Dinâmicas do Biopoder na Saúde Coletiva PDF

Title Dinâmicas do Biopoder na Saúde Coletiva
Author Yasmin Bernardes
Course Abordagens Clínicas e Saúde Coletiva
Institution Universidade do Estado de Minas Gerais
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Artigo sobre biopoder e saúde coletiva...


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Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG Curso de Psicologia/Unidade de Divinópolis Prof. Daniela Viola Disciplina “Abordagens Clínicas e Saúde Coletiva” 7º Período Noturno Yasmin Silva Bernardes

Dinâmicas do Biopoder na Saúde Coletiva

Introdução A consolidação do SUS se deu como fruto de intensos conflitos entre movimentos que buscavam a socialização do cuidado em saúde e uma crescente tendência neoliberal que avançava sobre o mundo durante a última metade do séc. XX. Nesse processo destaca-se o papel do movimento sanitário e seus atores que por meio de alianças políticas tinha como objetivo a democratização da atenção e cuidado em saúde e de outro lado o movimento médico e de outros prestadores de serviço que associado a partidos conservadores contava com a expansão do acesso a saúde para capitalizar a crescente demanda por atendimento. Nota-se, portanto, que apesar de possuírem diferentes objetivos, na pratica ambos os movimentos se articularam em interesses em comum, de um lado visando a universalidade do cuidado em saúde como direito e de outro como produto. A constituinte de 88 ao postular a saúde como um direito universal e um dever do Estado marca a vitória política e legal do movimento sanitário na implementação do SUS. Dessa forma este se dá em consonância com seus interesses, todavia este fato não cessa as tensões entre ambos os movimentos. O fato de o SUS ter se constituído como um texto legal, sua dimensão “de direito”, não pode esgotar o que na experiência concreta se dá como o movimento constituinte e contínuo da reinvenção do próprio SUS (Benevides; Passos, 2005, p. 570). De acordo com Campos A resistência ao SUS deslocou-se da discussão de princípios, em torno de grandes diretrizes, para elementos pragmáticos da implantação do acesso universal a uma rede “integral” de assistência, procurando, contudo, sempre, buscar meios para

atendê-los segundo seus interesses corporativos e valores capitalistas de mercado. (Campos, 2007, p. 1869) O SUS fundou-se tendo por bases algumas diretrizes que marcam sua natureza politica sendo as principais a descentralização do sistema, a gestão participativa e os princípios de equidade e universalidade. Tendo como norteadores estes pontos, pode-se observar que a implantação do SUS marca uma mudança no paradigma biomédico que até então definia os rumos da saúde no Brasil. A nova política pública de saúde implicava ainda uma reforma sanitária. Dependia de realizar-se uma profunda alteração no modo até então vigente para organizar a assistência (Campos, 2007, p. 1871). A universalidade do acesso, a integralidade das ações, a descentralização dos serviços, a relevância pública das ações e dos serviços e a participação da comunidade são as bases coletivas do Sistema Único de Saúde, enquanto efetivação do direito à prestação de bens e serviços que concretizam a saúde como um direito de todos e um dever do Estado (Jungues, 2009, p. 288). Para se ter um quadro mais amplo da formação e da continuidade do SUS é importante então compreender as transformações sofridas pelo próprio conceito de saúde ao longo dos anos, O conceito de saúde está relacionado com o contexto sociocultural onde ele se insere, desta forma ele se modifica acompanhando as transformações políticas, sociais e culturais de uma nação ou de um povo. A modernidade acompanhada da iminente globalização trouxe consigo a necessidade de que o conceito de saúde fosse universal e assim pelo qual se pudesse pautar políticas públicas para além das fronteiras de cada país. Durante muitos anos o conceito de saúde esteve atrelado a noção de doença sendo assim definido enquanto seu oposto. De modo que assim referia-se a saúde enquanto ausência de doença, ou de acordo com Rene Leriche “Saúde é o silêncio dos órgãos”. Este era o conceito que norteava a maior parte das medidas e das demandas de cuidado em saúde até que em 1948 a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu a saúde como o mais completo bem-estar físico, mental e social. Este conceito refletia, de um lado, uma aspiração nascida dos movimentos sociais do pós-guerra: o fim do colonialismo, a ascensão do socialismo (Scliar, 2007, p.9). Considerando o pano de fundo político que orientou transformações no campo da saúde ao longo das últimas décadas fica mais fácil compreender as motivações que culminaram na criação do SUS no Brasil ainda que tardiamente. A elaboração do SUS teve como basilar a responsabilização do Estado e a concepção da saúde enquanto direito de todos os brasileiros. Essa concepção teve consequências políticas, sociais, culturais e até mesmo jurídicas que suscitam questões entre vários campos do conhecimento e da atuação de profissionais desta

área. Conforme essas reflexões de que forma as mudanças no conceito de saúde e o embate de forças que se apresentam no campo da saúde pública afetam a experiência de cuidado de quem busca atendimento no Brasil atualmente?

Biopoder e Saúde Coletiva Conforme as observações feitas acima torna-se evidente a indissociabilidade entre as configurações do cenário político e o tema da saúde pública ou coletiva. Dessa maneira fica explicita a imprescindibilidade de se discutir a própria configuração do poder que determina este cenário. É neste ponto que se evoca a definição do que Foucault chamou de biopoder. Em suas formulações a cerca do poder Foucault descreveu a transição entre as formas de poder soberano, cujo a validação se dava em torno da eliminação daqueles que o desafiavam, e aquelas, conforme definidas por ele, sociedades de controle, onde o poder deve ser exercido mediante a gestão da vida e não mais por meio da ameaça da morte. Desse modo o biopoder se define como “o conjunto dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas características biológicas fundamentais, vai poder entrar numa política, numa estratégia política, numa estratégia geral do poder” (Foucault, 2008 como citado em Furtado, Camilo, 2016, p.36). Segundo Foucault “vivemos num regime em que uma das finalidades da intervenção estatal é o cuidado do corpo, a saúde corporal, a relação entre as doenças e a saúde, etc” (Foucault, 2010 como citado em Furtado, Camilo, 2016, p.36). Assim em consonância com a nova formatação do poder nas sociedades disciplinares a saúde pública ou coletiva funciona como um instrumento do seu exercício. Pode-se então questionar em que ponto a consolidação do SUS trata-se realmente de uma conquista popular, sendo o resultado de um processo de democratização do Brasil ou se de maneira paradoxal o SUS apenas confere ainda mais poder ao Estado, garantindo a este o controle de todos os processos vitais de cada brasileiro e ainda no caso de uma afirmativa a essa possibilidade, dentro do SUS quais as praticas ou medidas que apenas atendem aos interesses do Estado e quais as formas de resistências que se apresentam a estas por meio dos atores sociais que atuam neste cenário.

A saúde mental e a medicalização no SUS Diante dos inúmeros desdobramentos que a temática do biopoder estabelece na saúde coletiva, este artigo tem como foco o cuidado em saúde mental no SUS e como este é afetado pelas transformações no tecido social. Para isto uma breve contextualização histórica pode nos ser útil.

A saúde mental sempre foi alvo de muitos estigmas, tendo sua história sido marcada pela violência da segregação e da lógica manicomial. No Brasil um dos principais exemplos dessa triste realidade pode ser observado no que foi o Hospital Colônia de Barbacena, fundado no ano de 1903 para receber doentes mentais de toda a região, este manicômio foi o cenário de imensuráveis atrocidades, cujo os efeitos não puderam ser apagados até hoje, estima-se que durante seu funcionamento o hospital tenha vitimado cerca de 60 mil pessoas até seu fechamento na década de 80. Tamanha a desumanidade dos acontecimentos que marcaram a historia deste lugar o hospital foi descrito como campo de concentração e este episódio enquanto holocausto brasileiro. Durante os anos 70 o crescente movimento antimanicomial movido pelos ideais de Franco Basaglia levaram a uma reforma psiquiátrica no Brasil. Na década de 1970 e parte de 1980, o movimento da RP desenvolveu o pensamento crítico à institucionalização da loucura. Os conceitos de institucionalismo, poder institucionalizante e instituição total predominavam nos discursos de então. É no final dos anos 1980 que surge a perspectiva de criar serviços que deem início a práticas inovadoras (Amarante; Nunes, 2018, p. 3). O principal objetivo da reforma psiquiátrica está na substituição do hospital psiquiátrico por uma rede de atenção psicossocial (RAPS) cujo principio norteador está no cuidado em liberdade. Dessa forma o SUS por meio de diversos dispositivos vem a acolher os pacientes de saúde mental ofertando como forma de tratamento o cuidado em liberdade. A transição do paradigma manicomial para a possibilidade do cuidado em liberdade não se dá sem alguns entraves. O próprio conceito de saúde mental se vê hoje atravessado por estas dinâmicas de poder que se apresentam no campo da saúde coletiva. Certamente um dos principais desafios para o cuidado em saúde mental no SUS está nos constantes ataques de diferentes frentes politicas que visam o retrocesso do modelo de cuidado em liberdade e o retorno do modelo manicomial. Por outro lado, encontraremos dentro do próprio SUS práticas que apesar de substituírem o modelo manicomial não afastam de fato a lógica de aprisionamento que nele consiste. É neste ponto que surge uma das mais atuais e relevantes problemáticas em saúde mental, a da medicalização. Cabe indicar que, em meados da década de 40, ocorreu a primeira sintetização de um psicofármaco utilizado em tratamentos psiquiátricos. Desde então, a indústria farmacêutica emprega grande quantidade de recursos no estabelecimento de pesquisas na área da psicofarmacologia e, por consequência, investe também no marketing de novas drogas (Silva, 2017, p. 85). A medicalização responde aos interesses tanto do poder estatal que busca controlar os indivíduos por meio desta, quanto aos interesses do mercado que enxerga no adoecimento

mental uma demanda por produtos da indústria farmacêutica. Logo o público-alvo se desloca daqueles que se encontram em um processo de adoecimento legitimo e passa a atingir também aqueles cujo o sofrimento poderia e deveria ser trabalhado por outra perspectiva, tal como o atendimento psicoterapêutico entre outras possiblidades interventivas. O que se vê é o que se pode chamar de patologização da existência cotidiana, na tentativa de criar demanda por produtos que não correspondem as necessidades reais da população.

Considerações finais Com base nestes apontamentos pode-se concluir, em suma, que o cuidado em saúde mental deve ser pensado levando em consideração o embate de forças que tem como campo a saúde coletiva. Os profissionais da área não podem jamais agir de forma acrítica apenas no sentido de atender as demandas que se apresentam, já que estas podem não corresponder as verdadeiras necessidades da população. O tecido social atravessado pelo biopoder produz diferentes subjetividades que agora mais do que nunca se veem influenciadas por outros agentes sociais que até então poderiam passar despercebidos. As crescentes ofertas do mercado de saúde alimentado pelas novas tecnologias desembocam em novas demandas que se confundem com aquilo que de o Estado enquanto responsável pelo direito a saúde deve atender.

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