Linguagem e estilo d\' O Ano da Morte de Ricardo Reis PDF

Title Linguagem e estilo d\' O Ano da Morte de Ricardo Reis
Course Língua Portuguesa   
Institution Universidade do Algarve
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Linguagem e estilo d' O Ano da Morte de Ricardo Reis► Linguagem e estiloO tom oralizante e a pontuaçãoComo é característico da obra de Saramago, o texto é percorrido por múltiplas vozes, que trazem para a escrita e a oralidade e a fluidez do discurso quotidiano. No diálogo entre Fernando Pessoa e Re...


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Linguagem e estilo d' O Ano da Morte de Ricardo Reis

► Linguagem e estilo

O tom oralizante e a pontuação

Como é característico da obra de Saramago, o texto é percorrido por múltiplas vozes, que trazem para a escrita e a oralidade e a fluidez do discurso quotidiano. No diálogo entre Fernando Pessoa e Reis, verificase o recurso ao registo coloquial por parte daquele:

Permita-me que exprima as minhas dúvidas, caríssimo Reis, vejo-o aí a ler um romance policial, com uma botija aos pés, à espera duma criada que lhe venha aquecer o resto, rogo-lhe que não se melindre com a crueza da linguagem […] (Cap. V)

Nos comentários do narrador, encontra-se, igualmente, o tom oralizante, informal, quer ao nível do repertório lexical quer ao nível da construção frásica.

Tipicamente saramaguiana é também a transgressão ao nível do uso canónico da pontuação, apontada como uma das dificuldades do inexperiente leitor. Em frases longas, é usual verificar a presença de dois ou até três interlocutores, servindo o recurso às vírgulas e às maiúsculas para marcar a mudança de personagem.

Assim, a supressão de quase todos os sinais de pontuação, à exceção da vírgula e do ponto final, leva a que se estabeleça um pacto com o leitor, que tem de ler e reler os trechos, encontrar o sentido, encontrar o ritmo e o tom, encontrar, no fundo, no texto, as interrogações, as exclamações que Saramago não explicita graficamente, como este diálogo entre Reis e Lídia exemplifica:

Achas que eles não são bons maridos, Para mim, não, Que é um bom marido, para ti, Não sei, És difícil de contentar, Nem por isso, basta-me o que tenho agora, estar aqui deitada, sem nenhum futuro, […]. (Cap. IX)

Esta transgressão verifica-se, sobretudo, ao nível da reprodução do discurso no discurso, como veremos no ponto seguinte.

Reprodução do discurso no discurso

Singular é também a forma como o autor reproduz o discurso no discurso. Ao não seguir as convenções ligadas ao discurso direto, Saramago reinventa o texto dialogal, marcando o discurso de cada personagem pela inicial maiúscula no início de fala, seguida de vírgula no fim, como o diálogo entre Reis e o taxista, aquando do desembarque daquele, atesta:

Para um hotel, Qual, Não sei, e tendo dito, Não sei, soube o viajante o que queria, com tão firme convicção como se tivesse levado toda a viagem a ponderar a escolha, Um que fique perto do rio, cá para baixo, Perto do rio só se for o Bragança, ao princípio da Rua do Alecrim, não sei se conhece, Do hotel não me lembro, mas a rua sei onde é, vivi em Lisboa, sou português, Ah, é português, pelo sotaque pensei que fosse brasileiro, Percebe-se assim tanto, Bom, percebe-se alguma coisa, Há dezasseis anos que não vinha a Portugal, Dezasseis anos são muitos, vai encontrar grandes mudanças por cá, e com estas palavras calou-se bruscamente o motorista. (Cap. I)

Para além da inexistência dos dois pontos, do travessão e do parágrafo na marcação do discurso direto, o leitor tem ainda de encontrar a intencionalidade de cada vírgula: ora a marcar pontos finais, ora a marcar suspensões frásicas / reticências, ora a marcar pontos de interrogação. Este excerto prova, igualmente, a presença das diferentes vozes narrativas, já que, a par da voz das duas personagens, também se pode encontrar a voz do narrador – “soube o viajante o que queria, com tão

firme convicção como se tivesse levado toda a viagem a ponderar a escolha”.

Recursos expressivos

Através do recurso a termos opostos, reforça-se o contraste entre diferentes elementos, objetos, etc. A antítese

Ex.: “Aqui o mar acaba e a terra principia.” – através das antíteses “mar “/“terra” e “acaba“/“principia”, é realçada a localização geográfica de Portugal, para além da relação intertextual com a epopeia camoniana, por meio da subversão (“Aqui onde a terra se acaba e o mar começa”).

A partir da analogia, estabelece-se uma relação de semelhança entre duas realidades opostas. Ex.: “Não estou apaixonado, Pois muito o lamento, deixe que lhe A diga, o D. João ao menos era sincero, volúvel mas sincero, você comparação é como o deserto, nem sombra faz” (Cap. VIII) – a aproximação que Pessoa faz de Reis a um deserto é reveladora da dificuldade que este tem em se relacionar com o sexo feminino, sendo uma pessoa estéril, árida, em que nenhum sentimento cresce.

A enumeração Através da apresentação de elementos sucessivos da mesma classe gramatical, elencados de acordo com uma determinada lógica, intensifica-se uma dada ideia: Ex.: “Respira-se uma atmosfera composta de mil cheiros intensos, a couve esmagada, a excrementos de coelho, a penas de galinha escaldadas, a sangue, a pele esfolada” (Cap. II) – a enumeração dos cheiros que boiam no ar na Praça da Figueira

revela a importância das sensações na observação do real.

A ironia assume um papel central nesta obra, estando ao serviço da crítica social, política e religiosa.

A ironia

Ex.: “Quis Fernando Pessoa, na ocasião, recitar mentalmente aquele poema da Mensagemque está dedicado a Camões, e levou tempo a perceber que não há na Mensagem nenhum poema dedicado a Camões, parece impossível, só indo ver se acredita, de Ulisses a Sebastião não lhe escapou um, nem dos profetas se esqueceu, Bandarra e Vieira, e não teve uma palavrinha, uma só, para o Zarolho” (Cap. XVI) – o epíteto pejorativo atribuído a Camões bem como a omissão de Pessoa quanto ao épico português realçam o jogo subversivo do narrador ao longo da obra, para além de insinuar a terrível sombra que Camões representa para os escritores futuros, incluindo Pessoa.

A relação de analogia entre duas realidades realça a caracterização feita: A metáfora

Ex.: “saiu pela porta da Rua dos Correeiros, esta que dá para a grande babilónia de ferro e vidro que é a Praça da Figueira.” (Cap. II) – a metáfora enfatiza a desordem nas construções da Praça, identificadas como babilónicas porque grandes, confusas e sem planeamento....


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