Análise da propaganda das Sandálias Havaianas PDF

Title Análise da propaganda das Sandálias Havaianas
Author July Anapova
Course Comunicação Visual
Institution Universidade Bandeirante de São Paulo
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Summary

análise e interpretação da propaganda de sandálias como exemplo de campanha de comunicação visual...


Description

Análise da propaganda das Sandálias Havaianas

Análise de uma propaganda das sandálias Havaianas, transmitida pela televisão no ano de 2009, com base em alguns teóricos da Análise do Discurso. Essa propaganda criou polêmica com o público e foi retirada do ar, sendo substituída por outra que continha uma “justificativa” para a “censura”. Objetiva-se depreender os discursos gerados na conversa entre as protagonistas da campanha publicitária: uma avó e sua neta. Mais especificamente, pretende-se explicitar os papéis desempenhados pelas duas personagens – representantes de duas gerações diferenciadas e, como consequência, os valores surpreendentes difundidos por meio de suas falas. A fim de desenvolver os objetivos apresentados, os conceitos bakhtinianos serão ressaltados, assim como as definições apresentadas por outro pensador da mesma linha teórica, tais como Michel Pêcheux. Considerando tanto os elementos verbais quanto os não-verbais, pois o objeto escolhido é um recurso audiovisual. A Campanha Publicitária Torna-se imprescindível, dessa maneira, considerar que o desenvolvimento da interação entre sujeitos é repleto de “ecos”, ou seja, ditos e não-ditos que vagueiam pelos discursos. Cada palavra tem, assim, o poder de carregar em si significados outros que não o previsto pelo locutor enunciativo. Temos então uma arena em que a palavra/texto dá forma a ideologias e essas perfazem todo o ambiente de disputas. Essa construção de sentidos a partir de outros e a partir de certas conjecturas será tópico essencial para o trabalho em questão. Como já dito, o objeto de estudo diz respeito a duas campanhas publicitárias das sandálias Havaianas transmitidas na televisão em 2009. A fim de facilitar a análise nas próximas seções, exporemos agora a transcrição do diálogo oral realizado pelas protagonistas: Avó: - Eu não acredito que você veio pro restaurante de chinelo. Neta: - Deixa de ser atrasada, né vó! Isso não é chinelo, é havaianas, oh, Havaianas Fit. Dá pra usar em qualquer lugar. Avó: - Que é bonitinha, é. (Cauã Reymond aparece e diz para quem o atendeu: “Boa tarde, tudo

bem?”) Neta: - Olha lá, vó! Avó: - É aquele menino da televisão! Você tinha que arrumar um rapaz assim pra você. Neta: - Ah, mas deve ser muito chato casar com famoso, né? Avó: - Mas quem falou em casamento? Eu tô falando de sexo. Neta: - Vó! Avó: - E depois eu é que sou atrasada?!

A campanha publicitária acabou censurada e, no lugar dela, uma nova foi transmitida: a mesma avó aparece alegando que houve reclamações de algumas pessoas e, por isso, a empresa responsável pela venda das sandálias Havaianas decidiu retirar do ar o comercial anterior. No entanto, ela acrescenta, alguns adoraram tal propaganda e, por conseguinte, ela foi mantida na internet. É imprescindível observar os papéis desempenhados pelas personagens do comercial, pois esse aparece num momento em que ainda se tem, no Brasil, uma concepção mais ortodoxa e conservadora em relação às pessoas idosas e, simultaneamente, uma perspectiva mais liberal no que concerne aos jovens. Essas ideologias, ainda vigentes no país, estabelecem uma relação dialógica com a propaganda analisada. “Havaianas. Todo Mundo usa. Recuse Imitações.” O slogan feito título desta seção criou raízes na memória discursiva da população brasileira devido ao reconhecimento que a mercadoria anunciada ganhou com o passar dos anos. No início, esse reconhecimento era provavelmente justificado pela qualidade das sandálias, pois vídeos de propagandas antigas – também encontrados no site youtube ressaltam que as havaianas não tinham cheiro e não soltavam as tiras. Hoje, o comercial do produto trabalha mais com a marca em si: a pessoa é incentivada a comprar havaianas e não outras, tidas como “imitação”. Tem ocorrido uma mudança de valor no que diz respeito às mercadorias atuais: agora, é crucial que a propaganda veicule uma boa imagem do produto/marca.

Na campanha publicitária, pouco se fala acerca do produto; o único comentário direto é feito por apenas uma das personagens, a avó, que diz “Que é bonitinha, é” sobre o novo modelo. Assim, há alguma menção sobre a beleza das sandálias, mas as antigas características que as diferenciavam de outras marcas não são nem mencionadas. Os principais argumentos, responsáveis por convencer o telespectador, são ditos pela outra protagonista, a neta: “Isso não é chinelo, é havaianas, oh, Havaianas Fit, dá para usar em qualquer lugar”. Ou seja, se ela diz que não é chinelo, houve uma hipervalorizarão das Havaianas, logo seria possível usar o calçado em qualquer ambiente. Nesse contexto, o slogan é interessante porque “todo mundo usa” não é um fato; afinal de contas, nenhuma pesquisa foi feita para se comprovar isso. Tal afirmação configura-se como um argumento utilizado para convencer o telespectador: se todos usam, independentemente da classe social à qual se pertence e do local onde se está, ninguém deveria rejeitar essa moda. Concluímos, então, que há uma tentativa de persuadir os consumidores de que todos podem ter acesso ao produto, independentemente da renda de cada um. Nesse instante, o conceito bakhtiniano de ideologia começa a aparecer: a sociedade brasileira preza muito pelo “estar de acordo com a moda” – um valor estabelecido socialmente. Papéis A propaganda é muito significativa para se fazer uma discussão acerca de desempenho de papéis, especialmente se estamos comparando gerações diferenciadas. Podemos considerar a avó como uma representante das pessoas mais idosas e a neta representante da juventude como um todo. Temos ainda um diálogo (em seu conceito mais corrente) entre as protagonistas, o que facilita a identificação de tomadas de turno, fim de um enunciado e início do outro, alternância de sujeitos. Portanto, a cada momento que uma delas para de falar, temos um novo dizer, sob o ponto de vista de outro sujeito. Considerando essas condições, temos no princípio um comentário conservador por parte da senhora: ela faz uma reclamação devido ao fato de a neta estar usando “chinelo” no restaurante. Essa atitude é, frequentemente, esperada de pessoas dessa idade, que foram acostumadas a sair muito bem arrumadas. No comercial, por exemplo, a personagem mais velha usa uma roupa sofisticada e séria – por causa da cor escura - salto alto, colar de pérolas. O traje elegante parece mais

adequado ao local onde elas se encontram, pois é possível ver que o restaurante é de bom gosto: não há copos sobre as mesas e sim taças, além de um arranjo floral e, por isso, delicado e sutil; o guardanapo é de pano e não de papel; as cadeiras são maiores e parecem confortáveis; o garçom usa camisa e gravata; o ator Cauã Reymond frequenta o restaurante e usa, na ocasião, uma camisa gola polo, e não uma simples camiseta, por exemplo. A jovem, por sua vez, veste uma roupa colorida e descontraída, afora as Havaianas. Ela responde à crítica feita pela avó, chamando-a antiquada em “Deixa de ser atrasada, né vó!”. Essa rotulação é feita de forma implícita, pois o verbo “deixa” pressupõe que, para a menina, a mulher de idade avançada tem a característica. Até esse momento, o comercial evolui normalmente, sem causar surpresa. Porém, a chegada do ator de novelas Cauã Reymond provoca uma sequência de diálogo responsável pela quebra de expectativa. É exatamente essa quebra o aspecto mais chamativo e talvez o “culpado” pela censura. É interessante, antes de tudo, observar um detalhe: a senhora não se lembra do nome do artista – o chama de “menino” -, esquecimento típico nessa idade. Essa visão nos conduz à definição de formação discursiva, proposta por Michel Pêcheux. Em relação à personagem citada, podemos depreender muitas formações discursivas na nossa sociedade: a da saúde (idoso é esquecido, fica doente facilmente, tem dificuldade de locomoção), ado comércio (idoso necessita de muitos remédios), da família (idoso exige tempo, cuidados e despesas), do trabalho (idoso não tem mais capacidade para trabalhar), da beleza (idoso perdeu a beleza ao envelhecer), da moral (idoso é moralista, conservador), e muitas outras. É Cada uma dessas Formações Discursivas traz consigo uma formação ideológica: pessoas mais velhas são um fardo para a família e para a sociedade, não têm mais “serventia” em relação ao aspecto econômico e não acompanham as mudanças sociais. Além disso, cada um desses pontos de vista constitui uma voz nesse discurso, o que estabelece a polifonia, conceito bakhtiniano. É necessário afirmar também que, em geral, ao vermos a imagem de alguém mais senil, nós nos remetemos a todas aquelas formações discursivas. Isso ocorre porque estamos inseridos num contexto que propicia tais ideologias. Os valores possuídos pela sociedade brasileira, infelizmente, mostram que o idoso não tem tanto valor para os outros, é desrespeitado, abandonado e às vezes sofre maus tratos.

A Censura

Provavelmente, o aspecto mais fascinante de toda a análise se trate da recepção da campanha publicitária pelo público. Como já foi dito anteriormente, houve a censura e uma nova propaganda foi transmitida na televisão no lugar da primeira. Nesse contexto, o questionamento central seria: por quê? Pudemos observar que há uma inversão de valores/papéis no que se refere à avó e à neta, personagens representantes de gerações distintas. Foram relatadas aqui as formações discursivas e ideológicas que atravessam os discursos veiculados no comercial. Cada ideologia representaria uma voz social: a voz moral de que pessoas mais velhas têm um comportamento mais recatado; a voz da Igreja Cristã que condena o sexo fora do casamento; a voz da família que teme o aparecimento precoce desse assunto na vida dos filhos e também a voz do erotismo que incentiva uma discussão mais aberta do tema. Todas essas vozes constituem a polifonia, conceito bakhtiniano. Se a empresa responsável pela venda de Havaianas se viu obrigada a retirar o comercial do ar, provavelmente a reclamação do público atingiu uma quantidade significativa. Assim, se houve descontentamento, os valores presentes nas falas da avó e da neta e analisados no decorrer deste trabalho perturbaram uma parte da população. O incômodo da inversão de papéis deve ter sido gerado pelos conteúdos recuperados na memória discursiva, sendo que tais informações estabelecem dialogismo com os discursos presentes na propaganda, refutando-os. As ideologias são criadas na sociedade e “internalizadas” durante o nosso desenvolvimento por causa da interação social, passando a constituir a memória discursiva de cada ser humano. Desta forma, uma parte da população vivenciou um estranhamento ao ver na televisão o assunto “sexo” exposto de maneira tão livre e com tanta naturalidade. Isso ocorreu pelo fato de a memória discursiva ter mostrado que, há alguns anos, esse tema era tabu para ser tratado em qualquer lugar, ainda mais publicamente. Considerando esses apontamentos, é possível perceber que antes havia um interdiscurso: “sexo” é um tópico que não deve ser discutido de maneira tão aberta, principalmente em público e por pessoas idosas. Esse dialoga com a situação explicitada na campanha publicitária, sendo por ela rejeitado devido à ruptura a voz da avó. Portanto, o dialogismo de Mikhail Bakhtin (2006) marca presença nesse momento: as diversas vozes sociais dialogam entre si, resgatando discursos antes

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em voga e indignando uma parcela dos brasileiros. No novo comercial transmitido na televisão, há uma breve reprise do que foi censurado. Não há menção ao motivo, porém o comentário “Eu tô falando de sexo” não é mostrado. Isso indica que deve ser exatamente essa fala a “culpada”. Por outro lado, a avó diz que alguns adoraram a propaganda das Havaianas Fit (sendo que, na verdade, o produto perdeu o posto de centro das atenções) e por isso ela foi mantida na internet. Há uma ironia provocada pelo enunciado “Democrático, né?” já que não deve ter sido um processo democrático, e sim imposto, o banimento da propaganda da televisão. A ressalva de que a campanha publicitária estaria disponível na internet é decisiva no contexto porque na rede digital há, por convenção, mais liberdade e “democracia”, talvez por ser uma criação mais recente. A avó encerra ao dizer “Viu como eu sou moderninha?”, referendando umaimagem que corresponderia a imagem do produto: a mulher idosa demonstra uma imagem moderna (até mesmo por ter no colo um notebook) assim como o produto o faz, por causa da presença da internet na promoção das sandálias Havaianas.

Filme

Avó com Cauã Reymond Havaianas. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=KxgTJMZo8Kg. Havaianas - Vovó pede desculpas (2009). Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=eRajwoZmc1U....


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