2018 0513 Alvim e Bernardim PDF

Title 2018 0513 Alvim e Bernardim
Author Catarina Ribeiro
Course Direito
Institution Universidade de Lisboa
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Summary

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA ANO LECTIVO 2017/2018 DIREITO PENAL II – SUBTURMA 15 Resolução de Caso Prático – Proposta(1) Hipótese ALVIM, que morava num bairro perigoso, havia já sido assaltado várias vezes. Adquirira, por isso, um spray altamente tóxico com que pretendia defender-...


Description

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA ANO LECTIVO 2017/2018 DIREITO PENAL II – SUBTURMA 15

Resolução de Caso Prático – Proposta(1)

Hipótese

ALVIM, que morava num bairro perigoso, havia já sido assaltado várias vezes. Adquirira, por isso, um spray altamente tóxico com que pretendia defender-se caso algum ladrão voltasse a importuná-lo. Certa noite, quando ALVIM caminhava de regresso a casa, saltou-lhe ao caminho um vulto saído de uma esquina mal iluminada. Tratava-se de BERNARDIM, um sem-abrigo, que pretendia apenas pedir a ALVIM que lhe desse algum dinheiro. Julgando que ia ser novamente assaltado, ALVIM tirou do bolso o spray e pulverizou-o directamente para os olhos de BERNARDIM, que perdeu a visão e ficou desorientado, aturdido pelas dores intensas. ALVIM, então, desferiu-lhe vários socos e pontapés, terminando por empurrar BERNARDIM contra um carro estacionado. Em consequência do embate, o alarme do carro disparou, assustando CRISPIM, ladrão de automóveis que, dois quarteirões mais abaixo, estava prestes a arrombar um carro alheio: temendo que a polícia pudesse aparecer, CRISPIM escondeu a gazua no casaco e desistiu do seu propósito. Entretanto, ALVIM afastou-se rapidamente a caminho de casa. BERNARDIM, que ficara definitivamente cego, ergueu-se com dificuldade e cambaleou durante uns instantes sem saber por onde ia. Encontrava-se no meio da estrada quando as forças lhe faltaram e perdeu os sentidos. Segundos depois, foi atropelado por um carro, conduzido por DELFIM. Este tinha visto BERNARDIM caído na estrada, mas, por vir em excesso de velocidade, não conseguira travar a tempo de evitar o acidente. Dada a intensidade da colisão, DELFIM achou que o mais provável seria que BERNARDIM tivesse morrido; apreensivo, acelerou e abandonou o local.

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O presente documento contém uma mera proposta de resolução da hipótese, e não dispensa a frequência às aulas teóricas e a consulta dos manuais de referência.

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BERNARDIM, contudo, estava ainda vivo, apesar de gravemente ferido. Viria a morrer ao fim de uma hora. Apurou-se que a morte fora consequência do atropelamento, mas que BERNARDIM teria sobrevivido se tivesse sido prontamente transportado ao hospital mais próximo. Aprecie a responsabilidade jurídico-penal de ALVIM e DELFIM.

De acordo com os dados fornecidos pela hipótese, a actuação de A obriga-nos a analisar a sua responsabilidade penal no que concerne a três tipos de crime diferentes: homicídio por acção (artigo 131.º do Código Penal) – pulverizou o spray para a cara de B, e este acabou por morrer; ou por omissão (artigos 131.º e 10.º do Código Penal) – por ter deixado B naquele estado, na rua; ofensa à integridade física grave (artigo 144.º, alínea b) do Código Penal) – pulverizou o spray, causando a cegueira de B; ofensa à integridade física simples (artigo 143.º do Código Penal) – pelos socos e pontapés que lhe desferiu. No que se refere ao tipo de homicídio, justifica-se a sua análise uma vez que, apesar de B ter morrido, aparentemente, “em consequência do atropelamento por Delfim”, observa-se ainda um nexo causal entre essa morte e os comportamentos iniciais de A. Assim, no que concerne ao homicídio por acção, alegadamente provocado pela conduta inicial de A, impõe-se reflectir acerca da adequação de tal atitude a produzir a morte de B. Este juízo de adequação assenta num critério de previsibilidade, integrado por uma ideia de concretização do risco proibido no resultado típico verificado. A este propósito, afigura-se inequívoco que, por um lado, a ocorrência da morte de B, na sequência de um atropelamento seguido de abandono, não seria previsível para A. Acresce ainda que, conforme se infere dos dados fornecidos, a causa da morte de B terá sido o atropelamento. Nestes termos, o risco inicialmente criado por A não se concretizou no resultado típico. Aludindo por ora à possibilidade de imputar a A um crime comissivo por omissão (artigos 131.º e 10.º do Código Penal), visto que o agente se afastou, deixando B gravemente ferido e desorientado, impõe-se reiterar a argumentação supra exposta. Também neste cenário haverá que excluir a imputação objectiva do resultado à conduta, com recurso à ideia 2

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de interrupção do exo causal. Segundo os elementos disponibilizados, a morte de B terá ocorrido na sequência do atropelamento, por D, representando uma consequência não previsível da conduta de A. Aqui chegados, cumpre indagar da eventual responsabilidade de A nos termos do artigo 200.º do Código Penal. No caso em análise, acha-se preenchida a previsão do número 2 do preceito indicado, considerando que tinha sido A a criar a situação de perigo para a vida ou integridade física de B. Admitindo-se, como parece ser o caso, que a acção devida teria diminuído o risco de produção do resultado típico, não haveria problemas ao nível da imputação objectiva. Neste ponto, diremos então que A praticou um crime de omissão de auxílio, tal como previsto no artigo 200.º, número 2 do Código Penal. Focando-nos na previsão do artigo 144.º do Código Penal, relativo à ofensa à integridade física qualificada, diremos que a pulverização do spray directamente para os olhos de B realizou a conduta descrita no tipo. Paralelamente, poderemos afirmar que A actuou com dolo directo (artigo 14.º. número 1 do Código). De facto, A representou e quis lesar a integridade física de B, ainda que por pensar que estava a ser atacado. Debruçando-nos agora sobre o pressuposto de ilicitude, relevante será relembrar que A só agiu daquela forma porque estava convicto de que seria assaltado e, como tal, julga-se a agir em legítima defesa, nos termos do artigo 32.º do Código Penal. No entanto, diz-nos a hipótese que não havia qualquer agressão, já que B ia apenas pedir-lhe algum dinheiro. Para além disso, e mesmo que objectivamente estivéssemos perante um cenário de legítima defesa, A teria usado de excesso extensivo (2), persistindo na conduta mesmo depois de o alegado agressor ter cessado o ataque. Sabendo nós que havia excesso, importa indagar se esse excesso seria consciente ou inconsciente, de acordo com o contexto em que ocorreu. Segundo o texto do caso, não parece que a circunstância de A já ter sido assaltado três vezes nos permita concluir que, aqui, ao

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Admite-se ainda a classificação deste excesso como intensivo, perante argumentação de que o meio utlizado não seria o meio menos gravoso para repelir a putativa agressão.

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insistir em desferir os golpes em B, estaria acometido por qualquer perturbação, medo ou susto. Daqui se retira, então, que o excesso é consciente, e não motivado pelo erro. Assim sendo, justifica-se que se aplique o regime do artigo 33.º, número 1 do Código Penal, relativo ao excesso, ainda que por analogia. De facto, este preceito supõe, tal como se encontra redigido, que se observem os pressupostos do artigo 32.º do Código Penal, o que, nos casos de erro, não acontece. Diremos então que A será punido por ofensa à integridade física dolosa podendo a pena ser especialmente atenuada (artigo 33.º, número 1 do Código Penal, por analogia). Relativamente à posterior ofensa à integridade física simples (artigo 143.º do Código Penal), que consubstancia o excesso extensivo de legítima defesa, não se suscitam quaisquer obstáculos em termos de imputação objectiva. Da mesma forma, dir-se-á que A actuou com dolo directo (artigo 14.º, número 1 do Código Penal), representando e querendo a lesão daquele bem jurídico. Paralelamente, a circunstância de o barulho do alarme ter evitado a consumação do assalto perpetrado por C não é suficiente para afirmar que se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do direito de necessidade (artigo 34.º do Código Penal). Com efeito, logo no plano dos elementos objectivos, observa-se uma manifesta desnecessidade do meio. Concomitantemente, sempre falharia o preenchimento da alínea b) do artigo 34.º. do Código Penal. Consequentemente, não se afigura relevante examinar a questão da necessidade dos elementos subjectivos de uma causa de justificação, com recurso ao disposto no artigo 38.º, número 4 do Código Penal. Como tal, o comportamento de A não se encontra justificado. No que respeita à actuação de D, poderemos reconduzi-la a um único tipo de crime, o homicídio (artigo 131.º do Código Penal). Contudo, a situação descrita sugere a possibilidade de se tratar de um homicídio por acção – D terá causado a morte de B através do atropelamento; ou por omissão – D terá causado a morte de B por não ter conseguido travar. Centrando-nos nas condutas activas, verificámos anteriormente a existência de um comportamento humano voluntário. Em termos de tipicidade, a morte observada era 4

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objectivamente previsível do ponto de vista do agente, concretizando o risco proibido inicialmente criado pelo agente. De um ponto de vista subjectivo, o homicídio por omissão parece ter sido perpetrado negligentemente. Efectivamente, apesar de D ter representado que ia atropelar B, não conseguiu travar o veículo a tempo de evitar a colisão. Por esse motivo, concluiremos que o agente não se conformou com a realização do facto típico, tendo actuado com negligência consciente (artigo 15.º, alínea a) do Código Penal). Tratar-se, assim, de um homicídio negligente (artigo 137.º do Código Penal). Relativamente à ilicitude, não se afirmam causas de justificação do facto. D praticou, assim, um homicídio negligente. Quanto à possibilidade de imputar a D a prática de um homicídio por omissão (artigos 131.º e 10.º do Código Penal), impõe-se verificar se existia um dever jurídico que pessoalmente obrigasse o agente a evitar o resultado. Isto é, se D detinha uma posição de garante face à vida de B. De acordo com o descrito, estamos perante um caso de ingerência, visto que D criou perigo par a vida de B através de uma intervenção ilícita na sua esfera jurídica – o atropelamento. Nesta sede, afirmar-se-á o nexo de imputação objectiva caso se conclua, com elevada probabilidade, que a acção devida teria minorado o risco para o bem jurídico em causa. Na situação em análise, tal exigência encontra-se verificada, já que se demonstrou, posteriormente, que a acção devida seria suficiente para evitar o resultado(3). Sobre a tipicidade subjectiva, diremos estar em causa uma situação de dolo eventual (artigo 14.º, número 3 do Código Penal), visto que o elemento cognitivo se encontra plenamente concretizado – D representou a hipótese de B estar morto, e mesmo assim nada fez. No que respeita ao elemento volitivo, revela-se exacerbado afirmar que D quer ou deseja a morte de B, e por isso não o socorre. Ainda assim, tendo D configurado a possibilidade de

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Neste ponto, poder-se-ia discutir a divergência doutrinária existente acerca do nível de probabilidade exigido para a imputação do resultado típico nos casos de omissão. Todavia, uma vez que o enunciado afirma que “Bernardim teria sobrevivido se tivesse sido prontamente transportado ao hospital mais próximo” a análise deste ponto não seria determinante.

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B precisar de ajuda e decidido prosseguir a sua vida, é nítido que o agente coloca os seus interesses à frente dos de B, sobrevalorizando-os. Para além disso, o agente não toma qualquer tipo de precauções para evitar o resultado e o grau de probabilidade da lesão revelase bastante elevado, desde logo se pensarmos que D conduzia em excesso de velocidade. Sumariamente, estamos perante um caso de homicídio por acção negligente (artigo 137.º do Código Penal) e um homicídio por omissão doloso (artigos 131.º e 10.º do Código Penal). Observa-se, assim, uma relação de subsidiariedade entre estes crimes, determinando a punibilidade a título de homicídio doloso por omissão, porque mais grave. Deste modo, a pena de D poderá ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 10.º, número 3 do Código Penal.

Mafalda Moura Melim – Maio 2018.

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