Crise do Drama PDF

Title Crise do Drama
Course História do Teatro
Institution Universidade Federal Fluminense
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Summary

Seminário sobre a crise do drama....


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A CRISE DO DRAMA NA PEÇA SENHORITA JÚLIA, DE AUGUST STRINDBERG

Trabalho apresentado junto à disciplina História do Teatro e do Espetáculo II.

1. INTRODUÇÃO O escritor sueco August Strindberg nasceu em 1949 filho de uma garçonete e teve uma infância bastante conturbada. Sua adolescência fora também bastante turbulenta, não tinha uma boa relação com a família e sofria bastante na escola com o bullying dos irmãos mais velhos e com a imposição da disciplina. Assim foi se tornando muito sensível, irritável e desconfiado, principalmente depois da morte de sua mãe aos treze anos e o novo casamento de seu pai um ano mais tarde. Não consegue concluir a faculdade primeiro por dificuldades financeiras e posteriormente por diversos atritos com os professores. Passa então por uma diversidade de empregos até conseguir se estabelecer como dramaturgo. Passa também por vários casamentos até que por fim sucumbi a loucura. E foram suas experiências de vida normais e patológicas onde ele arrancou observações profundas sobre os seres humanos que o fizeram grande mestre do drama psicológico (GASSNER, 2011). Senhorita Júlia foi escrita por Strindberg em 1888, o texto e o prefácio foram modificados devido a censura. A peça que trata dos jogos de poder entre os sexos e entre as classes, estreou dirigida pelo próprio autor no ano seguinte na programação do Teatro Experimental sendo até hoje uma das mais encenadas internacionalmente até hoje (MOSCARELLA, 2015). Sendo uma das peças mais famosas do naturalismo e o ensaio do autor sobre ela quase um manifesto do movimento (SZONDI, 2001). Strindberg e a Senhorita Júlia se encontram num período dito, pelos estudiosos de hoje, como a crise do drama, onde pelas transformações do homem da época se transforma também o modelo dramático ao qual o teatro encontrava-se, e por vezes ainda se encontra, fortemente atrelado. Tendo sobre perspectiva a crise, concordamos com a afirmativa de Georges Banu (apud Ryngaert, 2009) de que “o teatro está sobretudo à procura de “saídas de emergência” para escapar de um estado de crise permanente”. Assim o presente trabalho consiste na busca de crises dentro e fora da peça de estudo tendo em vista as principais características da dramaturgia strindberguiana e os pontos de vista de diversos autores sobre a temática. A busca se centra então nas “saídas de emergência” tomadas por Strindberg em Senhorita Júlia e nas percorridas pelo teatro contemporâneo face às questões humanas na atualidade.

2. DESENVOLVIMENTO 2.1 A Crise do Drama Peter Szondi no já consagrado “Teoria do Drama Moderno” (2001) realiza uma análise de autores do final do século XIX onde situa-se a crise do drama, dentre eles Strindberg a quem nos interessa nesse momento. Partindo de uma noção dialética Szondi vai apontar as características desses autores que se confrontam com o modelo da dramática clássica, o drama absoluto aristotélico, enunciando um movimento dessa dramaturgia em direção ao que por ele é considerado como um estágio mais avançado da forma teatral, o épico. Sarrazac (2012) atribui a crise do modelo dramático às novas relações do homem com o mundo e a sociedade que se estabelecem sob o signo da separação. Colocando o homem do século XX como um homem separado de si mesmo e fragmentado, “pregado num passado que o puxa para o fundo”. Para esse homem, o modelo dramático que imperava grosso modo do renascimento até o século XIX baseado nas relações intersubjetivas não servia mais. Para este, que neste sentido irá discordar de Szondi (2001), a crise do drama não pode mais ser vista como processo dialético que depois de processos de transição e experimentação termina por gerar o teatro épico moderno. Para Sarrazac (2012) a ideia é de uma crise sem fim, sem solução ou horizontes pré-estabelecidos. Já Lehmann (2007) traz uma perspectiva interessante ao situar a crise do drama dentro da genealogia do teatro pós-dramático. Segundo ele, paralelamente à crise do modelo dramático como forma textual aplicada ao teatro começa-se a desconfiar da compatibilidade entre texto e teatro. Apontando assim indícios da cisão entre estes dois elementos antes considerados inseparáveis, o que será fundamental para o teatro contemporâneo. 2.2. A Senhorita Júlia de Strindberg Numa noite de festejos quando o Conde vai viajar, Senhorita Júlia decide ficar em casa com os empregados. Nessa noite ela tem um encontro com Jean, que é noivo de Cristina. Os dois têm relações sexuais e para manter sua honra Júlia quer fugir da propriedade com Jean antes que o Conde retorne. Entretanto os dois são impedidos por Cristina. Por fim encorajada por Jean e não vendo outra saída ela se suicida.

O drama de um ato só é bastante intenso e cheio de aflição, as personagens travam uma luta de sexos e de classes pelo poder. Sendo devido as imposições dos papéis sociais que não conseguem desenvolver plenamente seus desejos (MOSCARELLA, 2015). Aí já se encontra um traço autobiográfico de Strindberg nessa obra. Gassner (2011) nos aponta que eventos marcantes na juventude do autor escandinavo o condenavam a um sentimento de que “fizesse o que fizesse, sempre parecia estar preso numa armadilha” (p. 43). É possível notar claramente esse sentimento em Júlia depois de sua noite com Jean, as diversas confabulações sobre a fuga e a tentativa até mesmo em convencer Cristina, formas desesperadas de buscar uma salvação para sua honra. Nesse sentido observamos que a “dramaturgia do eu”, a qual podemos enquadrar Strindberg como um dos precursores, para ele se enraíza em sua autobiografia (SZONDI, 2001). O drama na obra se constitui de maneira subjetiva com personagens monodramáticos, uma vez que o drama se concentra em sua própria psique (SARRAZAC, 2012). Nesse sentido entendemos que Júlia a todo momento está pensando em seus desejos, no primeiro momento de dominar o seu criado e num segundo de manter a própria honra. Enquanto Jean é também centrado nele mesmo, primeiro quer conquistar Júlia e depois quer se livrar dela. Até mesmo Cristina que não aparece muito em cena está preocupada apenas com ela mesma, sua imagem e seu noivado com Jean. As personagens são também ao mesmo tempo épicas e dramáticas (SARRAZAC, 2012), embora nessa obra o tom épico ainda seja bastante sutil como podemos ver no seguinte trecho de um dos monólogos de Júlia: Você não pode estar falando sério. E além disso todo mundo conhece meus segredos. Minha mãe não era bem-nascida; veio ao mundo de uma família bastante humilde e foi educada com todas essas ideias modernas de igualdade dos sexos, de direitos da mulher, essas coisas.... Achava que o casamento estava errado e por isso, quando meu pai a pediu, disse que jamais se tornaria sua mulher... se bem que o fizesse depois. Vim ao mundo, ao que parece, contra a vontade da minha mãe e me deixaram selvagem, fazendo tudo que os meninos fazem, para provar que as mulheres valem tanto quanto os homens... (STRINDBERG, 1888).

Nesse pequeno trecho podemos também claramente observar com muita clareza três pontos principais da dramaturgia strindberguiana: o ultra-realismo, a descompostura psicológica e o antifeminismo (GASSNER, 2011). Especialmente esse último é bastante enfático na personagem Júlia e em seu modo de se relacionar com os homens. Devido à ausência de uma figura materna tal qual o autor supõe ser a ideal, talvez pela ausência de sua própria mãe na infância, a personagem fica sempre entre um desejar e odiar aos homens desenvolvendo diversos conflitos interiores por conta disto.

Nesse ponto chegamos também em uma importante questão na obra de Strindberg. Por se tratar de uma dramaturgia subjetiva a unidade que move o drama passa a ser a unidade do ego, ou seja as questões interiores da personagem, assim sendo não fazem se mais necessárias, tornando-se até mesmo um empecilho as unidades de ação, de tempo e de espaço tal qual propõe A Poética de Aristóteles (SZONDI, 2001). 2.3. Vislumbres contemporâneos É no caráter autobiográfico da obra strindberguiana que pode ser encontrada uma possibilidade de reflexão perante a contemporaneidade. Em Senhorita Júlia a principal tese de Strindberg antifeminista fica bastante explícita na personagem central, ele defende que a luta entre os sexos é um jogo pelo poder completamente desgastante e que a emancipação feminina apenas aumenta este conflito visto que as mulheres para ele são inescrupulosas (GASSNER, 2011). Obviamente ele coloca em sua dramaturgia todos os seus anseios e inquietações sobre o mundo, principalmente suas experiências ruins com a mãe e com as esposas, ainda que na voz de suas personagens épico-dramáticas. Pensando neste aspecto podem ser tecidos pensamentos em relação a contemporaneidade, especialmente no que vemos do teatro performativo atualmente onde a biografia do autor-ator-performer é material essencial para a dramaturgia (FABIÃO, 2009). Cada vez mais os performers partem de suas inquietações pessoais para compartilhá-las no trabalho artístico (ALICE, 2014). Obviamente não se tratam das exatas mesmas coisas quando fala-se no caráter autobiográfico na obra naturalista de Strindberg e nas obras performativas contemporâneas. Entretanto, no primeiro já podemos ver como as pequenas rachaduras numa mudança do modelo dramático tradicional são indícios do começo de tendências observadas no teatro contemporâneo. 3. CONCLUSÃO Tomando por base a peça Senhorita Júlia de Strindberg é possível observar as características mais marcantes na dramaturgia deste autor: um realismo muito forte, construção psicológica das personagens bastante profunda e incomum, a guerra entre os sexos presente de alguma maneira em todas as suas obras (e especialmente nessa a luta de classes também), extremamente marcada por um antifeminismo. Ao contrapor a obra com a biografia do autor é possível ver seus traços em suas personagens, principalmente em Júlia. Assim essas personagens podem ser descritas como épico-dramáticas, embora nesta obra o épico ainda esteja sútil. Dentro da análise em relação a crise do drama e ao naturalismo nesta obra é também possível perceber como as pequenas rachaduras do modelo tradicional foram propulsão para transformações que ainda hoje se processam no teatro e na dramaturgia.

4. REFERÊNCIAS ALICE, Tânia. Diluição das fronteiras entre as linguagens artísticas: a performance como revolução dos afetos. In: Catálogo SESC Nacional, 2014. Disponível em: http://taniaalice.com/wpcontent/uploads/2012/11/palco2014_Artigo_Tania.pdf, acessado pela última vez em 10 dez 2017. FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala Preta, v. 8, p. 235 - 246. 2008. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57373/60355, acessado pela última vez em 10 dez 2017. GASSNER, John. A Sucessão Escandinava e Strindberg. Mestres do teatro II. São Paulo Perspectiva, 2011. LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-dramático. São Paulo: Cosac Naify, 2007. MOSCARElLA, Ray Castillo. A senhorita Júlia: estudo da obra através do sistema psicológico e o sistema lúdico. Cadernos Letra e Ato, UNICamp, vol 5., junho de 2015. Disponível em: http://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/letraeato/article/view/327/324, acessado pela última vez em 10 dez 2017. SARRAZAC, Jean-Pierre (org.). Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo. São Paulo: Cosac & Naify, 2012. STRINDBER, August. Senhorita Júlia. 1888. SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno [1880 - 1950]. São Paulo: Cosac & Naify, 2001....


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