Jerusalém e os templários PDF

Title Jerusalém e os templários
Author J. Albuquerque Ca...
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Cadernos de Estudos Leirienses – 15 * Dezembro 2017 15 Actas do 2.º Colóquio Internacional “Cister e os Templários” realizado no dia 1 de Outubro de 2016 no auditório da Biblioteca Municipal de Alcobaça seguidas das Actas do III Colóquio da AMA subordinado ao tema “As Misericórdias” realizado no dia...


Description

Cadernos de Estudos Leirienses – 15 * Dezembro 2017

15 Actas do 2.º Colóquio Internacional “Cister e os Templários” realizado no dia 1 de Outubro de 2016 no auditório da Biblioteca Municipal de Alcobaça seguidas das Actas do III Colóquio da AMA subordinado ao tema “As Misericórdias” realizado no dia 23 de Setembro de 2017 no auditório da Biblioteca Municipal de Alcobaça

LEIRIA DEZEMBRO DE 2017

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Cadernos de Estudos Leirienses – 15 * Dezembro 2017

Título: CADERNOS DE ESTUDOS LEIRIENSES – 15 Editor: Carlos Fernandes Coordenador Científico: Saul António Gomes (Professor Associado com Agregação do Departamento de História, Arqueologia e Artes da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra)

Coordenadores desta edição: António Valério Maduro, Pedro Gomes Barbosa e Rui Rasquilho Conselho Consultivo: Isabel Xavier, J. Pedro Tavares, Luciano Coelho Cristino, Mário Rui Simões Rodrigues, Miguel Portela, Pedro Redol e Ricardo Charters d’Azevedo Concepção e arranjo da capa: Gonçalo Fernandes Colecção: CADERNOS – 15 Coedição: Textiverso, AMA - Associação dos Amigos do Mosteiro de Alcobaça, APOC - Associação Portuguesa de Cister e Município de Alcobaça ©Textiverso Rua António Augusto da Costa, 4 Leiria Gare 2415-398 LEIRIA - PORTUGAL E-mail: [email protected] Site: www.textiverso.com Revisão e coordenação editorial: Textiverso Montagem e concepção gráfica: Textiverso Impressão: Artipol 1.ª edição: Dezembro 2017 Edição 1195/17 Depósito Legal: 384489/14 ISSN 2183-4350 Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor.

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Jerusalém e os templários José Albuquerque Carreiras*

“Naquele tempo, celebrava-se em Jerusalém a festa da Dedicação do templo. Era Inverno e Jesus passeava no templo, sob o Pórtico de Salomão”. (Jo, 10, 22-23)

Prefácio Três vezes Santa é Jerusalém: para judeus, cristãos e muçulmanos. Por três milénios se estende a sua história maravilhosa e maléfica, sagrada e desmesuradamente trágica. Na mesma pequena urbe, a Cidade Velha agora circundada por muralhas de aparelho otomano, e pelas mesmas ruas, perderam os passos, o sangue e a vida judeus, romanos, cristãos, persas, árabes, mamelucos, otomanos, ingleses, palestinianos…. Crê-se que foi na cidade fundada por David que Salomão ergueu o Templo que acolheu a Arca da Aliança e que Jesus frequentou, onde este mesmo Jesus foi morto e ressuscitou e de onde Maomé ascendeu ao Céu pela mão do Anjo Gabriel. Todos estes acontecimentos extraordinários, do domínio do maravilhoso e do sagrado, dão à Cidade Santa um lugar único na mitologia das religiões e conferem-lhe uma carga religiosa incomparável. A concentração de santidade e o peso da História, que se sentem avassaladoramente nas suas ruas, fazem do estar em Jerusalém uma experiência exaltante, perturbante e quase enlouquecedora. Quando em 1099 os cruzados conquistaram Jerusalém num banho de sangue, já a cidade havia sido destruída e reconstruída várias vezes e havia sido palco de terríveis catástrofes e de inúmeros massacres, perpetrados por razões políticas e religiosas. É a evolução desta cidade desde os seus * Instituto Politécnico de Tomar.

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primórdios até ao século XII, com as suas continuidades e descontinuidades, que será objecto desta apresentação1. De David a Herodes Foi na colina de Ofel, fora dos actuais limites da Cidade Velha, entre o profundo vale de Josafat (ou Cédron) e o vale de Tyropocon, que cresceu o primeiro núcleo urbano de Jerusalém, a cidade de David, numa pequena área de 15 hectares, na qual se estima que tenham vivido cerca de 2000 pessoas. Os arqueólogos descobriram vestígios da Idade do Cobre na colina de Ofel, identificando aí assentamentos permanentes na Idade do Bronze (cerca de 3000 a.C.). Cerca do ano 1000 a.C. existiria no local uma cidade cananeia bem fortificada, da tribo dos jebuseus, a qual seria conquistada nessa época por David, que nela introduziu o culto de Javé. Salomão, filho e herdeiro de David, expandiu a cidade e construiu um palácio e um templo, que albergaria a Arca da Aliança, num terreiro situado a norte da colina de Ofel, o actual Monte do Templo. O Mapa 1 mostra os limites da cidade de David e da cidade de Salomão. Nesse mapa (como em todos os seguintes) representam-se os actuais muros da Cidade Velha de Jerusalém, podendo deste modo compreender-se a evolução que a cidade sofreu ao longo dos tempos. A orografia da região de Jerusalém, com uma altitude de cerca de 800 m, é própria de uma região montanhosa. A nascente do Monte do Templo, o vale de Josafat (ou de Cédron) separa aquele do Monte das Oliveiras; a poente, o vale de Tyropocon, onde está hoje construído parte do bairro muçulmano, separa-o da colina ocidental, actualmente ocupada pelos bairros cristão e arménio (como se verá mais adiante, a Cidade Velha de Jerusalém, intramuros, está dividida em quatro bairros: cristão, arménio, judeu e muçulmano). No ano 586 a.C. a cidade foi conquistada e destruída pelos exércitos babilónios. O templo foi profanado e os seus habitantes foram escravizados e 1

Este trabalho é uma síntese da conferência proferida pelo autor no Colóquio Internacional “Cister e os Templários”, que teve lugar em Alcobaça no dia 1 de Outubro de 2016. Os mapas que acompanham o texto pertencem à magnífica obra “Jerusalém – Uma cidade, três religiões”, de Karen Amstrong, 1996, editada em Portugal, em 2002, pela editorial Temas e Debates, do Grupo Porto Editora, o qual teve a amabilidade, que muito agradecemos, de autorizar a sua reprodução.

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Mapa 1 – Cidade de David e de Salomão e evolução até ao séc. VI a.C. (K. Amstrong, Jerusalém, ed. Temas e Debates, 2002, p.79)

conduzidos para o exílio na Babilónia. Meio século mais tarde, os persas derrotaram os babilónios e o seu rei Ciro, por um édito de 537 a.C. autorizou o regresso dos judeus a Jerusalém. O templo foi reconstruído (516 a.C.) e o culto judaico foi reintroduzido. 13

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Já então esta região do Próximo Oriente em que se erguia a cidade de Jerusalém tinha um particular interesse geoestratégico, pois era um território de fronteira e de choque entre potências imperiais rivais. Por isso, em cerca de três séculos, a cidade foi sucessivamente conquistada e ocupada pelo exército de Alexandre da Macedónia, que derrotou os persas em 333 a.C., pelos Ptolomeus do Egipto (301 a.C.), pelos Selêucidas (198 a.C.), pelos Asmoneus (cujas dinastias controlaram a região durante parte dos séculos II e I a.C.) e, finalmente, pelas legiões romanas. No ano 63 a.C. o general Pompeu impôs a sua autoridade massacrando as populações e profanando o templo. Com a ocupação romana, iniciou-se um período muito interessante e rico na história de Jerusalém. Pacificada a cidade e de acordo com a sua habitual estratégia de impor um domínio consentido com respeito pela cultura autóctone, os romanos iriam governar através de um rei cliente. Herodes, o Grande, transformou Jerusalém numa cidade imponente com esplendorosos edifícios, como o seu palácio real ou a fortaleza Antónia, assim chamada em homenagem a Marco António. A cidade expandiu-se e novas muralhas foram construídas, ocupando a cidade de Herodes uma área muito superior à Cidade Velha da actualidade (Mapa 2). No lugar do templo de Salomão, reconstruído após o regresso do exílio na Babilónia sem a grandeza inicial, ergueu Herodes um templo notável (o chamado Segundo Templo), maior, que se iria tornar num grande centro de espiritualidade e que iria atrair multidões nas festas religiosas. Foi este templo que Jesus frequentou e ao qual os Evangelhos associam episódios muito importantes da sua vida. Jesus e o Império Romano Foi nesta cidade magnífica, embora já não em vida de Herodes, que se organizaram as primeiras comunidades cristãs. Em tempo de Pôncio Pilatos, governador romano da Judeia, o galileu Jesus de Nazaré, nascido na fé judaica e cuja pregação pública foi considerada blasfema pelos guardiães de ortodoxia, foi condenado à morte e crucificado no Gólgota (ver localização no Mapa 2). Após estes acontecimentos, relatados nos Evangelhos e por todos conhecidos, constituíram-se as primeiras comunidades de seguidores de Cristo. A primeira delas seria o embrião da Igreja de Jerusalém, formada por cristãos circuncisos de origem judaica. No século I, em particular durante o reinado de Herodes Agripa (41-44), Jerusalém viveu um período fluorescente até à rebelião levantada pelos zelotas 14

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Mapa 2 – Jerusalém entre o tempo de Herodes e a destruição da cidade pelo exército romano de Tito (K. Amstrong, Jerusalém, ed. Temas e Debates, 2002, p.128)

no ano 70. Nesta data fatídica, o general romano Tito, futuro imperador, reprimiu a revolta nativa de forma radical e impiedosa. O templo e a cidade foram 15

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arrasados, os judeus e os cristãos foram expulsos e as próprias muralhas foram demolidas. Durante sessenta anos as ruas permaneceram em escombros e do templo só restaram os muros contrafortes da plataforma (o actual muro das Lamentações). No segundo quartel do século II, o imperador Adriano decidiu reconstruir Jerusalém, ou melhor, construir uma nova cidade sobre as ruínas da cidade de Herodes. Nasceria assim Élia Capitolina, cidade romana, pagã e gentia, dedicada aos deuses capitolinos (Júpiter, Juno e Minerva). Nos lugares santos do Gólgota e do sepulcro de Jesus foi erguido um templo a Afrodite e no Monte do Templo estátuas a Adriano e a Antonino Pio (Mapa 3). A paganização de Jerusalém e do Monte do Templo foi vista como uma calamidade sem precedentes pelos judeus e os cristãos olharam para a cidade que renegava Jesus como uma cidade amaldiçoada. A teologia de ambas as religiões ficaria marcada indelevelmente: os judeus, privados do culto no templo, orientariam o culto para o domínio privado da casa, do qual nasceria a sinagoga (Aron Kodesh), receptáculo da Torá, orientada a Jerusalém e ao templo; os cristãos, separados dos lugares santos da paixão, morte e ressurreição de Cristo, dariam um sentido mais espiritual à nascente religião. O urbanismo de Élia Capitolina moldou a Jerusalém medieval que subsiste até hoje. Como era usual nas cidades romanas, estava estruturada por arruamentos ortogonais entre si: o cardo, com orientação norte-sul e o decúmano, com orientação leste-oeste. O cardo maximus, do qual ainda se pode ver um troço com significativos elementos romanos, é o actual Suq Khan ez-Zeit, rua que separa os bairros cristão e arménio, a poente, dos bairros muçulmano e judeu, a nascente. Outro cardo, secundário, segue o vale do Tyropocon e corresponde à actual rua Al-Wad, hoje a mais importante artéria do bairro muçulmano. Ambos os cardos nasciam, a norte, na porta monumental da cidade, actualmente a Porta de Damasco, átrio do bairro muçulmano. O decúmano máximo ligava a Porta de David (actual Porta de Jaffa) ao Monte do Templo e, com o cardo máximo, dividia a cidade em quatro partes, que correspondem agora aos quatro bairros medievais que conformam a Cidade Velha (Mapa 3). Nos primeiros séculos, o cristianismo foi considerado uma religião ilícita no império romano e alvo de perseguições intermitentes. Tudo mudou com o imperador Constantino que, pelo édito de Milão (313) a consideraria uma religião lícita, equiparando cristianismo e paganismo. Mais tarde, Constantino 16

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Mapa 3 – Élia Capitolina, a Jerusalém romana e pagã até Constantino (K. Amstrong, Jerusalém, ed. Temas e Debates, 2002, p.158)

intuiria que a religião poderia ter um importante papel unificador no seu vasto império e apoiou decididamente o cristianismo, chegando mesmo a convocar o concílio de Niceia (325), o primeiro concílio ecuménico da Igreja, com o objectivo de dirimir as disputas trinitárias que então separavam os cristãos. 17

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No ano 326 Santa Helena, mãe de Constantino e cristã fervorosa, viajou para Jerusalém em busca das raízes históricas da Fé. Dedicando-se a uma arqueologia sagrada, Santa Helena descobriu e identificou, no chão do arrasado monte Gólgota onde os romanos haviam construído o templo de Afrodite, o sepulcro vazio de Cristo, o calvário e a cruz da Paixão. Nesta parte da cidade nasceria uma Nova Jerusalém, cristã, um verdadeiro enclave na cidade ainda pagã, núcleo difusor da presença cristã que havia de impregnar e dominar a cidade durante três séculos (Mapa 4). Sobre os lugares sagrados descobertos por Santa Helena, Constantino mandou edificar a Igreja da Anástase (Ressurreição), consagrada em 335, verdadeiro complexo religioso constituído pela rotunda da Anástase erguida sobre o Santo Sepulcro, por uma basílica e por um átrio intermédio que incluía o Calvário. A actual Basílica do Santo Sepulcro ocupa em grande parte a área de implantação desta primeira igreja. Desde meados do século IV, monges, freiras e peregrinos demandaram Jerusalém em busca da divina presença de Cristo e a igreja oriental, desde a divisão do Império Romano regida a partir de Bizâncio, organiza-se sobre a égide de um patriarca. Os séculos IV e V são uma época de renhidas disputas trinitárias e cristológicas, algumas resolvidas nos concílios ecuménicos, outras originando cismas, como os das igrejas monofisitas arménia, síria e copta, já então e ainda hoje presentes em Jerusalém. A Jerusalém bizantina cresceu sobre a malha urbana de Élia Capitolina, cristianizando os lugares pagãos, em particular depois do imperador Teodósio ter proibido os sacrifícios pagãos e ter decretado que o cristianismo era a religião oficial do império (381). Em meados do século V, a Jerusalém bizantina estendia-se por uma superfície superior à da actual Cidade Velha, englobando dentro das muralhas alguns lugares, caso do Monte Sião, que mais tarde ficariam extra-muros (Mapa 4). No início do século VII, Jerusalém conheceria de novo a catástrofe. Em 610 o império persa atacou o império bizantino rival e em 614 os exércitos persas conquistaram e destruíram Jerusalém com o apoio dos judeus. A cidade santa foi reconquistada para Bizâncio pelo imperador Heraclio, em 629, mas por pouco tempo. Nesses mesmos anos, a História agitava-se na península arábica.

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Mapa 4 – Jerusalém bizantina e cristã, entre Constantino e a conquista pelos árabes (K. Amstrong, Jerusalém, ed. Temas e Debates, 2002, p.187)

De Maomé à Cruzada Quando Maomé entrou triunfalmente em Meca no ano 632 fez uma nova interpretação dos ritos pagãos vigentes entre as tribos arábicas, de modo a 19

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adequá-los ao novo monoteísmo. Alguns dos lugares e símbolos que hoje associamos ao islamismo, como a Caaba e a haji, faziam parte de uma antiga tradição religiosa politeísta árabe, aos quais Maomé atribuiu novos significados. Por esta razão, numa fase inicial, correspondente à Hégira e ao exílio em Medina, Maomé considerava que Meca estava contaminada pelos deuses do panteão árabe e estabeleceu que o quiblah, a orientação da oração dos muçulmanos, deveria ser Jerusalém. Esta cidade era o grande centro espiritual de judeus e cristãos e estes veneravam o Deus único, isto é, Alá. Suplantada mais tarde pela Meca, Jerusalém foi, no entanto, a primeira cidade sagrada do Islão. Um dos episódios míticos mais significativos da vida de Maomé, relatado numa sura do Alcorão, é a viagem nocturna do profeta, montado num corcel alado branco, entre Meca e a mesquita longínqua (Jerusalém), de onde ascendeu aos céus pela mão do anjo Gabriel. Segundo a tradição aceite pelos muçulmanos, a ascensão de Maomé aos céus terá sido efectuada a partir de uma rocha do Monte do Templo, sobre a qual os futuros conquistadores árabes construirão um fabuloso santuário. Maomé morreu em 632, tendo conseguido a unificação das tribos árabes sob a nova religião monoteísta, transformando assim um conjunto de tribos rivais num temível poder militar coeso e disciplinado. A partir no ano seguinte, os seus sucessores sentiram-se fortes para encetar uma decidida expansão para fora da península arábica em busca de terras férteis e pastagens. Por essa altura, Bizâncio e a Pérsia, os dois grandes poderes rivais que se entrechocavam no Próximo Oriente estavam exaustos por anos de guerras, mormente em Jerusalém, o que facilitou o avanço dos exércitos árabes. Em 638, Omar, o segundo califa, conquistou pacificamente Jerusalém, após negociar a rendição da cidade com o patriarca bizantino, que se assumiu como representante do burgo derrotado. Os árabes chamaram Bayt al-Maqdis (a Cidade do Templo) a Jerusalém. O califa Omar encontrou uma cidade habitada por uma maioria cristã, que respeitou, e um Monte do Templo transformado numa gigantesca lixeira, abandonado que esteve durante séculos de ocupação bizantina. Ainda durante o século VII, Omar e os seus imediatos sucessores procederam à sacralização do Monte do Templo, construindo a mesquita de AlAqsa e o santuário da Cúpula do Rochedo, assim iniciando a ocupação mu20

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çulmana, que ainda hoje perdura, do Monte do Templo, agora mais conhecido por Esplanada das Mesquitas ou Haram al-Sharif (o Nobre Santuário). A mesquita de Al-Aqsa, originalmente uma construção humilde da madeira de acordo com as normas preconizadas por Maomé, foi várias vezes destruída por sismos e incêndios e reconstruída, a última vez em 1035, e é hoje uma das mais veneradas mesquitas dos Islão. A Cúpula do Rochedo, terminada em 691, foi construída sobre a rocha donde o profeta terá ascendido aos céus, como já foi referido. É uma fabulosa construção octogonal, encimada por uma cúpula grandiosa, com uma rotunda interior com dois corredores concêntricos; exterior e interiormente tem uma rica decoração, pejada de inscrições corânicas. Ruiu no século XI, mas foi reconstruída em pouco tempo e domina de forma majestosa a paisagem urbana da Cidade Velha. A ocupação muçulmana de Jerusalém subsistiu, com um pequeno interregno, até à sua conquista pelos cruzados no fim do século XI. Neste longo período de três séculos e meio, a atitude dos ocupantes e o tratamento proporcionado aos judeus e aos cristãos foi muito variado. No tempo dos califas ortodoxos e dos califas omíadas de Damasco (638750), foi seguida uma orientação de coexistência das três religiões monoteístas, de tolerância para com a prática religiosa dos cristãos e de respeito pelos seus templos. Todos estes califas veneraram Jerusalém e todos os omíadas a visitaram. No início do século IX, o califa al-Harun levaria mais longe uma política de boas relações com o cristianismo, ao acordar com o imperador Carlos Magno o estabelecimento de cristãos latinos em Jerusalém e a construção de igrejas e hospícios a cargo destes, o que provocaria conflitos entre cristãos latinos e gregos, ciosos estes últimos da exclusividade que detinham até então. Foi este o tempo em que o califado abássida entrou em declínio e em que Jerusalém passou a ser conhecida por al-Quds (a Santa). No século X assistiu-se à ascensão da dinastia fatímida que construiu, a partir do Magreb, um califado chiita com capital no Cairo, onde o califa alHakin iria estabeleceu um regime de radical intolerância religiosa, iniciando em 1007 uma perseguição aos cristãos, em particular à igreja copta. Este califa, que ficaria conhecido como “o louco”, conquistou, destruiu e deixou em ruínas a cidade de Jerusalém em 1009, tendo, numa acção completamente gratuita, arrasado a basílica do Santo Sepulcro, da qual restaram apenas vestígios da rotunda e do próprio sepulcro. 21

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