Ano da morte de Ricardo Reis PDF

Title Ano da morte de Ricardo Reis
Author Mary Sd
Course Português 2
Institution Universidade do Minho
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Summary

“Ano da morte de Ricardo Reis” - José SaramagoNesta obra, Saramago ficcionaliza o último período de vida de Ricardo Reis, heterónimo pessoano e recria uma época histórica através da descrição de tipo realista.O autor faz regressar Ricardo Reis a Portugal após a morte de Fernando Pessoa, em 1936, dur...


Description

“Ano da morte de Ricardo Reis” - José Saramago Nesta obra, Saramago ficcionaliza o último período de vida de Ricardo Reis, heterónimo pessoano e recria uma época histórica através da descrição de tipo realista. O autor faz regressar Ricardo Reis a Portugal após a morte de Fernando Pessoa, em 1936, durante a guerra civil de Espanha. Reis vem do Brasil em finais de 1935 (tomou conhecimento da morte de Pessoa através de um telegrama de um outro heterónimo, Álvaro de Campos) e durante a maior parte do ano de 1936 esboça r elações pessoais plausíveis, como os amores Lídia (musa do heterónimo) e a amizade com o fantasma de Pessoa, que emerge de vez em quando para conversar com Reis, e que o leva consigo no final do romance, para um desaparecimento total (a morte). Os encontros entre Reis e Pessoa definem a estrutura, não só ficcional, do texto, mas também a de um encontro social entre o texto, o seu leitor e a história. Ricardo é uma pessoa moderna que escreve odes clássicas, um homem que vive fora da sociedade do seu tempo, obcecado pela fuga do tempo e pela busca dos prazeres moderados, pelo amor plácido e pelo discurso inteligente do mundo e da sensação. O leitor descobre que Reis vive uma vida real enquanto personagem de ficção, mas descobre-o só depois de Pessoa ter morrido, portanto, era alguém que só teve existência no plano da ficção existencial desenvolvida pela obra de Saramago. O cânone de Saramago: a realidade como invenção passada e a invenção como realidade a vir. Para Saramago, a ficção parece ser uma leitura crítica da realidade.

Deambulação geográfica e viagem literária Em Lisboa, Ricardo Reis ocupa os seus dias com passeios de revisitação e descoberta. A descrição da cidade evoca constantemente a poesia de Cesário Verde e a prosa de Bernardo Soares. Tal como eles, Ricardo é um ser em movimento, um observador acidental dos elementos da realidade, que olha por vezes de forma impressionista. A deambulação de Reis efetua-se a partir do Hotel Bragança e o seu polo de atração que é a Praça de Luís de Camões. As estátuas impõem a presença física dos escritores, representam a sua imortalidade e funcionam como elemento que suscita a reflexão: sobre a língua e sobre as imagens e representações que se fazem dos escritores e da sua vida. O narrador afirma a sua presença: é a sua voz que a partir dos elementos observados por Reis, tece comentários e juízos de valor, ora com ironia ora em tom sentencioso. O núcleo citadino que Reis percorre é comparado a um labirinto, cujo centro é a estátua de Camões. Esta representa segundo o modelo do herói romanesco do século XIX – D’Artagnan, Os Três Mosqueteiros. A comparação estabelecida entre Reis e Camões leva à reflexão sobre a imortalidade dos escritores: a morte e a passagem do tempo que dilui a sua dimensão pessoal.

Representações do amor Marcenda

Lídia

Na primeira noite em Portugal, ao jantar, no Hotel Bragança, Ricardo Reis vê Marcenda Sampaio, que, com o pai, vem regularmente a Lisboa para consultar o médico. Reis fica “fascinado” pela jovem, “sente um arrepio” quando descobre a sua deficiência física. Marcenda é caracterizada por ser:  A mulher idealizada ainda que fisicamente delibada;  Civilizada;  Inteligente, culta. Não é ingénua.  Simboliza a fragilidade;  Está enclausurada afetiva e socialmente;  Não está dependente de ninguém, como a Lídia.

Reis desenvolve uma relação íntima com esta personagem, possui uma dimensão paródica e subversiva. A criada de hotel, a mulher de baixa condição social, mas sensualmente apelativa, tem o nome da sua musa ficcional presente nos poemas pessoanos. Reis dá-se conta da ironia da situação.

Fernando Pessoa comenta os amores de Reis, interroga-o, apontando a diferença entre o Reis do passado (a sua ficção literária) e o do presente dividido entre duas mulheres.

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Educação rudimentar; Corajosa e ingénua; Ativa e livre, simboliza a esperança no futuro; Mulher complexa com sentido crítico e consciência social; Não faz planos, é espontânea; A condição de semi-analfabetista não esconde a sua inteligência, porém, as barreiras sociais impedem a perspetiva de um futuro com Ricardo Reis.

Representações do século XX O espaço da cidade, o tempo histórico e os acontecimentos políticos  

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Lisboa é uma cidade fantasmagórica, sombria, opressiva, parece uma prisão, uma sensação de claustrofobia. Os adjetivos, advérbios e verbos são utilizados para descrever uma cidade sob chuva, soturna, melancólica, sem vida. O mau tempo surge como metáfora do tempo histórico: o ano é 1936, 2ª Guerra Mundial, regimes fascistas e nazis, Guerra Civil Espanhola e regime do Estado Novo. Recorre-se à personificação, à hipálage e à metáfora para evidenciar a carga negativa da cidade. Sublinha-se o uso frequente da cor cinzento-morte. É uma cidade marítima, o mar está explicitamente referido no início e no final da obra. O rio é o pano de fundo do desenvolvimento da ação: Reis aloja-se num hotel perto do rio e vai morar para um local de onde o comtempla. Também é uma cidade de memórias: lugares e estátuas que remetem um passado e contrastam com o tempo presente de uma “cidade cinzenta”, onde chove sempre e a população é pobre, conservadora e oprimida, facilmente manipulada pela propaganda do regime.



Cidade de estátuas, nomeadamente a de Camões e do Adamastor. Relacionam-se com a dimensão intertextualidade da obra, no que concerne às referências explícitas ou implícitas às obras de escritores portugueses, mas também á dimensão simbólica:  Camões representa o passado glorioso que o Estado Novo quer aproveitar propagandisticamente, sendo, para Reis, a figura máxima da literatura portuguesa. Representa a nação;  O Adamastor remete para um passado épico, agora impossível porque o presente é opressor, mas também para a história de um amor impossível (por Tétis) e para a ideia da irrealizável felicidade.

Intertextualidade: Luís de Camões, Cesário Verde e Fernando Pessoa A intertextualidade é a presença explícita ou implícita de textos de outros autores. 



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Intertextualidade com Pessoa: surge logo no título “Ano da morte de Ricardo Reis”, heterónimo pessoano. Saramago transforma Pessoa numa personagem ficcional, tendo morrido a 30/10/1935, usufrui de 9 meses para circular no mundo dos mortos (dorme no cemitério dos Prazeres) e dos vivos. Os diálogos entre Reis e Pessoa percorrem os temas principais da obra pessoana – a questão da identidade, a oposição pensar/sentir, a reflexão sobre a existência, a morte, a criação poética. Intertextualidade com Camões: presente na sua estátua e na do Adamastor; Símbolo do passado glorioso de um Portugal empreendedor e universalista, que imortalizou uma epopeia, contrapõe-se ao presente medíocre e opressor; Primeira e última frase da obra: “Aqui o mar acaba e a terra principia” – A primeira fase da obra recupera, alterando-o, um verso d’ Os Lusíadas de Camões: “Onde a terra se acaba e o mar começa”. Ricardo Reis desembarca em Lisboa no dia 29 de dezembro de 1935 e a cidade a que regressa, é uma cidade fantasmagórica, sombria, opressiva, parece uma prisão, sensação de claustrofobia; A frase final da obra instaura um efeito de circularidade relativamente ao início do romance, existindo uma relação de espelho entre as frases inicial e final. Contudo, a alteração do tempo do 1º verbo “acaba”/“acabou” e a mudança do 2º verbo de “principia” para “espera” instauram a ideia de processo em curso, estando concluída uma fase e começando outra que se prolongará no tempo. Intertextualidade com Cesário Verde: revela-se nas descrições de Lisboa; Reis apreende a realidade através das sensações e as descrições, tem por vezes contornos impressionistas; também como Cesário deambula pela cidade asfixiante e opressora. Motivo literário e simbólico é também o da referência de um livro que Reis trouxe da biblioteca do barco de Herbert Quain, The God Of The Labyrinth. Reis nunca chegou a terminar a leitura deste livro e leva-o consigo quando Pessoa o vem procurar para que abalem juntos para os territórios da morte, numa alegoria difusa: quer da identidade e perda da criação poética, quer da identificação relativa da galáxia pessoana, quer do próprio ato genérico e totalizador da criação literária. “Deixo o mundo aliviado de um enigma”, enigma cujo traçado a existência do livro na ficção afinal fundou. No final da obra, Reis mostra sinais de já estar a morrer, como comprova o facto de não conseguir ler. O livro inacabado acompanhá-los-á, sendo símbolo da obra pessoana – percurso num labirinto em busca do enigma do ser. O nome Herbert Quain constata um jogo com a pronúncia portuguesa: o apelido Quain parecido a “quem” e em formulação interrogativa, relaciona-se com pessoas, neste caso a pessoa é o poeta ortónimo, Pessoa. O labirinto está ligado ao “enigma”, elemento relevante de uma leitura hermenêutica da obra, assim como um problema ficcional da personalidade de Reis, por Pessoa e Saramago. O labirinto que percorria, na sua deambulação por Lisboa, fazia-o sentir solitário.

Linguagem, Estilo e Estrutura A obra compõe-se em 19 capítulos, não numerados e apresenta um efeito de circularidade, tendo em conta a primeira e última frase da obra. A ação desenvolve-se cronologicamente em duas linhas estruturantes centradas no protagonista: a representação do tempo histórico e os últimos 8 meses de vida de Reis. A personagem tem eixos narrativos com personagens secundárias: eixo amoroso com Lídia e Marcenda; eixo da alção literária: Pessoa, Camões, Adamastor; eixo da ação histórica: Salazar, Hitler, Mussolini, entre outros. O estilo caracteriza-se pela fluidez e pelo tom oralizante, sustentados pelo uso inovador da pontuação. O autor dá um valor importante ao ponto final e à vírgula. Estes são utilizados em conjunção com a letra maiúscula para demarcar falas das personagens. Dispensando-se os pontos de interrogação e de exclamação, o sentido do discurso constrói-se pela entoação, ganha ritmo, fluindo como emissão discursiva de uma única voz, a do narrador, que gere a reprodução do discurso no discurso....


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