Title | BARRETO, Vicente. O fetiche dos direitos humanos. |
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Rio de Janeiro 2010 Vicente de Paulo Barretto Prefácio O livro O Fetiche dos Direitos Humanos e outros temas, de autoria do Prof. Vicente de Paulo Barretto, no âmbito de seu provocativo título nos oferece um conjunto articulado de textos questionadores das bases conceituais dos direitos humanos nos ...
Rio de Janeiro 2010
Vicente de Paulo Barretto
Prefácio O livro O Fetiche dos Direitos Humanos e outros temas, de autoria do Prof. Vicente de Paulo Barretto, no âmbito de seu provocativo título nos oferece um conjunto articulado de textos
questionadores
das
bases
conceituais dos direitos humanos nos
O Fetiche dos Direitos Humanos e outros temas
contextos dos liberalismos, socialismos imperialistas
e
dos
denominados
Estados de bem-estar-social, ou, como se poderia dizer a partir de um ângulo econômico, em contextos de países de primeiro, segundo e terceiro mundo ou em vias de desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Trata-se, pois, de um livro crítico que, sem perder de vista um adequado crédito à razão iluminista e moderna,
debate
com
o
discurso
filosófico, político e jurídico dominante em algumas direções essenciais, como a proliferação indiscriminada de direitos patrocinada
pelo
individualismo
egocêntrico de origem liberal, e a perigosa sobre
manipulação o
bem,
de
discursos
patrocinados
por 1
governantes ditos de esquerda, em nome
governos que supostamente pretendem
de um socialismo comunitário.
atender
Especificamente,
este
necessidades
básicas
livro
fundamentais, senão que necessitam
contém aspectos críticos e prospectivos
estarem articuladas ao amplo espectro
importantes acerca da natureza, da
cultural e categorial construído pela
hermenêutica e de políticas públicas
humanidade ao longo da História.
regionais sobre os Direitos Humanos. De
fundamental
politicólogos
importância
e
juristas,
discussões
sobre
relativismo
dos
são
para suas
universalismo
Mas o que quer dizer esse tipo de
alerta,
de
posicionamento?
e
Brevemente, a partir de autores que nos
Humanos
são comuns, Jürgen Habermas e Seyla
(Multiculturalismo) e as relações da
Benhabib, creio ser de interesse partir
Ética com os Direitos Humanos, o que o
de alguma definição: por Direitos
conduz, ao final, para uma interessante
Humanos
discussão sobre a natureza da cidadania,
metadiscurso normativo a partir do qual
debate que hoje diz respeito a todos os
se estabelecem limites e condições
quadrantes do mundo globalizado.
aceitáveis
para
se
legislação
ou
uma
Direitos
Portanto, neste seu novo livro
pode-se
Vicente Barretto esgrime com todos
simplesmente
aqueles integrantes dos mais diversos
humano.
matizes ideológicos e que se postam ou vierem
a
se
postar
de
maneira
entender
construir
um
decisão,
um
uma ou
relacionamento
Avançando de mãos dadas com Seyla Benhabib sobre alguns aspectos
oportunista com relação aos Direitos
do
Humanos.
pode-se
normativo dos Direitos Humanos, cabe
deduzir que decisões sobre Direitos
dizer, em primeiro lugar, que o grande
Humanos não podem ser decisões de
mote desse discurso pode ser dado na
fundo de quintal, isto é, que releguem a
seguinte questão: qual é o lugar dos
um
conquistas
direitos dentro de uma teoria discursiva
universais, tanto do ponto de vista
da Ética? Uma teoria discursiva da Ética
conceitual e categorial como material e
pode contribuir para a solução de
existencial.
impasses (conflitos de princípios, p.ex.)
Nessa
segundo
Com
direção,
plano
efeito,
Direitos
Humanos não são e não podem ser
que
compõe
o
metadiscurso
acerca dos Direitos Humanos?
entendidos apenas como um conjunto
Esse grande tema, superados os
de normas empíricas editadas por
pontos de vista ontológicos, próprios 2
dos jusnaturalismos, recebeu enorme
livre autonomia da pessoa humana, e
impulso com a metafísica da moral de
que Seyla Benhabib formula da seguinte
Kant, na qual, segundo Benhabib,
maneira: “em vez de perguntar como
propôs a existência de um direito
seria uma lei universal desejável para
básico: “toda a ação que por si mesma
todos sem autocontradição, na ética
ou por sua máxima permite que a
discursiva perguntamos que normas e
liberdade da vontade de cada indivíduo
arranjos
coexista com a liberdade de todos os
seriam considerados válidos por aqueles
demais em concordância com uma lei
que se vêem afetados se estiverem
universal é justa”. Ora, além de célebre,
participando de argumentações morais
a contribuição de Kant pode até hoje ser
especiais chamadas discursos”.
institucionais
normativos
entendida como válida, pois diz com
Em termos de diferença entre a
algo que tem muito a ver com a
ética kantiana e outra discursiva, como
superação de discriminações sobre as
afirma Benhabib, pode-se dizer que “a
pessoas, ao ressaltar a importância de
ênfase agora passa do que cada um pode
uma universalização da “generalidade”
desejar via experimento mental que seja
e
válido
da
“reciprocidade”
no
âmbito
para
todos,
a
processos
fenomênico das regras jurídicas, muito
justificatórios através dos quais você e
embora as críticas de insuficiência que a
eu, em diálogo e com boas razões,
ela possam e tenham sido apontadas,
podemos nos convencer um ao outro da
mormente quanto ao seu formalismo e
validade de certas normas, com o que
idealidade, que de certo modo não
simplesmente quero significar regras
atendem a diversidade cultural cada vez
gerais de ação”.
mais
visível
com
os
processos
globalizatórios. As
discussões
Diante disso, seria importante assinalar que muito embora Vicente
posteriores
e
Barretto
esteja
consciente
da
atuais sobre um paradigma ético para os
importância de uma ética discursiva, seu
Direitos Humanos, pois, como ressaltam
livro contribui para uma discussão
também os autores já nominados, tem
acerca de suas insuficiências, dentre as
procurado avançar pelos senderos de
quais a pergunta sobre o que seriam
uma justificação pós-metafísica dos
razões moralmente adequadas em meio
Direitos que, muito embora superadora
a um debate livre, procurando discutir
de Kant, não negue seu pressuposto
essa
fundamental, qual seja o exercício da
atribuição de adequada importância ao
questão
cidadã
a
partir
da
3
constitucionalismo contemporâneo, no qual definitivamente encontramos a tentativa de enquadramento da pessoa
Dr. José Alcebíades de Oliveira Junior
humana como fim e não como meio, tal
Prof. Titular da Faculdade de
como acontece em muitos discursos
Direito da UFRGS e Professor e
fetichistas de certos governos sobre os
Coordenador
Direitos Humanos.
Mestrado em Direito da Uri –
Enfatize-se, por fim, que a
Acadêmico
do
Santo Ângelo Pesquisador do
importância do constitucionalismo pós-
CNPq.
guerra está em ressaltar que um dos principais argumentos morais de uma ética discursiva enquanto base ou metadiscurso para os Direitos Humanos
Apresentação
é a defesa da democracia. Não apenas porque com ela se torna possível instaurar
regras
do
jogo
para
a
Os
textos
que
compõe
O
Fetiche dos Direitos Humanos e outros
participação popular, senão que a
temas
importância da democracia se dá pelas
desenvolvidos
condições de possibilidade de, através
PROCAD UERJ/ UNISINOS. Durante
dela, tornar real o Direito subjetivo
os seminários, conferências e cursos
público que todos possuem (enquanto
realizados no âmbito do PROCAD
cidadãos)
nas
UERJ/UNISINOS os direitos humanos,
os
seus fundamentos e abrangência, e o seu
envolve, o que conduz Vicente Barretto
estatuto na filosofia do direito e na
a uma interessante rediscussão sobre as
prática
relações entre constitucionalismo e
direito, foi tema recorrente, despertando
metaconstitucionalismo,
cidadania
uma viva participação de professores e
democracia
alunos do Programa de Pós-Graduação
de
deliberações
liberal
e
serem
ouvidos
comunitárias
cosmopolita,
e
que
deliberativa, etc.
resultaram
do
nas
estado
dos
trabalhos
atividades
democrático
do
de
em Direito da UERJ e do Programa de
Com isto quero dizer da minha
Pós-Graduação em Direito da Unisinos.
alegria em participar da festa soberana,
A questão da teoria e da prática dos
que é o lançamento público de ideias
direitos humanos, com repercussões em
cidadãs através de um livro, e desejar a
diferentes áreas do conhecimento e nas
todos uma ótima leitura. 4
políticas públicas, ocupa lugar de
minhas idéias com suas críticas e ajuda
destaque
na
na
vida
quotidiana
das
realização
das
pesquisas,
que
sociedades democráticas e de suas
embasam o trabalho. Agradeço ao Prof.
universidades.
Alfredo Culleton,
Os
capítulos
deste
livro,
constante
cuja amizade e
participação
nas
nossas
dividido em duas unidades – a primeira,
atividades tornaram as atividades do
sobre os fundamentos ético-filosóficos
PROCAD extremamente gratificantes;
dos direitos humanos e, a segunda, que
aos Profs. Lênio Streck e José Luiz
trata da necessária relação entre os
Bolzan de Moraes por sua generosa, e
direitos
sociedade
intelectualmente desafiadora, acolhida
democrática e a construção de uma
no PPG em Direito da Unisinos: à
sociedade cosmopolita - resultaram
Profa.
desse intercâmbio nos seminários e
participação na pesquisa e leitura critica
cursos,
as
dos originais do livro; ao Prof. Maurício
instituições universitárias. Cada um dos
Zanotelli, que com esmero e cuidado
capítulos tem como eixo temático
assegurou a unidade editorial desses
central
humanos,
textos; à Profa. Paula Caleffi por seu
considerados como essenciais para a
apoio constante, agudo espírito crítico e
realização dos objetivos últimos do
sofisticada interlocução, que serviram
estado democrático de direito. O autor
para aperfeiçoar o texto e refinar os seus
beneficiou-se, assim, de uma rica
argumentos.
humanos,
realizados
os
a
em
direitos
ambas
interlocução, que proporcionou um intenso
debate
com
docentes
e
Fernanda
Bragato
por
sua
A todos os meus mais sinceros agradecimentos,
eximindo-os
de
discentes, sem o qual não se pode
qualquer responsabilidade nas idéias
exercer com proficiência a atividade
defendidas neste livro.
intelectual, como docente e pesquisador. Agradeço,
portanto,
à
participação de professores e alunos de ambos os programas de pós-graduação em Direito, que me proporcionaram esse
ambiente
de
convivência
e
estímulo intelectual. Em especial, não posso deixar de me referir a alguns interlocutores
que
aperfeiçoaram 5
i a ,
A r a r a s 0 1
d e
m a r c o
d e
2 0 1 0 0 3 -
6
7. Da interpretação à hermenêutica contemporânea 8. Michel Villey, um crítico dos direitos humanos 9. O conceito moderno de cidadania 10. Teoria da Justiça e Responsabilidade 11. Reflexões sobre os direitos sociais 12. Tolerância, exclusão social e os limites da lei. 13. Globalização e metaconstitucionalismo 14. Multiculturalismo e direitos humanos: um conflito insolúvel? Índice
1. Do mito ao fetiche jurídico 2. Ética e Direitos Humanos: aporias preliminares 3. Notas kantianas sobre o Direito 4. Da dignidade humana 5. Philia, autocracia e legitimidade da ordem jurídica 6. Raízes filosóficas do estado democrático de direito 1. Do mito ao fetiche jurídico 7
precisamente, essa visão do mundo que 1.1 O universo mitológico da lei
foi implodida pela trágica história do
moderna
século XX e pelas transformações no
O desafio dos direitos humanos na
contemporaneidade
em
Essa mudança radical se expressou por
entender a sua estrutura lógico-racional
duas grandes transformações político-
e desvendar a dimensão fetichista que
jurídicas:
assumiu
O
regulamentação para a regulação e do
esvaziamento progressivo do mito da
governo para a governança. Nesse
soberania e da generalidade da lei,
contexto, é que os direitos humanos são
expressas pela vontade do legislador,
chamados a servir como referencial,
como fontes primárias do direito,
fornecendo o que Ost e van Kerchove
provocou
consideram como necessário para o
nas
últimas
o
consiste
modo de pensar a realidade humana.
décadas.
“deslizamento
da
a
passagem
da
pirâmide”1 dogmática em direção a
novo
transformações maiores do universo
transcendência
político-jurídico. Thomas Hobbes no
posição imparcial, uma dose ao menos
Leviatã
uma
de distanciamento simbólico garantidor
personagem alegórica, simbolizando a
do sucesso de sua magia performativa.”2
República, como dotada dos atributos
Os direitos humanos, no entanto, para
do poder temporal (a espada) e do
recuperarem o seu significado moral
espiritual (o báculo eclesiástico), o que
original, que possa legitimar e garantir
dotaria o Estado de uma base sólida,
uma nova ordem jurídica e a magia
formada por duas linhas convergentes,
performativa
na
necessitam passar por um processo de
(1651)
verdade
os
imaginava
alicerces
de
uma
pirâmide.
“um
a
cultura
jurídica
mínimo
garantidora
da
desfetichização, que
Essa figura geométrica iria marcar
direito:
ordem
os
de
de sua
jurídica,
liberte da
máscara fetichista e dogmática em que se encontram aprisionados.
contemporânea, e refletiu na obra
A base teoricamente sólida, que
seminal de Kelsen, Hart e Ross uma
justificou a ordem jurídica do estado
visão do mundo caracterizada pela
moderno, desde Hobbes até Kelsen,
ordem
desmanchou-se no ar, parodiando a
1
e
pela
estabilidade.
Foi,
OST, François et KERCHOVE, Michel van de. De la pyramide au réseau ? Bruxelles: Publications des Facultés Universitaires SaintLouis. 2002. p. 26.
célebre
2
frase
marxista,
quando
a
Ibidem. p. 22.
8
realidade social mutante invadiu o
Essa concepção do Estado, da lei e do
espaço jurídico positivado e colocou em
direito terminou ela própria como uma
questão as suas principais categorias.
mitologia renovada e moderna, que se
Esse vazio lógico-normativo, germinado
diferenciou das mitologias clássicas por
no seio de uma parafernália de leis de
procurar ser a expressão de uma
todos os tipos e com todas as suas
racionalidade
pretensas previsões e garantias, fez com
continuou a guardar, como veremos a
que o mito do direito, concebido como
seguir,
um ...