Resenha de Abril Despedaçado PDF

Title Resenha de Abril Despedaçado
Course Etica E Psicologia
Institution Universidade Federal do Ceará
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Summary

O filme drama brasileiro “Abril Despedaçado”, dirigido por Walter Salles,
situa-se no sertão brasileiro de 1910, explicitando a situação de miséria e a seca do
sertão. Baseado no livro homônimo do escritor albanês Ismaïl Kadare, a história enfoca
a exploração e a violência, o confl...


Description

O filme drama brasileiro “Abril Despedaçado”, dirigido por Walter Salles, situa-se no sertão brasileiro de 1910, explicitando a situação de miséria e a seca do sertão. Baseado no livro homônimo do escritor albanês Ismaïl Kadare, a história enfoca a exploração e a violência – no seu amplo sentido, ou seja, física e psicológica –, o conflito entre famílias e as relações de dominação que permeiam esse contexto. Nesse sentido, o filme levanta diversas questões que, em suma, concernem à relação indivíduo e sociedade, de forma que o espectador é levado a refletir sobre moral e ética. Assim, o presente trabalho tem como objetivo articular o filme “Abril Despedaçado” com os textos trabalhados na cadeira de Ética. Logo no início do filme, nos é apresentado à família Breves, composta por Tonho, “menino” – posteriormente chamado de Pacu – e seus pais. No cenário do sertão brasileiro, moradores do pequeno interior Riacho das Almas, observamos claramente a seca e a extrema pobreza que atravessam a história a se seguir. O sustento da família se dá pelo cultivo da cana de açúcar, utilizada para a produção e venda de rapadura, de forma que todos da família têm ocupações exaustivas, em que se é exigido um grande esforço, muitas vezes, ao sol para a realização das tarefas, seja movendo os bois no moedor de cana, seja fervendo o caldo ou recolhendo o bagaço. Tal esforço, exaustão e foco no trabalho são evidenciados simbolicamente pelo balanço, única diversão que Tonho e “menino” têm por ali, sendo ambos proibidos, mais especificamente o “menino”, de irem à cidade. Após a introdução dos personagens principais, contextualiza-se a guerra de família, fundamental à trama, entre os Breves e os Ferreira na disputa de um minifúndio. Esse conflito se mantém há décadas, sendo passado de geração a geração, de forma que assassinatos entre os filhos mais velhos vivos são revidados. A vingança se dá no dia em que o sangue na camisa do assassinado mudasse de vermelho para amarelo, ou seja, até que o sangue amarelasse, havia um período de trégua. Na situação retratada, o filho mais velho da família Breves, foi assassinado pelo filho mais velho da família Ferreira numa emboscada, sendo, então, obrigação de Tonho (filho do meio) vingar-se e manter a honra da família, tirando a vida daquele que matou seu irmão.

Observa-se claramente o desconforto, tanto de Tonho quanto de Pacu, acerca da tradição dessa vingança na cena do jantar quando o pai confirma o dever do filho e as suas expressões não negam o sentimento. De qualquer forma, Tonho cumpre sua obrigação e mata o inimigo, determinando, nesse momento, sua morte. Depois desse evento, Tonho dá-se conta da brevidade da vida, com uma conversa com o patriarca da família Ferreira, em que este coloca para Tonho que a vida dele foi dividida em dois: de um lado seus 20 anos e do outro o tempo que lhe resta. Diante

disso,

no

desenrolar

da história mostra visivelmente o

questionamento por parte de Tonho sobre os valores impostos pela tradição, de forma que ele entra em um impasse (indivíduo x sociedade): quer ser livre, mas a tradição o impede. Torna-se evidente essa situação quando Clara é introduzida ao drama. O

“menino”, que, assim como o resto da família, trabalhava

exacerbadamente, tendo pouco tempo para lazer e poucas distrações, um dia se encontrou com Clara e Salustiano, os quais estavam perdidos, buscando direções para chegar a cidade, onde viriam a montar um circo naquela temporada. Clara, afeiçoada pelo jeito do menino, deu a ele um livro cheio de imagens e histórias, de forma que, analfabeto, Pacu, a partir das figuras, passou a criar suas próprias histórias. Sonhava com o mar, com o vento, com sereias e peixes, tudo o que a ele não era possível, na medida em que era confinado pelos pais. Certo dia, após falar sobre o livro e Clara, querendo ir a cidade ver o circo, Tonho leva Pacu à apresentação e surge daí um romance: Tonho e Clara se apaixonam. Assim, surge à Tonho a vontade de se entregar a esse amor. No entanto, a pulseira no seu braço lembra-lhe a tradição e o seu curto tempo de vida. Finalizando o filme com o fim da seca, com a chegada da chuva, Pacu sacrifica-se em lugar de Tonho, vestindo seu chapéu e a pulseira no braço, de forma que confundiu o inimigo. Subtende-se que esse sacrifício se deu por o “menino” acreditar no romance do seu irmão e Clara e na quebra da tradição dos assassinatos. É com isso que Tonho decide deixar o sertão e ir em direção ao mar, onde Pacu dizia ser o local da felicidade.

Considerando moral e ética no mesmo sentido colocado por La Taille (2006), sendo “uma relacionada a deveres, a outra a objetivos e à qualidade da vida” (LA TAILLE, 2006, p. 29), de forma que “à indagação moral corresponde à pergunta: ‘como devo agir?’. E à reflexão ética cabe responder à outra: ‘que vida eu quero viver?’.” (LA TAILLE, 2006, p. 29), - sendo importante destacar que, para La Taille (2016), toda ética tem uma moral, já que vivemos em sociedade e a moral concerne também a isso. Desse modo, podemos iniciar uma análise sobre o questão colocada por Tonho no descrito drama brasileiro. De acordo com La Taille (2006), o que há de comum nos diversos sistemas morais é sentimento de obrigatoriedade, ou seja, a “forma” da moralidade – a qual pode receber vários conteúdos – é a exigência social do cumprimento do dever. Nesse sentido, tomando como “conteúdo” a tradição de assassinato retratada na história, podemos identificar a presença de um sentimento de obrigatoriedade na decisão de Tonho no cumprimento de sua tarefa, o que tornou, portanto, ainda mais difícil lidar com o seu expressivo desconforto diante desse dever. Por outro lado, como afirma La Taille (2006, p. 34), “o sentimento de obrigatoriedade não implica sempre o saber-se qual o dever a ser seguido”. Transportando para a história em questão, isso é evidenciado nitidamente quando Tonho e Clara passam a se envolver romanticamente, de forma que a possibilidade de entregar-se a esse amor e a essa aventura não é desconsiderada ou anulada, mesmo com a presença material – a corda em seu braço – lembrando-lhe de suas obrigações. É nesse sentido que, caso Tonho tivesse optado por envolver-se amorosamente e ignorar toda a situação conflituosa da família, poderíamos dizer, em concordância com La Taille (2006), que o sentimento de obrigatoriedade – relacionado à moral, ao que socialmente se é exigido e esperado de Tonho – é mais fraco que outros sentimentos, como o por Clara. Adentrando no campo da ética, falemos de vida boa e vida ruim. Para Harris (2013), é claro que algumas pessoas tem uma vida melhor que outras. Nesse sentido, ressaltamos La Taille (2016) quando ele coloca que a vida boa decorrer de uma experiência subjetiva, à medida que depende de avaliações pessoas do que pode vir a ser

uma vida boa e do sentir – “não é possível ser feliz sem se sentir feliz” (LA TAILLE, 2016, p. 37). A partir disso, relacionando com o filme, passa-se a compreender que para Tonho, a vida boa difere do que seu pai pensa sobre o ideal dele. Ou seja, Tonho, aparentemente, não acredita que assassinar alguém vá trazer algum tipo de felicidade ou benefício pro seu irmão morto ou pra vida na terra, assassinando alguém, por isso hesita nesse sentido. Para o pai, no entanto, matar o inimigo traria uma vida boa à medida em que garante a honra da família e faz uma autoafirmação de uma faixa de bike. Podemos, então, articular com mais um dos pontos do texto de La Taille (2006), em que ele fala do sentido pra vida como condição necessária para uma “vida boa”, de modo que, enquanto o dever feito por Tonho não fazia sentido para ele, por isso causando a dúvida, “já que dar sentido às ações é identificar aquilo que as torna dignas de serem realizadas e que, consequentemente, traduz a nossa situação no mundo” (LA TAILLE, p. 44). Nessa lógica, entende-se que o “como viver?” está estritamente relacionado com identidade pessoal – “como construção realizada a partir dos atos concretos da vida, a partir do como viver” (LA TAILLE, p. 45) –, de maneira que a realização do dever do assassinato de Tonho identificava ele em uma certa identidade que ele não parecia confortável em receber a partir desse ato. Portanto, a moral é, segundo La Taille (2016), exterior à ética, limitando o que vem a ser pra qualquer indivíduo social o conceito de “vida boa”. Em certo sentido, portanto, podemos até pensar na atitude de Pacu como um suicídio, considerando-o como uma forma de colocar sua liberdade em evidência, levando em consideração o confinamento ao qual ele era submetido, não podendo sair de casa nem mesmo divagar sobre suas histórias a partir do livro sem ser punido. Podemos, portanto, articular essa ideia com Steiner (2016, p. 82) quando ele coloca que “El suicídio encarna, respalda la libertad. No elegimos nuestro nacimiento. Pero podemos reclamar la autonomia de nuestro ser, de nuestra autoposesión – um término definitivo – al elegir la manera y el momento de nuestra muerte”. Embora não colocado em evidência dessa maneira, podemos vir a pensar o sacrifício de Pacu como uma forma dele de reivindicar a sua liberdade de ser tanto no que se refere a sair dessa lógica de

dominação familiar, da miséria e da exaustão quanto de afirmar sua posição acerca das tradições, ou seja sua clara posição contra isso, sua vontade e efetivação de quebra do ciclo. O filme, muito bem dirigido,

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