Glosadores e Comentadores PDF

Title Glosadores e Comentadores
Author Salomé Silva
Course História do Direito
Institution Universidade do Minho
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A receção do Direito Romano na Europa Nascimento do “studium civile” em Bolonha Antecedentes O chamado renascimento medieval do direito Romano Justinianeu data do início do séc.XII e tem nacionalidade Italiana. No entanto, já antes do séc.XII, nos sécs X e XI, surgiu um interesse pelas matérias jurídicas romanas. Ainda assim aqui, são escassas as referências ao texto do Digesto, se bem que são frequentes os apelos ao Código, Institutas e Novelas. Só no prolongar do séc.XII é que foi reconstruida a totalidade da obra jurídica justinianeia. Até ao séc.XII, o estudo do Direito fazia-se sem grande autonomia. Fazia parte do tradicional ensino das artes liberais (Trivium – gramática, retórica e dialética, com algumas noções jurídicas); quadrivium (matemática, geometria, astronomia…). Durante os sécs VI a XI foi assim que o ensino da cultura jurídica sobreviveu. Até a estas datas, pensa-se que as únicas escolas de direito estariam sediadas no oriente Bizantino. No séc. V há em Berito uma florescente escola de Direito, cujos mestres têm influência na redação do Digesto que compõe o Corpus Iuris Civillis. No Ocidente, as primeiras escolas a autonomizarem o ensino do Direito terão sido as que tinham maiores relações com o Oriente, escola de Ravena e Pavia, que são apontadas como precursoras da Escola de Bolonha. Irnério é apontado como o mestre, em Bolonha, da retórica e dialética. A sua familiaridade com o ensino do trivium habilitaram-no a começar a trabalhar com textos de direito justinianeu. Mas a pergunta deve ser imposta: “Porque razão dedica-se Irnério, nesta época, ao estudo das fontes de Direito Justinianeu, ele que nem especialista em direito era?” Os estudos sobre o direito Romano inserem-se num quadro de “entusiasmo científico”, sendo que todo este desenvolvimento jurídico se insere numa vasta tendência cultural, num interesse geral da cultura europeia pela evocação da ideia universal de Roma. É, no fundo, o ressurgir da ideia de império, e a continuidade que se quer ver do império romano no sacro império romano germânico, aquilo que alimenta este interesse. A sociedade dos sécs XI e XII é uma sociedade a aguardar de ser ordenada juridicamente. São tidos como eixos fundamentais que impulsionam o estudo do direito romano justinianeu, a necessidade de encontrar para o discurso da ciência jurídica um manto de validade, de legitimidade. Por duas razões:



Desenvolvimento de uma nova ordem económico-social, com novas situações carecidas de regulamentação jurídica,



O leitmotiv de tais estudos é a vocacional incompletude do poder político

medieval e da relativa indiferença que por essa razão o poder político nutre pelo direito. Todo este enquadramento deixa margem de manobra à ciência jurídica para criar direito, ciência jurídica e direito que se irão mover entre exigências de validade, necessidades de legitimação e efetividade.

Receção Europeia do Direito Romano Ideia de renovatio imperii é comum em finais do séc.XI. Sendo o direito romano direito do imperium romanum, é um direito imperial. Sendo que o sacro império romanogermânico representa a continuidade com esse império, aquele direito está naturalmente apto a acompanhá-lo. Se, num primeiro momento, o ius romanum assumiu a função fortalecedor do poder imperial, num segundo momento passa a cumprir essa mesma função perante os monarcas de cada reino, pretendendo estes demarcarem-se da jurisdição política do imperador.

Corpus Iuris Civilis Medieval Irnério, primeiro glosador, foi responsável pela autonomização que a escolástica até aí não concedia aos estudos jurídicos, bem como pela recolha e sistematização de todas as disposições da compilação justinianeia, que à altura se encontravam totalmente dispersas. Irnério renova os livros de leis, reconstruindo a ordem pela qual o imperado Justiniano os tinha compilado, sendo que, com a adição de algumas palavras, dividiu-os, nascendo assim o corpus iuris civilis medieval. O Digesto será talvez o mais trabalhado, mais glosado e mais comentado texto de direito justinianeu ao longo de toda a baixa idade média. •

Irnério é a figura central para a criação de um studium civile em Bolonha, e é habitualmente definido como pai da escola dos glosadores, fruto do método empregue por este e seus discípulos.

Metodologias, intenções e limitações dos glosadores A primeira grande característica dos estudos da Escola de Bolonha é que os seus estudos

não se basearam numa admiração histórica pelos direito romano, mas sim nas necessidades do seu tempo, da sua sociedade. Assim, não falamos de um mero exercício académico de preenchimento pessoal. Savigny defendia que os glosadores não eram mais do que meros anotadores de textos jurídicos e que, como admiradores da antiguidade, se mostravam alheios aos problemas do seu tempo. Esta ideia acompanhou a própria definição da escola como “escola dos glosadores”. Por glosa podemos entender uma merda substituição de um termo mais obscuro por um mais transparente, ou na explicitação singular, clara e eficaz, de um termo ou conceito, até constituir verdadeiros desenvolvimentos teóricos de matéria jurídica que iam muito para além da formalidade da letra do texto. A glosa traduz-se numa clara exposição do sentido racional dos textos, e muitas vezes com verdadeiras preocupações de índole sistemática. A glosa é anterior aos estudos da escola de Bolonha, sendo já frequente a sua utilização no ensino do trivium. A Interpretatio tem também um papel decisivo na escola de Bolonha. A primeira preocupação dos glosadores era entender devidamente a palavra decisiva e as doutrinas das autoridades que as proclamam. O direito pré-existe à atividade de jurisprudentes, senhores e monarcas, sendo a interpretação a “administração da justiça pelo juiz”. A preferência pela utilização do termo latim surge pelo “medo” de se cingir a atividade da interpretação a um exercício meramente lógico e atividade meramente cognoscitiva de um texto legal rígido. A interpretatio é, assim, plena possibilidade criativa, nela se manifestando por completo a vontade e liberdade do intérprete. A ciência jurídica medieval assume protagonismo pois todas as suas disciplinas se fundam em livros de autoridade. Livros sagrados, que não admitem contradições ou incoerências. São textos que fundamentam todo o discurso científico e para lá dos quais nada há que mereça conhecer. A concordância com o texto, o cumprimento do mesmo, proporcionará ao direito uma autoridade que o poder político não está em condições de assegurar.

Críticas tecidas aos glosadores •

Excessivo apego aos textos justinianeus – glosadores são frequentemente acusados de se limitarem a uma magra exegese de textos do corpus iuris civilis.



Para evitar qualquer contradição com os textos de autoridade, os glosadores perdem o contacto com a realidade, utilizando estratégias como artifícios lógicos, que acabam por distorcer o verdadeiro significado dos textos.



Fidelidade aos textos reflete-se no desprezo a que votam os outros ordenamentos jurídicos. Ideia de que todos os restantes ordenamentos jurídicos se hão-de subjugar ao direito romano, como os direitos particulares de cada reino, direito feudal, direito canónico…que já à época assumia enorme protagonismo.



Carência de perspetiva Histórica. Completa descontextualização histórica do texto do corpus iuris civilis, não se tendo noção do contexto em que surgiu, os problemas que procurou solucionar. Isto leva a numerosos erros de interpretação, dando azo a desfazamento entre os textos jurídicos e a realidade na qual era suposto estes se verterem.

Accursius / Acúrsio e a magna glosa Acúrsio é discípulo de Azo, tendo este se afastado dos hábitos doutrinais de seu tempo, que iam no sentido de fazer referência aos acontecimentos do seu quotidiano na discussão de matérias jurídicas. Azo procurou manter-se estritamente arrimado às leis de Justiniano, depurando todo o seu discurso de alusões a acontecimentos contingentes do seu tempo. Accursius segue esta linha. Acúrsio recolheu várias glosas acumuladas ao longo dos tempos pelas várias gerações de glosadores, numa obra de elevada autoridade e aceitação: a magna glosa de acúrsio (glosa ordinária). Esta respondia a necessidades prementes da prática jurídica. O mérito de Acúrsio foi ter levado a cabo tão grandiosa tarefa de recolha, de compilação, mais do que de o ter sistematizado ou organizado de forma particularmente brilhante. A sua importância é tal que, progressivamente, vai sendo dada prioridade ao seu estudo, passando mesmo a sobrepor-se aos próprios textos justinianeus. Ela representava o que de melhor a escola dos glosadores havia feito. O papel da magna glosa tomou um caminho obscuro, sendo que era frequente ver magistrados, receosos de ser responsabilizados por alguma falha, seguir á risca os ensinamentos da glosa, e isto mesmo em detrimento do texto original. Foi isto que permitiu o salto para a seguinte geração de juristas comentadores, mais livres de textos sagrados para melhor responderem às necessidades do seu tempo.

Decadência da escola dos Glosadores e ascensão dos Comentadores Muitos entenderam que a escola dos glosadores desempenhava um papel meramente teórico, preocupada com o entendimento literal dos textos justinianeus, desligada da

realidade em que seria suposto verter os seus conhecimentos. Para estes críticos, só os comentadores ou pós glosadores abraçaram a tarefa de adequação das prescrições normativas justinianeias às concretas realidades medievais. O emprego pelos post glosadores das metodologias escolásticas, o conhecimento da dialética e da lógica aristotélica, potenciado pela obra tomista que na altura se afirmava, teria transfigurado a expressão da ciência e da prática jurídica. Os comentadores distinguem-se dos glosadores pelo espírito sintético e sistemático que presidiu às suas análises e labor hermenêutico. Os glosadores teriam empregue esquemas tópicos e casuístas, incapazes do pensamento silogístico e sistemático. Para sublinhar a autonomia e independência desta escola, metodologicamente e a nível de resultados, são cunhados os termos, mais corretos, de comentadores e também de conciliadores, e não de “post glosadores”. Os métodos da Escola de Comentadores A glosa ordinária marca o fim de um ciclo e do excessivo apego aos textos justinianeus. Assim, começam a surgir glosas sobre a própria magna glosa. Isto responde a uma das críticas que se teciam à escola dos glosadores, que era não ter em atenção a situação real e as circunstâncias históricas. Escrever glosas sobre glosas afirmava o novo interesse prioritário da nova orientação metodológica do estudo do direito justinianeu: a aplicação prática dos textos de direito romano. A atitude dos comentadores foi de um enorme pragmatismo, tendo estes se preocupado com a solução de questões concretas. O gradual desapego dos comentadores face aos textos da compilação justinianeia permite-lhes assumir esse compromisso com acrescida liberdade. Após a magna glosa de Acúrsio a interpretação dos textos jurídicos romanos considerase terminada. É compreensível que as posteriores gerações de juristas tendam a ver aí o objeto do seu estudo, da sua exegese e da sua atividade científica. O método da escolástica traduz-se no estabelecimento de distinções e sub-distinções, divisões e sub-divisões, comparação de instituições jurídicas… Tais métodos já haviam sido adotados pelos glosadores, como a importância que estes davam ao trivium (gramática, retórica e dialética). A escolástica, segundo Radding, é um sistema filosófico que tenta, pela dialética, extrair da realidade a ordem racional, harmónica e divina, que se acreditava existir no universo, então, como também sugere o autor, toda a atitude dos glosadores corresponde aos anseios da escolástica: Harmonizar e sistematizar, usar a razão para explicar e justificar uma autoridade que estava no centro dos seus estudos como guia para uma ordem harmoniosa que procuravam descobrir – sendo esta autoridade o corpus iuris civilis.

Utrumque Ius – Direito Romano e Direito Canónico

O ressurgimento do direito canónico, motivado pelo trabalho desenvolvido em Bolonha, levantou alguns problemas, a nível da concordância mútua das respetivas disciplinas. Por volta do séc.XIII, direito civil e direito canónico igualam-se em importância, numa realidade que se dá pelo nome de utrumque ius, um e outro direito. É este sistema que constitui a base do ius commune. A convivência entre os dois ordenamentos nem sempre era pacífica, já que as respetivas jurisdições nem sempre estavam muito bem delimitadas. Muitas eram as situações de vida quotidiana que suscitavam a apetência da jurisdição eclesiástica que, em teoria, se deveria restringir ao restrito domínio das matérias de foro espiritual. Gradual ascensão do direito canónico lado a lado com o direito civil (direito imperial), mostrou-se imparável. Ao mesmo tempo, cada vez era maior a quantidade de legislação emitida pelos pontífices, manifestando estes assim o seu crescente poder. Comentadores e Ius Commune O que verdadeiramente distingue glosadores de comentadores é a abertura, destes últimos, a nível do ensino e da prática jurisprudencial, aos direitos particulares ou iura própria. Os glosadores tinham como objeto exclusivo de trabalho textos do corpus iuris civilis e compilações de direito canónico, mostrando desprezo pelos direitos particulares das comunidades. Falar num direito comum (elementos de direito imperial e canónico) só faz sentido a partir do momento que reconhecemos a vigência dos direitos particulares. E este momento só se dá com os comentadores. A autoridade política conquistada por várias cidades italianas levava-as a exigir uma determinada autonomia jurídica, que certamente não se compadecia com uma absoluta submissão ao direito romano-canónico (ius commune). No momento em que se torna impossível não reconhecer a existência e o valor dos estatutos municipais, dos costumes locais, da legislação dos príncipes e monarcas europeus, do direito feudal…toma verdadeiramente sentido a distinção entre ius commune e iura propria, tornando-se o primeiro supletivo em relação ao segundo. Entre o ius commune e o iura própria existe uma relação de dependência, uma vez que cada um se afirma conforme os ditames do outro. O direito comum, romano-canónico, não se limita a suprir falhas dos direitos particulares. Ele é um direito comum a todos os povos.

Bártolo de Saxoferrato Fixa relação entre ius commune e direitos próprios, em particular os direitos dos municípios Italianos. Surge a teoria estatuária, entre os sécs XIV e XV, segundo a qual se reconhece ao lado da vigência subsidiária comum, do direito romano-canónico, a vigência preferencial em cada cidade do seu direito estatuário.

Distingue-se pela elaboração e recolha de comentários até aí dispersos. Tarefa semelhante à de Accursius relativamente às glosas. Destacou-se, a par de baldo de ubaldis, pela redação de concilia a pedido de magistrados. Género literário fulcral para os comentadores introduzirem na prática o direito romano. Baldo de Ubaldis Discípulo de Bártolo. Domina o panorama jurídico na segunda metade do séc.XIV. A sua obra compreende vários comentários ao direito romano-canónico, bem como vários concilia (em analogia com os pareces jurídicos contemporâneos). Surge com este uma nova fonte de direito (communis opinio doctorum).A crescente independência face aos textos autoritários, operou a transferência dessa mesma autoridade dos textos para os autores que os comentavam. O recurso ao argumento de autoridade e a citação de opiniões alheiras, de anteriores intérpretes, tornou-se a certa altura verdadeiramente abusiva. A dada altura, as opiniões dos doutores substituíam as decisões jurisprudenciais. Quando sobre uma questão debatida, se formava uma opinião conciliadora, formava-se uma communis opinio, pela coincidência das opiniões de vários juristas notáveis, era muito difícil conseguir que na prática prevalecessem contra ela opiniões novas, por muito razoáveis que fosse....


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