Resenha sobre o documentário \"Ônibus 174\" PDF

Title Resenha sobre o documentário \"Ônibus 174\"
Author A. Ribeiro
Course Antropologia Jurídica
Institution Universidade Estadual de Goiás
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Summary

Resenha sobre o documentário "Ônibus 174" e sua representação da violência estrutural na sociedade....


Description

Resenha sobre o documentário “Ônibus 174” O documentário produzido por José Padilha — nome responsável por célebres produções que marcam a cinematografia nacional como “Tropa de Elite” e a série “O Mecanismo” —, de nome “ Ônibus 174” , retrata a história de Sandro Rosa do Nascimento e o sequestro que o mesmo realizou no ônibus da linha 174 no Rio de Janeiro, em 2000. Fazendo uma análise crítica da situação a partir de uma visão antropológica, é necessário antes estabelecer o conceito de violência estrutural dentro da disciplina e a relação com o caso em questão.

A violência estrutural é caracterizada pela negligência do Estado em determinados segmentos da sociedade e sua ausência em prover cuidados básicos e suprir necessidades essenciais de determinada classe que acaba por se tornar marginalizada. Com a ausência da figura estatal, essa parte da população acaba então por recorrer por outras figuras que possam substituir o papel que deveria ser desempenhado pelo governo, o que acaba por explicar a função desempenhada por criminosos que acabam por comandar favelas e periferias, estas que acabam ficando em segundo plano e à mercê dessas figuras. As favelas em si são representações do longo processo de estruturação brasileiro moldado na exclusão das pessoas com pouco poder aquisitivo, notável especialmente a partir da intensificação do processo de industrialização de 1950, que favoreceu os grandes centros urbanos.

A violência estrutural acaba por acarretar desdobramentos onde essa parte, negligenciada e abandonada, busca por outros meios de sobrevivência e daí decorre a violência criminal — o ser, se encontrando de forma renegada, acaba então se permitindo realizar atos ilícitos como o roubo e o furto. A partir desses conceitos, é possível colocar a vida do sequestrador Sandro dentro dessa perspectiva da violência estrutural. Vindo de uma família completamente desestruturada, com o pai desconhecido e a mãe assassinada em sua frente quando ainda tinha apenas oito anos, Sandro se juntou a um pequeno grupo de crianças moradoras de rua e passou então a viver com elas,

sofrendo constantemente com ataques de civis e policiais ao grupo (principalmente enquanto dormiam) e com a fome. Com 14 anos, junto do grupo, foi um dos sobreviventes do famoso massacre que ficou conhecido como Chacina da Candelária, ocorrida em 1993, na praça de Igreja de mesmo nome. Oito jovens, pobres e negros em sua maioria, foram assassinados covardemente por policiais que à noite apareceram onde os garotos ficavam e começaram a alvejá-los. Como consequência do fato — tal como o mesmo ressalta em momentos do sequestro ao falar sobre o acontecimento —, sete anos mais tarde, Sandro realizou o sequestro do ônibus 174 que acabaria por acarretar sua morte. Durante sua vida, Sandro teve passagens por instituições presidiárias que não permitiram o seu processo de ressocialização, uma vez que segundo colegas, havia abuso de poder dos oficiais contra os detentos, superlotação, violência física e falta de políticas educacionais, que provocava apenas o aumento do sentimento de revolta e exclusão perante o sistema prisional falho, tal como analisa Gilead Marchezi Tavares: “As prisões brasileiras funcionam como mecanismo de oficialização

da

exclusão

que



paira

sobre

os

detentos, como um atestado de exclusão com firma reconhecida. Dizemos isso não só considerando o estado de precariedade atual das prisões, mas também o estado de precariedade em que se encontram os indivíduos antes do encarceramento [...]”

Sem perspectivas de emprego também em face da ausência de educação provida, durante o documentário Sandro relata várias vezes sua desilusão em buscar outros meios de vida, especialmente em face do estigma criado pela sociedade não somente em sua figura, mas de forma generalizada nas crianças de rua.

A história de Sandro deflagra uma realidade que, mesmo quase duas décadas após sua morte, ainda persiste no contexto vivido atualmente. E embora a violência estrutural seja um problema de matriz estatal, é necessário salientar que a sociedade como um todo tem uma participação significativa quando contribui ao tratar dessas pessoas como meros problemas que devem ser erradicados. A tentativa de linchamento de Sandro pela sociedade apenas demonstra a sede de sangue e visão de justiça deturpada e punitiva que é característica da população brasileira, que passou a normalizar a perspectiva da violência estrutural, que se tornou base para a construção da história brasileira. O sequestro do ônibus 174 pode ser considerado uma consequência da Chacina da Candelária que por sua vez, é originada da falta de políticas públicas em torno de jovens e adultos que se encontram em situação degradante e a falta da atuação estatal, tão normalizada pela sociedade, que acaba por dar ao Estado esse papel de tirar de si toda a responsabilidade de zelar pela população, permitindo que parte acabe por se tornar cada vez mais fragilizada e afastada de um sistema que não busca a inclusão e não tem pretensões de fazê-lo. Na cultura popular, é possível observar representações da violência estrutural, como na música Faroeste Caboclo do grupo Legião Urbana, onde conta a história de João de Santo Cristo, que ao perder o pai e intrigado com as discriminações em relação à sua cor-de-pele e sua classe social, viajou para Brasília de forma a conversar com o presidente para falar sobre os sofrimentos que a população passava. Entretanto, sem perspectivas de emprego que garantissem sua sobrevivência, acabou por entrar para o crime e veio então por perecer. Na história de Sandro, é possível denunciar duas falhas estatais: a primeira em que, por falta de recursos destinados à população, acaba por permitir o desenvolvimento da violência estrutural. E a segunda, em vista da ocorrência da mesma, não cria alternativas que permitam a reintegração da pessoa à sociedade, optando por uma via em que o indivíduo retorne à sua situação sub-

humana de invisibilidade — dessa vez pautada na total exterminação do mesmo.

Referências

https://escolakids.uol.com.br/geografia/favela.htm

AVARES, G. M. e MENANDRO, R. M. Atestado de exclusão com firma reconhecida: O sofrimento do presidiário brasileiro. Psicologia: Ciência e profissão, 2004....


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