Resenha Crítica - O Navio Negreiro PDF

Title Resenha Crítica - O Navio Negreiro
Course Introdução ao Estudo de História
Institution Universidade Estadual de Campinas
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Summary

Marcus Rediker nasceu em 1951 em Owensboro, Kentuchy, nos Estados Unidos
Graduado em História pela Virginia Commonwealth University, ele também adquiriu o diploma Ph.D na University of Pennsylvania, em 1976 e 1982, respectivamente. Rediker não só escreveu “O Navio Negreiro:Uma História Humana”...


Description

REDIKER, Marcus. O Navio Negreiro: Uma História Humana. São Paulo: Editora Schwarcz ltda, 2011, 446p. Marcus Rediker nasceu em 1951 em Owensboro, Kentuchy, nos Estados Unidos1 Graduado em História pela Virginia Commonwealth University, ele também adquiriu o diploma Ph.D na University of Pennsylvania, em 1976 e 1982, respectivamente. Rediker não só escreveu “O Navio Negreiro:Uma História Humana” (2011), mas também outras obras, como “A Hidra de Muitas Cabeças: Marinheiros, escravos, plebeus e a história oculta do Atlântico revolucionário” em parceria com Peter Linebaugh² (2000). Além dos escritos, Marcus Rediker também produziu um documentário (Ghosts of Amistad: In the Footsteps of the Rebels) em 2014, sob a direção de Tony Buba³. O documentário foi baseado em um livro de Rediker chamado “The Amistad Rebellion: An Atlantic Odyssey of Slavery and Freedom” (2012), que ainda não está disponível em português. É evidente que o tráfico negreiro contribuiu com o crescimento da economia no “Novo Mundo”. O sistema de plantation e o trabalho forçado do escravo africano no crescimento econômico é muito estudado desde o período escolar. Contudo, ainda que isso seja muito abordado há ainda dentro deste tema algo que muitas vezes é apenas citado: os navios negreiros. Em “O Navio Negreiro: Uma História Humana”, Marcus Rediker apresenta uma perspectiva muito mais ampla do que os navios negreiros representam no imaginário popular. A ideia de que eles transportavam os escravos é ainda muito vaga. A partir da leitura da obra de Rediker, a dor, o sofrimento e o cotidiano marcado por violência física e tortura constante nesses navios torna-se muito mais pessoal na vida do leitor. É intrigante pensar como o livro, que aborda um assunto que causa tamanha tristeza e angústia consegue ser tão envolvente, prendendo o leitor, mesmo que por meio do desconforto que é causado durante a leitura, do início ao fim. Existem 10 divisões de capítulos que retratam a história nos navios negreiros a partir de diferentes documentos e autores no livro. Dentre esses capítulos existem histórias que contam desde a vida dos capitães nos navios, o medo dos tubarões que marujos e escravos Marcus Rediker biography. Disponível em: . Acesso em 26/07/2017. ²Disponível em: Disponível em: 1

tinham, histórias de resistência dos que tentavam fugir dos navios, os casos de homens que viraram marujos (porque algum capitão pagou sua fiança na prisão para se apropriar de sua liberdade) até histórias que dizem respeito à resistência de escravos ao deixarem de comer. Muitas das histórias nos contam casos sobre uma pessoa, mas todas estão ligadas à perspectiva do tráfico negreiro e a situação caótica nas embarcações que transportavam carne humana, principalmente o tráfico que era capitaneado pela Inglaterra durante o século XVIII. Com mais de 30 anos de pesquisa, o especialista em tráfico transatlântico reúne em seu livro uma documentação marítima variada. Entre as histórias que causam terror e desconforto no leitor está a história do capitão William Watkins (p.36). Ele era o capitão de um navio chamado África, que na década de 1760 estava ancorado no rio Velho Calabar. Essa história conta sobre a revolta de escravos que conseguiram se libertar dos grilhões que os prendiam no porão do navio e tentaram chegar até a sala de armas, que ficava no convés, para tentar conter a resistência do capitão e dos marujos que tentariam impedí-los. Para a infelicidade dos escravos desse navio a tentativa foi em vão. O capitão Watkins conseguiu restabelecer a ordem no navio. Resumindo: ele puniu oito dos escravos envolvidos e toda a tripulação do África chicoteou os escravos até que o “cansaço os impedissem”, por ordem do capitão. Depois disso o capitão ainda os queimou com um instrumento conhecido como “torturador”. Essa é apenas uma parte dessa história que demonstra a realidade e a brutalidade nos navios negreiros da época por parte dos capitães e marujos. O desfecho dessa história acaba na “libertação” de um escravo que só fora alcançada com a morte. Entretanto, esse escravo “liberto” pela morte já havia perdido sua alma desde o momento em que entrou no África. Desde o momento em que o tiraram do lugar onde ele queria estar, do momento em que ele era tido como uma mercadoria e tratado como uma. O África só o levaria para um caminho, senão a morte no navio: a morte nas plantations do “Novo Mundo”. Com base nos documentos, Rediker demonstra ter um posicionamento, certamente, que vai contra a ideia que era propagada pelo tráfico negreiro. Ao final de cada história dentro do seu livro, quase sempre, o autor dá ênfase ao sofrimento do escravo, à injustiça desse sistema. Na história “Malachy Postlethwayt: A Aritmética Política do Tráfico de Escravos, 1745” (p.54) é contada a história de um comerciante britânico que tentou persuadir o Parlamento Britânico a “subsidiar o tráfico de escravos através da manutenção das fortalezas e feitorias na África Ocidental” e ainda defendeu a importância do tráfico para a economia do Império Britânico. Sobre sua defesa, Rediker escreve:

“Postlethwayt montou sua defesa daquilo que ele chamava eufemicamente de ‘comércio africano’ porque sabia que algumas pessoas, ainda no início da década de 1740, já tinham se manifestado contra o que denunciavam raivosamente como ‘tráfico de escravos’: ‘Muitos estão predispostos contra esse comércio, considerando uma coisa bárbara, desumana e ilegal um país cristão traficar negros’. Porém, como todos os traficantes de escravos, ele se convencera de que os africanos estariam em melhor situação ‘vivendo num país cristão civilizado’ que entre ‘selvagens’.” O uso de aspas pelo autor na hora de falar sobre “viver num país cristão civilizado” que entre “selvagens” demonstra, claramente, a oposição do historiador em relação a justificação do tráfico negreiro com o argumento de que os africanos ainda não haviam saído da “pré-história”. A própria visão da África como sendo centralizada em uma cultura, em tribos e totalmente subdesenvolvida já demonstra a visão ocidental que perpetua na sociedade desde a época da escravidão dos negros, fruto das justificativas que eram criadas na época e na visão que foi construída sobre o negro, assim como as que são demonstradas em algumas histórias no livro de Rediker. As fontes utilizadas pelo autor e seu recorte histórico não poderiam demonstrar de uma maneira mais eficiente a realidade da época. Ainda que o autor demonstre se opor ao tráfico, ele não culpa o homem do passado pelos seus feitos. Vale dizer que isso acontece pelo fato da história ser uma ciência do homem no tempo - como disse Bloch, no seu livro “Apologia da História: ou o ofício do historiador” -. O recorte feito para a abordagem da problemática proposta no livro, através que documentos da história marítima, e por assim dizer, da história das embarcações da época permitem que o autor retrate, de maneira fidedigna, a história que deseja trasmitir. Com a leitura da obra “O Navio Negreiro: Uma História Humana”, o leitor passa a ter uma percepção histórica mais ampla e clara do que acontecia nos navios que traficavam homens. Além do conhecimento histórico, a partir da obra, fica claro o porquê da existência de toda a segregação racial, que ainda hoje, no século XXI, está intrínseca na sociedade. Não foi desde o momento em que o branco pisou no continente africano que a segregação começou, mas sim desde o momento em que ele colocou o negro como mercadoria, como algo que poderia gerar (e gerou) lucro econômico, como demonstrado nas histórias de

Rediker. No poema de Castro Alves chamado “O Navio Negreiro” é possível sim criar uma percepção sobre o que acontecia, mas Rediker nessa obra, nos demonstra, de uma maneira simples e coesa, uma história muito mais detalhada. O alcance emocional e o alcance de mudar a percepção de um indivíduo após a leitura desse livro é certeira. Pessoalmente, não posso contrariar tal ideia....


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