapitação de Ísis”.

Com vistas ao aprofundamento de sua visão sobre os egípcios, Plutarco, ao escrever, recorre às fontes, interpelando Cleo, pois, por formação e inquietude, como historiador, acreditava que:

No entanto, na visão dos egípcios, não houve, em nenhum momento, um desmembramento de Hórus e, sim, de Osíris, após a sua morte, o que é narrado por Plutarco em outro momento. Já Ísis foi agredida pelo filho no episódio em que o mesmo pensou haver ela protegido Seth; mas ele não chegou às vias de fato - ela não foi morta por ele. A liberdade, nesse relato, pode ser considerada como inadequada, em se tratando de divindades, diz o sábio de Queroneia, que se justifica citando as palavras de Ésquilo (524-455 a.C.): “se fossem ações e acontecimentos verdadeiros, deve-se cuspir e purificar

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invenções vazias, tais como os poetas e os logógrafos que, como as aranhas, geram as primeiras ideias de si mesmos, sem fundamento, tecem-nas e as expandem, mas com algumas dificuldades e narrativas de sofrimentos, tu mesma as conheces. (Plutarco. De Ísis e Osíris, 358F)

Um outro exemplo desta preocupação se manifesta quando Plutarco discorre sobre o surgimento do mundo na visão dos antigos egípcios, assim se expressando: é uma mistura que vem de poderes contrários, sem dúvida, não com a mesma força, mas o melhor é o que predomina; e é completamente impossível que o mal seja destruído, porque está muito enraizado no corpo e na alma do universo, e está sempre combatendo com o melhor. (Plutarco. De Ísis e Osíris, 371A)

Em sua perspectiva, na alma, “Osíris é a inteligência e a razão, que são guias e soberanas sobre todas as coisas excelentes na terra, nos ventos, nas águas”. Já quando se refere a Tífon, correspondente ao Seth egípcio, Plutarco o configura com tudo o que “existe na alma de patético, titânico, irracional e impulsivo”. Ao esboçar os traços da personalidade dos protagonistas da narrativa, Plutarco atenta para o caráter metafórico das qualificações empregadas. Em razão disso, acredita que a Seth cabe o que há de mais estúpido dentre

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os animais domésticos  o asno; e, dentre os animais selvagens, o crocodilo e o cavalo do rio (hipopótamo). Os egípcios diziam que Tífon escapou de Hórus porque se transformou em um crocodilo. Já Osíris é representado por um olho e um cetro, o primeiro referindo a previdência e o segundo, o poder. Ele é também frequentemente aludido pela imagem de um gavião, ave que, por natureza, se destaca pela agudez de visão, pela velocidade do voo e pelo pouquíssimo alimento de que necessita para sobreviver. Plutarco relata que, à época, circulava por toda parte, no mundo egípcio, uma estátua de Osíris na forma humana, exibindo seu membro viril ereto, uma menção explícita ao seu poder fecundante e nutriz. Essa, não obstante, foi, segundo os egípcios, a única parte do corpo dessa divindade que ficou faltando na busca de Ísis. Essa imagem de um deus com o falo ereto permite estabelecer uma correspondência com Min. Assim, apesar da fama de loucos que os egípcios gozavam entre os gregos, Plutarco, muito provavelmente, surpreendeu-se com o tom fantástico que perpassa o encaminhamento final desta narrativa mítica, concluída com o coroamento de Hórus como rei do Egito e com sua escolha de Osíris para ocupar a função de governante do mundo do além, conforme registro no Livro dos mortos... O fato é que, ainda hoje, esses mitos seguem passíveis de múltiplas interpretações e fomentam inúmeras discussões, o que torna este livro tão instigante e necessário como exercício de reflexão. Mas, por que se faz necessária uma nova tradução? É Maria Aparecida quem responde a essa questão ao se dispor a traduzir, de forma exemplar e irretocável, o texto original de Plutarco. Ela esmiúça os sentidos da língua grega para encontrar, em suas dobraduras c, este autor do princípio do século I. Assim, depurar seu trabalho acadêmico e tornar compreensíveis as transculturações que a dinâmica da linguagem provoca nos leitores modernos é sua meta

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principal, aliás, plenamente atingida nesta obra. Mas, afinal, de que trata o mito de Ísis e Osíris?

O MITO DE HELIÓPOLIS, PELOS EGÍPCIOS E SEUS HISTORIADORES

Os antigos egípcios, entre os anos de 2350 e 2175 a.C., inscreveram nas paredes da sua pirâmide em Sakkara os famosos Textos das Pirâmides, a maior e melhor coleção de literatura religiosa do mundo antigo. Fragmentos dos mitos antigos egípcios são encontrados nos Textos das Pirâmides, tais como o 7075, o qual refere ao mito cosmológico para explicar o efeito de que o sol aparece dos cornos da vaca celeste, que posteriormente se manifestam na deusa Hathor.

Esses egípcios antigos acreditavam em muitos deuses, cujas histórias são hoje compreendidas como mitos que, referentes a pessoas ou a coisas, só existem na imaginação, estando especialmente associados a crenças religiosas e rituais. Embora o pensamento moderno seja crítico e analítico, vale ressaltar que ele também inclui as suas crenças, pois fundamenta-se muitas vezes em premissas e raciocínios sobre os quais não fornece provas concretas de existência. Muitas crenças são milenares. E as primeiras construções míticas datam exatamente desses tempos remotos. Os textos conhecidos como pertencentes às pirâmides não provêm das construções monumentais de Gizé; suas inscrições estão presentes apenas nas pirâmides da V dinastia. A primeira delas a conter esses relatos foi a de Unas, o último faraó da V dinastia. Gaston Maspero (18851915) foi quem primeiramente traduziu os encantamentos inscritos na pirâmide de Teti (2323-2291 a.C.). Neles, o universo dos mortos (Duat) e o mundo celeste eram bastante semelhantes ao dos vivos (Kemet). Os egípcios acreditavam que, quando um morto superasse as dificuldades do Julgamento dos Mortos, ele viveria nos campos de

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Ianu, lugar de natureza idílica, cujo significado é vida após a morte. Veja-se o que diz sobre o tema o capítulo 147 do Livro dos Mortos: ...o morto refaz o caminho do deus Osíris, de modo a atingir a sua justificação e juntar-se à esfera divina. No mundo dos vivos não há igualdade, a desigualdade se dilui no caminho dos mortos, a caminha do Maat. Nessa senda os juncos em associação com a água produzem o efeito de vida e fertilidade. Eles formam o caldo sagrado do oceano primordial.

Os egípcios chamavam o Livro dos Mortos de Capítulos para sair à luz. Foi Richard Lepsius (1810-1884) quem denominou esses textos de Livro dos Mortos. Lepsius foi também o primeiro tradutor dos Textos dos Sarcófagos, que registram os espaços inicialmente ocupados pela nobreza para a formalização do julgamento de seus mortos. Os melhores exemplos desses procedimentos são os encontrados nos sarcófagos da XI e XII dinastias, primeiro período intermediário. Tudo indica haver sido James Henry Breasted (18651935) quem sugeriu, para denominação desses registros, o título de Textos dos Sarcófagos. Os egiptólogos que mais trabalharam com os Textos dos Sarcófagos foram Alan Henderson Gardiner (18791963) e Adriaan de Buck (1892-1959), esse último também editor de seus seis volumes. Os papiros em que se encontram registrados esses textos funerários mediam até mesmo 24 metros. E o seu custo podia ser acessível, pois variava como o valor pago por outros serviços ou aquisições – uma cama, um feixe de papiros, ou mesmo a metade da remuneração do trabalho anual de um operário qualificado. Esses textos constituem-se em um corpus de encantamentos, cujo principal objetivo era promover a ressurreição e o bem-estar dos falecidos. Quando talhados nas paredes, esses encantamentos estão claramente separados uns dos outros por meio de um termo introdutório e por linhas divisórias, o que indica se tratar de ‘enunciados’ distintos e independentes. É lugar comum a afirmação

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de que, dos egípcios antigos, especialmente daqueles que viveram durante o Velho Reino ou em tempos anteriores, não se pode esperar nada que se aproxime do que hoje se entende por pensamento filosófico. Suas especulações de forma alguma se restringiam àquilo que atualmente se compreende como uma demanda científica da verdade. Essa busca intelectual, aliás, está completamente ausente do grande corpo constitutivo da literatura religiosa proveniente do antigo Egito, representado pelos famosos Textos das Pirâmides. Para Mercer (1880-1969), o fato de esses povos primitivos serem, essencialmente, movidos por apelos emocionais e volitivos, sempre presentes em suas manifestações, determinava que as conclusões a que chegassem não se fundamentassem em julgamentos críticos, e, principalmente, complexos, pois, vale lembrar, o que se pode chamar de filosofia egípcia era apresentada em termos pictóricos. É evidente que eles raciocinavam de forma lógica, mas raramente o faziam de maneira formal, como é o caso da construção da Enéade Heliopolitana, que ilustra muito bem a sua forma de especulação sobre o real. Observando com atenção os textos das pirâmides em seu conjunto, percebe-se que o mito de Heliópolis foi primeiramente narrado com o nome e a estrutura de O Conto das pirâmides, preservado no Papyrus Chester Beatty I, cuja principal característica é a forma como evidencia o encaminhamento dos procedimentos judiciais nos tempos primordiais do Egito Antigo, o que, sem dúvida, o torna surpreendente. Muitos dos pesquisadores e egiptólogos que se debruçaram sobre esse corpus, lidaram com As Contendas de Hórus e Seth. John Gwyn Griffiths (1862-1934), por exemplo, discorre sobre todo o conflito entre Hórus e Seth em seu livro The conflict of Horus and Seth, discutindo os diferentes aspectos envolvidos na batalha iniciada por Seth, inclusive as mutilações, o

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episódio homossexual e o julgamento. Griffiths argumenta que se trata de mito cuja origem é política e histórica e que a querela entre Hórus e Seth tem a ver com lutas tribais anteriores à unificação do Egito. Outros historiadores, não obstante, descartaram essa ideia, como é o caso do autor de As contendas de Hórus e Seth, que defende a posição de que esse relato, em particular, foi criado simplesmente como um mito religioso, não devendo ser relacionado ao contexto histórico. Os textos das pirâmides foram primeiramente publicados por Maspero (1846-1916) que obteve a permissão para copiá-los do Diretor do Serviço de Antiguidades do Egito, François Auguste Mariette (1821-1881), “o Pasha”, denominação conferida pelos turcos a pessoas de excelência, como era o seu caso. Ao todo, Maspero então copiou os textos das pirâmides de Pepi I (2289-2255 a.C.) e Merenre (22552246 a.C.), havendo traduzido 4000 linhas da inscrição em hieróglifos. Outra das grandes figuras da filologia egípcia do século XX foi o egiptólogo alemão Kurt Seth (1869-1934). Ele fez descobertas em todos os ramos da egiptologia, havendo conferido e reeditado os Textos das Pirâmides, fruto do trabalho exaustivo de Maspero, seu principal autor. É importante destacar que a edição modelo de Kurt Seth comporta um total de 714 enunciados, acrescidos de textos adicionais, trazidos posteriormente, perfazendo o número de 759 enunciados. Maspero e Kurt Seth são as principais autoridades, em língua inglesa, dessa fase da egiptologia mundial, juntamente com Samuel Mercer (1880-1969) e Raymond Faulkner (1894-1982). Eles pertencem ao grupo que defende a posição de que o aumento do poder e atribuições ao rei estavam estreitamente ligados ao fato de ele ser um representante de Hórus, crença que se difundiu com o mito de Osíris, na Vª dinastia. Considerado como o filho de Osíris, Hórus, com essa origem, reforçou o mito de que todos os faraós são

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também filhos de Osíris. Em sua análise da literatura egípcia antiga, Antonio Loprieno afirma que o Contendings é um dos primeiros exemplos de “mitologia como gênero textual”, ou seja, de quando a mitologia adentra no campo literário. Ele acredita que isso tem a ver com a transformação da história em sátira política. Nessa direção, Loprieno elogia seu orientando Marcelo Campagno, egiptólogo argentino, por atribuir ao mito a função de concepção e difusão do conceito de universo para os antigos egípcios. Loprieno também destaca a ênfase que Marcelo confere à descrição da forma de atuação dos primeiros procedimentos judiciais, ao tomar como referência o percurso empreendido durante o processo de julgamento de Seth como pretendente ao trono do rei Osíris. Marcelo Campagno oferece uma solução bastante convincente para o problema conceitual. Graças ao seu extraordinário domínio dos estudos históricos e antropológicos, ele consegue demonstrar que: a dicotomia da enciclopédia subjacente ao conto mitológico do papiro Chester Beatty é aquela entre dois modelos (ou lógicas) de organização social, aparentemente coexistindo - na realidade social ou em termos de memória cultural - no Ramesside Egito.

Também é importante a contribuição de Campagno, mais recentemente, em que ele considera a rivalidade entre Hórus e Seth tal como relatada no Papiro Chester Beatty I, como evocativa do triunfo do sistema de corte de Estado sobre o sistema de parentesco baseado em práticas judiciais. Na publicação de Oxford do dito papiro, contendo As disputas de Hórus e Seth, a discussão sobre o conto é conduzida por Alan Gardiner, que compara essa narrativa com as histórias das divindades gregas e com a Odisseia de Homero. O fato é que o Livro dos Mortos, retirado das pirâmides, bem como os textos do Papiro Chester Beatty I comportam inúmeros ensinamento...


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