Sermão de Santo António - Resumo - Extenso PDF

Title Sermão de Santo António - Resumo - Extenso
Course Zoologia
Institution Universidade de Coimbra
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Sermão de Santo António O Sermão de Santo António é uma alegoria, na medida em que os peixes são a personificação dos homens. Padre António Vieira toma como ponto de partida uma frase bíblica irrefutavelmente aplicável às condições políticas e sociais da sua época. A estrutura do sermão segue os preceitos da retórica clássica, sendo de salientar o exórdio, seguido da exposição e confirmação e, por fim, a peroração, que, no texto argumentativo, corresponde, respetivamente, à introdução, desenvolvimento e conclusão.

I (Exórdio) O exórdio ou “proemium” é uma parte do discurso que se reveste de grande importância, na medida em que é o primeiro passo para a “captatio benevolentia” dos ouvintes. O orador deverá ser sensível ao auditório que tem à sua frente e desenvolver o seu discurso, tendo em conta as suas características. Não deverá começar num tom muito monótono, mas também não deve fazê-lo em tom muito elevado senão, como dizia Terrones, poderá “espantar a caça”. No exórdio é proposto um tema dicotómico. Partindo do conceito predicável “Vos estis sal terrae”, retirado da Sagrada Escritura, o orador dá início ao sermão. O tema é apresentado, desenvolvido e é dada uma possível solução. Assim, sob a forma de esquema, teremos: Conceito predicável: “Vós sois o sal da terra” (l.7) Pregadores

Ouvintes

Mensagem evangélica Propriedades

→ →

Sal Conservar Evitar a corrupção

Pregadores → Louvar o bem → Impedir o mal

Vieira sabe que o mal não está só do lado dos pregadores, os leigos também têm as suas culpas e todos juntos concorrem para a destruição do Índio. Religiosos, ou não, tornavam-se traficantes de Índios e iam, a pouco e pouco, dizimando este povo. Numa “Informação” que Vieira escreveu em 1652, pode ler-se o seguinte: “Os Índios têm cobrado grande medo aos Portugueses, pelas grandes crueldades que neste Estado têm executado, das quais baste por prova que, em menos de quarenta anos, consumiram mais de dois milhões de Índios, e mais de quatrocentas povoações, tão populosas como grandes cidades, de que hoje se não vê nem o rasto onde estiveram”. A terra está corrompida. Porquê? Porque o sal (mensagem dos pregadores) não salga

OU

Motivos:

Motivos:

→ Os pregadores não pregam a verdadeira doutrina (l. 12); → Os pregadores dizem uma coisa e fazem outra (l. 14); → Os pregadores pregam-se a si mesmos e não a Cristo (ll. 16-17).

Porque a terra (ouvintes) não se deixa salgar

→ Os ouvintes não querem receber a verdadeira doutrina (l. 13); → Os ouvintes querem imitar o que os pregadores fazem e não o que eles dizem (ll. 15-16); → Os ouvintes querem servir os seus apetites em vez de servirem a Cristo (ll. 17-18).

O facto de o sal não salgar é um problema que preocupa António Vieira como já foi preocupação de muitos outros pregadores, incluindo Santo António. Possível solução: O que se há de fazer quando não cumprem as funções? Ao sal

Aos pregadores

Resposta de Cristo

Resposta de Santo António

“Lançá-lo fora como inútil, para que seja pisado de todos.” (ll. 23-24)

Mudar de púlpito (“vai-se às praias, deixa a terra, vai-se ao mar”, l. 43) Mudar de auditório (“Já que não me querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes”, ll. 43-44)

O primeiro parágrafo é todo construído através de uma engenhosa rede de jogos de palavras, onde domina o emprego da conjunção coordenativa disjuntiva “ou” e da conjunção subordinativa causal “porque” sobre a procura das causas que impedem que a terra se deixe salgar. Só aparecendo uma vez, a conjunção coordenativa adversativa “mas” introduz uma clarificação do problema acerca do que foi anteriormente dito. Com vista à “captatio benevolentiae”, o orador socorre-se de vários artifícios. Para atingir a inteligência dos ouvintes, usa argumentos lógicos e sucessivas interrogações retóricas (“[…] qual pode ser a causa desta corrupção?” - l. 10; “Não é tudo isto verdade?”- l. 18). Para atingir o coração do auditório, as interjeições e exclamações são a forma que ele encontrou mais adequada. No segundo parágrafo, a citação evangélica funciona como forma de legitimar os argumentos apresentados. Nas palavras de Cristo, consegue o pregador solução para os maus pregadores. Tal como a citação anteriormente referida, a figura de Santo António também funciona como autoridade, assim como os “outros Santos Doutores da Igreja” (l.50). É de notar a pouca variedade de palavras neste parágrafo e a insistência sistemática da repetição de algumas. Pouco vocabulário à disposição do pregador? Não, sobretudo a intenção de vincar determinadas ideias, no que se refere às culpas que os pregadores têm da terra não se deixar salgar! No terceiro parágrafo, tal como acontece ao longo do sermão, Vieira assume o estatuto de narrador, legando para segundo plano o de pregador. Santo António assume um lugar especial. Todo o texto é um panegírico em torno da sua figura. Aproveitando o facto de ter dificuldade em comunicar com os homens, Vieira decide, tal como fizera Santo António, pregar aos peixes. Segundo se conta, na cidade de Arimino, ou Rimini, existiam muitos hereges. Certo dia, na foz do rio Marecchia, Santo António resolve pregar aos peixes, já que os homens não lhe davam atenção. É com a convicção de que “nas festas dos Santos, é melhor pregar como eles que pregar deles” (ll. 52-53) que Vieira veste a roupagem de Santo António e, à semelhança deste, se dirige aos peixes, uma vez que os homens do Maranhão fechavam os ouvidos à doutrina: “O fruto que tenho colhido desta doutrina, e se a terra tem tomado o sal, ou se tem tomado dele, vós o sabeis, e eu por vós o sinto” (ll. 58-60). De uma forma irónica, incita todos aqueles que não querem ouvir a verdade a abandonar o sermão, “pois não é para eles” (l. 63). Termina o exórdio com uma invocação (“divinii auxilii imploratio”) a Maria “Domina Maris”– Senhora do mar (l. 64).

Capítulo II (Louvores em geral) Neste capítulo, serão criticados os homens por analogia com os peixes, como está expresso nesta passagem irónica: “Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam” (ll. 2-3). Através desta afirmação, depreende-se, desde logo, que os homens falam muito e não ouvem os bons conselhos do pregador. Neste capítulo, o orador pretende, assim, repreender os vícios dos homens, os quais são opostos às virtudes dos peixes. Falando com os “irmãos peixes”, o pregador indica a função do sal e do sermão, sendo a partir desse paralelismo metafórico que se irá desenvolver todo o sermão: propriedades do sal: “conservar o são e preservá-lo, para que se não corrompa” (ll. 11-13). propriedades do sermão: - “louvar o bem”/são/qualidades (l. 15) para que permaneça frutificado; - “repreender o mal”/não-são /os defeitos (ll. 15-16) para que desapareça. Divisão do sermão em duas partes: 1.ª Louvar os peixes em geral (capítulo II) e em particular (capítulo III); 2.ª Repreender os peixes em geral (capítulo IV) e em particular (capítulo V). Louvor das virtudes, em geral: → foram os primeiros animais criados por Deus, os primeiros nomeados, são os animais mais numerosos e com maiores dimensões; → são ordeiros, tranquilos e ouviram com atenção e devoção a mensagem de Santo António, contrariamente aos homens que a desprezaram «tão furiosos e obstinados». → os peixes não se domam nem se domesticam e vivem retirados do convívio com os humanos, facto que revela a sua sensatez, pois são independentes e livres: «Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles, Deus vos livre!”. A partir do capítulo II, até ao final do Sermão, todo o texto é uma alegoria. Os peixes são a metáfora dos Homens, as suas virtudes são, por contraste, a metáfora dos defeitos dos Homens e os vícios são diretamente a metáfora dos vícios destes. O pregador fala aos peixes, mas quem o escuta são os Homens, os colonos do Maranhão.

Capítulo III – Louvores em particular Este capítulo é, igualmente, de louvor aos peixes, mas de caráter particular. Padre António Vieira alude a alguns peixes virtuosos, utilizando quatro deles para mostrar a relação entre o homem e o divino. Peixe de Tobias Começa por aquele que investiu contra Tobias, o Santo Peixe de Tobias (l. 4). Aconselhado pelo Anjo São Rafael, Tobias arrastou-o para terra, abriu-lhe as entranhas e guardou o fel (que curaria a cegueira do pai) e o coração (que expulsaria os demónios). → Cura a cegueira - "[...] sendo o pai de Tobias cego, aplicando-lhe o filho aos olhos um pequeno do fel, cobrou inteiramente a vista" (l.15); → Expulsa os demónios - "[...] tendo um demónio chamado Asmodeu morto sete maridos a Sara, casou com ela o mesmo Tobias; e queimando na casa parte do coração, fugiu dali o demónio e nunca mais tornou" (ll.15-17). Na sequência desta narrativa, vem a de Santo António que, tal como este peixe, também tinha o poder de curar a cegueira aos hereges e de afastar os maus espíritos. É interessante a comparação e, ao mesmo tempo, a imagem que nos é apresentada no excerto “Certo que se a este peixe o vestiram de burel e o atarem com uma corda, parecia um retrato marítimo de Santo António”- (ll.20-21). Encadeada nestas duas narrativas, aparece uma narrativa um pouco diferente, pois Vieira fala de si. À semelhança dos anteriores (Peixe de Tobias e Santo António), também ele (Vieira) possui esse poder e os homens também fogem dele com medo de serem “comidos” pela verdade.

Num perfeito encadeamento, Vieira chega ao ponto que pretende: a crítica aos homens do Maranhão e à sua malvadez contra o Índio, a razão do seu “sal” não “salgar”. Posteriormente, de uma forma irónica, retoma a alegoria, dizendo: “Mas ah, sim, que me não lembrava! Eu não vos prego a vós, prego aos peixes.” (ll. 30-31). Note-se que o pronome “eu” (l.29), as formas do imperativo “Abri, abri […] vede, vede”” (l. 30) e os demonstrativos “estas” (l. 30) e “este” (l.30) remetem para o pregador. Este peixe simboliza, assim, o poder purificador da palavra de Deus. Rémora O peixe que se segue é a Rémora, no qual podemos notar um contraste entre o seu pequeno corpo e a enorme força que possui, capaz de impedir uma nau de seguir o seu caminho. a) Desejo: “Oh! Se houvera uma Rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo!” (ll. 8-10). b) Hipótese: “Se alguma Rémora houve na terra, foi a língua de Santo António […]” (ll. 10-11). c) Conclusão do autor: “a virtude da Rémora […] é freio da Nau e leme do leme” (ll. 16-17). Leme do leme: metáfora da metáfora. Assim se sobe na construção da alegoria: o livre-arbítrio é o leme da natureza humana e a razão é o guia da vontade. Sempre? Não: os furores da vontade nem sempre obedecem à razão, até contra esta se rebelam. Ponto de chegada - simbiose da realidade com a ficção: a língua de Santo António refreará e orientará aqueles furores da vontade, porque é “freio” e “leme” de várias ”naus” (ll. 22, 27, 31, 35). Simboliza o poder da palavra do pregador – guia das almas. Torpedo O terceiro peixe é o Torpedo que, através de um aparelho que possui, gera eletricidade e faz tremer a mão de quem o está a pescar. Simboliza o poder da palavra de Deus de fazer “tremer” os pecadores que pescam na terra tudo quanto encontram. É interessante a forma como este fenómeno está descrito. Verifica-se uma gradação descendente, do pescador para o peixe, e depois ascendente, do peixe para o pescador. Passando à crítica, Vieira refere: “quem dera aos pescadores do nosso elemento, ou quem lhe pusera essa qualidade tremente, em tudo o que pescam na terra!” (ll. 8-9). Note-se a antítese em “Tanto pescar e tão pouco tremer?” (l. 11). Descontente com a situação, introduz uma pergunta retórica: “[…] onde há mais pescadores, e mais modos, e traças, e traças de pescar, se no mar, ou na terra? E é certo que na terra”. Objetos de pesca no mar Cana

Objetos de pesca em terra Varas, ginetas, bengalas, bastões, cetros (ll. 11-12)

De notar que, nos objetos de pesca na terra, existe uma gradação que vai da simples vara aos bastões e cetros (símbolos da alta nobreza) e todos pescam. De seguida, nova narrativa de Santo António que, quando pregava um sermão, fez tremer vinte e dois pescadores (da terra) e “[…] todos tremendo se lançaram a seus pés, todos tremendo confessaram os seus furtos, todos tremendo restituíram o que podiam […].”. Veja-se a repetição do verbo “tremer”, que intensifica o arrependimento daqueles homens, e o paralelismo anafórico “todos tremendo”, que volta a intensificar essa ideia. Vieira, à semelhança do Torpedo, quer convencer/fazer “tremer” os colonos que tanto “pescam” os e aos Índios.

Quatro-Olhos (peixe das costas do Brasil) O último peixe a ser louvado é o Quatro-Olhos, acerca do qual Vieira “quis averiguar ocularmente a razão deste nome” (ll. 21-22) e, na realidade, possuía quatro olhos. Vieira lamenta que, no mar, exista um peixe que possua tantos instrumentos de visão e, na terra, existam tantos homens que sofram de cegueira. É uma cegueira metafórica, dado que ele se refere àqueles que não querem ver os erros que cometem. Este pequeno peixe que possui um par de olhos virados diretamente para cima (defesa dos inimigos do ar, como as aves) e outro diretamente para baixo (defesa dos peixes), acabou por se tornar em pregador de Vieira, ensinando- o a olhar para cima (céu) e para baixo (inferno). Representa, pois, a capacidade de distinguir o bem do mal (céu/inferno). Simboliza o dever dos cristãos de tirar os olhos da vaidade terrena, olhando para o céu, sem esquecer o inferno. SÍNTESE O pregador pretende condenar os homens que possuem vícios opostos às virtudes dos peixes. O peixe de Tobias A Rémora O Torpedo O Quatro-olhos Efeitos Sarou a cegueira do pai de Pega-se ao leme de uma Faz tremer o braço do Defende-se dos peixes; Tobias; nau; pescador; Defende-se das aves. Lançou fora os demónios. Prende a nau e amarra-a. Não permite pescar. Comparação com Santo António Alumiava e curava a “cegueira” dos ouvintes; Lançava os demónios fora de casa.

A sua língua domou “a fúria das paixões humanas”.

22 pescadores tremeram ouvindo as suas palavras e converteram-se.

O peixe ensinou o pregador (Padre António Vieira) a olhar para o Céu e para o Inferno.

CAPÍTULO IV – Repreensões aos peixes em geral 1. Ictiofagia – o ato de os peixes se comerem a si próprios (“A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros”- l.3). De seguida, Vieira passa da ictiofagia para a verificação/acusação da antropofagia social (“muito mais se comem os Brancos! – l.13). Note-se: → os peixes aqui são peixes-homens, homens que andavam pelos mares, cujo périplo era Portugal-Brasil- Portugal; → os portugueses com responsabilidades políticas que foram enviados para o Brasil destruíram o Estado, em vez de o governarem e aumentarem (“fartaram/fartavam a fome”, que traziam de Portugal, “comendo e devorando” os naturais do Brasil); → quando chegavam a Portugal, os portugueses importantes no Brasil eram devorados por outros portugueses ainda mais importantes. Daí o aviso: “Guarde-se o peixe que persegue o mais fraco para o comer, não se ache na boca do mais forte, que o engula a ele.”. Fármaco contra a ictiofagia/antropofagia O pregador aconselha-os a zelarem pelo bem comum, ou seja, deixarem de se devorar uns aos outros (“[…] importa que daqui por diante sejais mais Repúblicos e zelosos do bem comum.”).

2.

Cegueira e Vaidade “Outra cousa muito geral, que não tanto me desedifica, quanto me lastima em muitos de vós, é aquela tão notável ignorância e cegueira que em todas as viagens experimentam os que navegam para estas partes.” (ll.25-26). Embusteados por um retalho de pano, os peixes morrem e os homens matam-se. Os homens são “pescados” pelo pescador-vaidade. (De Portugal chegavam ao Maranhão panos de fraca qualidade que eram vendidos a preços altíssimos. Os moradores, ignorantes e cegos, porque dominados pela vaidade, endividavam-se para os adquirir.) Pelos argumentos apresentados, Padre António Vieira critica os comportamentos, censura a prepotência dos grandes e critica os homens ambiciosos, vaidosos, hipócritas e traidores. O grande defeito dos peixes é o de se comerem uns aos outros e, principalmente, de os grandes comerem os mais pequenos. → Voracidade Padre António Vieira acusa os peixes de se comerem uns aos outros, recorrendo a um exemplo dos homens para explicar o que eles faziam. Assim, os homens praticam antropofagia social, ou seja, exploram-se uns aos outros. O orador faz uma comparação entre a antropofagia ritual dos Tapuias (índios brasileiros) e a antropofagia social dos homens, considerando esta última mais grave do que a anterior, porque muitas vezes procuram tanto a exploração que nem os mortos escapam. O mais grave de tudo é que são os grandes que comem os pequenos, ou seja, são precisos muitos pequenos para alimentar um grande. Acusa-os, igualmente, de cegueira, vaidade e de terem maldade. Estas repreensões são feitas com o objetivo de mudar os homens, ou, pelo menos, fazê-los pensar, mesmo que não haja uma mudança rápida. → Ignorância e cegueira (pescados pelo anzol, atraídos pelo retalho de pano – paralelismo com os homens, que se deixam morrer engodados pela bandeira); → Vaidade (remetendo para o tráfico de panos no Maranhão). O pregador salienta que Santo António nunca praticou antropofagia social, tendo trocado a riqueza pela simplicidade. Santo António abandonou luxos e “pescou” muitos homens com uma “corda” e um “pano de burel”.

CAPÍTULO V – Repreensões aos peixes em particular Neste capítulo, o pregador prossegue a crítica aos peixes (e aos homens), descendo, agora, ao particular. Padre António Vieira usa quatro exemplos de peixes que se referem a tipos comportamentais distintos. Os roncadores Roncar, quanto ao peixe, é mesmo uma referência ao ruído que produz. Figuradamente, significa fazer alarde, isto é, falar ou agir com estrondo, ostentação e aparato; atitude daqueles que gostam de se gabar, de se pavonear, daqueles que são arrogantes. Deus também tem um repúdio especial pelos roncadores. Tomando o estatuto de narrador, Vieira exemplifica com dois excertos bíblicos: Exemplo São Pedro

Golias

O que diziam O que faziam “Tinha roncado e barbateado Pedro “ […] bastou a voz de uma que, se todos fraqueassem, só ele mulherzinha para o fazer havia de ser constante até morrer, se tremer e negar.” (ll.16-17) fosse necessário.” (ll.14-15) “Bastou um pastorzinho com um cajado, e uma “[…]era a ronca dos Filisteus.” (l.31) funda, para dar com ele em terra.” (ll. 34-35)

Conclusão “O muito roncar antes da ocasião, é sinal de dormir nela” (ll.23-24) “Os arrogantes e soberbos tomam-se como Deus; e quem se toma como Deus, sempre fica debaixo.” (ll. 35- 36

O que torna os homens roncadores? (l. 38) → saber; → o poder. Vieira exemplifica: “Caifás roncava de saber: Vós não sabeis coisa alguma.” (ll. 38-39) e “Pilatos roncava de poder: Não sabes que tenho poder?” (ll. 39-40) Contrariamente a Caifás e Pilatos, Santo António detinha o poder e a sabedoria e, calado, deu muito que falar. Estamos perante um paralelismo antitético. Padre António Vieira aconselha todos os roncadores a imitarem Santo António que tinha saber e poder. Aquilo que transforma os homens em roncadores é o saber e o poder, porque ambos “incham” e os tornam arrogantes. Porque calou, Santo António deu tanto que falar de si (“E porque tanto calou, por isso deu tamanho brado.” – l. 43). Os pegadores Os pegadores são peixes pequenos que se pegam aos costados de outros maiores, sem os largarem, porque vivem deles. Este vício aprenderam-no, certamente, com os portugueses, pois os governadores que iam para o Brasil levavam sempre os seus pegadores (“[…] porque não parte vice-rei ou governador para as Conquistas, que não vá rodeado de pegadores, os quais se arrimam a eles, para que cá lhe matem a fome, de que lá não tinham remédio.” – ll.55-57). De entre eles, os menos ignorantes desprendem-se e conseguem outra ocupação. Assim, a ronha, um defeito humano, estendeu-se e pegou-se a certos peixes. Por ronha, entenda-se malícia, ma...


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