Resenha do artigo “Algumas Formas Primitivas de Classificação\", de Marcel Mauss e Émile Durkheim. PDF

Title Resenha do artigo “Algumas Formas Primitivas de Classificação\", de Marcel Mauss e Émile Durkheim.
Author Carolina Costa Moreira
Course Optativa do Ciclo Básico de Ciências Sociais I
Institution Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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Summary

O artigo a ser analisado, Formas Primitivas de foi escrito por Marcel Mauss e Durkheim e faz parte do livro de Marcel Mauss foi um importante e do XX, sobrinho de Durkheim, outra figura de destacada na das sociais. O argumento que norteia os autores neste artigo em a do aspecto social nas formas de ...


Description

O artigo a ser analisado, “Algumas Formas Primitivas de Classificação”, foi escrito por Marcel Mauss e Émile Durkheim e faz parte do livro “Ensaios de Sociologia”. Marcel Mauss foi um importante antropólogo e sociólogo do século XX, sobrinho de Émile Durkheim, outra figura de destacada importância na história das análises sociais. O argumento que norteia os autores neste artigo em questão, é a relevância do aspecto social nas formas de classificação. Os autores introduzem o texto tecendo uma crítica aos segmentos de sua época, como da Lógica e da Psicologia, que costumavam atribuir à psicologia individual a função classificadora da realidade. Entretanto, Mauss e Durkheim ressaltam o caráter social que se encontra fortemente expresso na lógica das classificações, argumentando ainda que, devido a isto, caberia à Sociologia descrever e explicar a gênese de tais noções. O que se fazem, de início, uma evidência em favor do caráter social das classificações é a maneira como “nós” (deduzo tratar-se do pensamento ocidental de maneira genérica, com esboço especial na Europa) entendemos a classificação através de contornos nítidos e bem definidos. Está noção teria sido pela primeira vez expressa por Aristóteles, e veio a fundar mais tarde o pensamento científico e racional do qual nos

valemos. Em oposição a estas fronteiras de pensamento claramente demarcadas, estaria,

segundo os autores, o pensamento religioso, os mitos e a literatura popular, cuja permanência dava-se até sua época, pelo princípio de sobrevivência (formulação teórica de Mauss).

Estas formas de pensamento, tidas como menos evoluídas, seriam

embaçadas,

embaraçadas.

Ou,

diante

de

palavras

do

próprio

texto:

“Ora, o que elas [as classificações primitivas] supõem é a crença na transformação possível das coisas mais heterogêneas umas nas outras e, por conseguinte, a ausência mais ou menos completa de conceitos definidos.”

(p.401)

A partir daí, os autores fazem algumas considerações. Depois passarão a exaustiva análise de formas de classificações, que consideram primitivas, para respaldarem seu argumento de que as são

estruturadas

tomando

como

classificações, na verdade,

medida

a

realidade

social.

É feito um paralelo entre o pensamento religioso e a visão centrada no indivíduo, oferecida pela Psicologia. Ambas teriam em comum a interpretação dos

pensamentos como um “fluxo contínuo de interpretações” (p.402), caracterizada por ser uma leitura fragmentária. Ou autores ressaltam que nosso pensamento jamais teria saído desta configuração, sem a ação da “educação”, que por

sua

vez,

foi

o

que

possibilitou

desenvolvimento

o

histórico.

Durkheim e Mauss questionam a ideia (proveniente do Estoicismo, apesar de isto não estar pontuado no texto) de que, de alguma maneira, a classificação humana estaria dada naturalmente, como se fosse própria das coisas que existem ou inerente ao homem, como indivíduo. Neste sentido, eles introduzem a palavra como elemento de refutação à esta hipótese “espontânea” de classificação. Apesar de a palavra possuir evidente importância no ato de classificação, não

explica,

por

ela

mesma,

a

origem

das

ideias,

que

a

precedem.

O segunda refutação se evidencia pela hierarquia dos conceitos. “ Toda

classificação implica uma ordem hierárquica da qual nem o mundo sensível nem

nossa consciência nos oferece o modelo. Deve-se, pois, perguntar onde fomos procurá-lo.” (p. 403)

Os

próprios

apresentam

termos em

si

(palavras)

aos

quais

recorremos

noções

de

hierarquia

que

para

classificar,

sugerem

uma

conexão “extra-lógica”, deontológica às coisas em si. Tome-se por exemplo termos como “gênero” que primitivamente significavam um “grupo familiar”. Feitas estas observações preliminares, os autores passarão então a se dedicar à exposição das formas de classificação, ditas primitivas. Irão, primeiro, se debruçar longamente sobre as tribos australianas. Demonstrarei a seguir, de forma genérica e resumida, os principais pontos observados por Mauss e Durkheim nestas

comunidades,

sem

me

ater

a

especificidades,

que

seriam

muitas.

Sumariamente, todas as tribos estudadas apresentavam três elementos chaves em seus sistemas de classificação. As fratrias, os clãs e os totens. As fratrias são um sistema de classificação bipartido em que todas as coisas são divididas em duas categorias, às quais chamamos, cada uma, fratria. Em relação à estes dois gêneros assim separados, algumas comunidades ainda apresentam subfratrias, e subtotens. Estas subfratrias são, por sua vez, os clãs, organizados cada qual segundo seu totem (e, se houver,

subtotens).

O importante observado nestas formas de classificação é que elas são uma intrincada rede de significados que orienta pensamentos, previsões, ações e

matiza homens e objetos naturais segundo suas características; “força” a qual os autores dirão ser um verdadeiro poder. coercitivo. Dessa forma, Mauss e Durkheim afirmam: “ [...] se o totemismo é, de um lado, o agrupamento dos homens em clãs de com

acordo

os objetos naturais (espécies totêmicas associadas), é também, inversamente, um

agrupamento

dos

objetos

naturais

segundo

os

agrupamentos

sociais”

(p.409)

É nesta proposição que se encontra o argumento importantíssimo sugerido pelos

autores,

o

“traço

social”

que

orienta

as

classificações.

No entanto, os autores fazem uma ressalva. Apesar destas diferenciações presentes nas classes nativas, o aspecto de categorias não fortemente definidas permanece dentro delas. Isto porque é como se as coisas “interiores” a um determinado clã, ou fratria, seja um homem, uma ave, ou um objeto, permanecem sem distinção, constituindo uma unidade identitária entre si. Assim nos mostra o seguinte

trecho:

“As divisões sociais aplicadas à massa primitiva das representações puderam sem dúvida estabelecer um certo número de quadros delimitados, mas o interior destes quadros permaneceu nem estado relativamente amorfo que dá mostras da lentidão e da dificuldade com a qual se estabeleceu a função classificadora”

(p.411)

Além disto, os autores comentam sobre a “aleatoriedade” da relação entre as classificações, sem que houvesse possíveis princípios que as orientassem. Por exemplo, uma razão associativa que poderia haver entre o sol, a cacatua branca e o verão poderia ser a cor, o fato de serem todas coisas claras. Porém, ao questionarem o nativo sobre qual a possível classificação de um touro, por exemplo, ele não pode oferecer uma resposta imediata, e teve de elaborar uma justificativa, que não recorre à tradição. O trecho retirado da página 411, cristaliza a forma com que os autores caracterizam a classificação australiana como “primitiva.” O movimento realizado por eles é o de opor as noções presentes nestas comunidades nativas à maneira “racional”, fortemente calcada na razão, com a qual se construiu o pensamento e a lógica ocidental. Ao falarem sobre “a lentidão e a dificuldade com a qual se estabeleceu a função classificadora” fica passível de dedução que há aí, uma “linha de evolução” sendo posta nas maneiras de classificar.

Por fim, antes de darem início aos comentários acerca de outras formas de classificação, Mauss e Durkheim fazem um interessante comentário: “ [...] depois de ter descrito as diferentes variedades do referido sistema de maneira objetiva, tais como funcionam nestas sociedades, seria interessante saber de que maneira o australiano as representa; qual a noção que ele tem das relações que medeiam entre os grupos das coisas assim classificadas. Poderíamos, assim, dar-nos conta melhor daquilo que são as noções lógicas

do

primitivo

e

da

maneira

pela

qual

elas

se

formaram.”

(pág.

413)

***

Dando prosseguimento ao texto, os autores apresentam o sistema “divinatório astronômico, astrológico, geomântico e horoscópico” (pág. 442) encontrado na China, e de maneira geral em todo o Extremo Oriente, sobre o qual dizem ser d os mais surpreendentes. É um sistema complexo que rege todos os pormenores da vida e parece englobar tudo. Justamente por sua extensão e amplitude magnânima, os autores se propõem a apresentá-lo em linhas gerais e naquilo que concerne às características comuns encontradas nos sistemas de classificação australianos também. Introduzindo os comentários acerca das linhas mais gerais, é dito: “a lista das espécies de seres, de acontecimentos, de atributos, de substâncias, de acidentes assim classificados, sob a rubrica dos oito poderes é verdadeiramente infinita. Esgota à

maneira

de

uma

gnose

ou

de

uma

cabala

a

totalidade

do

mundo”

(p.443)

Quê os autores comentem, há a classificação entre os oito poderes e uma outra que reparte as coisas em cinco elementos, sendo eles: terra, água, bosque, metal e fogo. Não era sabido se estas duas classificações concorriam, se eram derivadas uma da outra, ou complementares. O fato é que as duas funcionavam da mesma maneira, sendo-lhes atribuídas coisas, Durkheim

como e

acontecimentos

Mauss

pontuam

históricos

também

um

e papel

as mais diversas catástrofes

de

naturais.

“agência”,

digo

consciente, do pensamento chinês, ou dos chineses, em tornar denso este sistema de classificação,

o

que

pode

ser

entendido

melhor

na

seguinte

passagem:

“Para poder adaptar aos fatos os princípios sobre os quais se baseia este sistema, ele

[o pensamento chinês] multiplicou, complicou, sem se cansar, as divisões e as subdivisões dos espaços e das coisas. Nem mesmo se atemorizou com as contradições mais expressas” (p. 444)

ou através desta: “É que estamos na presença de um caso, particularmente típico, onde o pensamento coletivo trabalhou, de maneira refletida e sábia, sobre temas evidentemente primitivos.” (p.446)

Seguindo, os autores chamam atenção para um ponto interessante encontrado no sistema chinês, mas também em outros sistemas de classificação estudados. Este ponto é a associação entre tempo e espaço. A relação que os chineses estabeleceram entre as estações, os dois ciclos que consideram, as subdivisões destes e a rosa-dos-ventos, é um exemplo disto. Desta maneira, é como se o “tempo” fosse vestido em suas próprias simbologias, as coisas em constante mudança, através dais quais se permite manifestar. “Evidentemente, estamos diante de uma multidão de classificação entrelaçadas e que, malgrado suas contradições, cingem a realidade bastante de perto para poderem guiar assaz utilmente a ação” (p.446)

Mauss

e

Durkheim

argumentam

em

seguida

que,

apesar

de

parecer

tratar-se de um complexo sistema, ele se sustenta pelos mesmos princípios de

classificação

rudimentares

encontrados

em

outras

sociedades.

“A classificação das coisas em oito capítulos, ou oito poderes, dá uma verdadeira divisão do mundo em oito famílias, comparável, salva a ausência da noção de clã, às classificações australianas.” (p. 446)

E não só os modos de classificação australiana se assemelham aos modos chineses, mas também os modos de “culturas mais cultivadas” , o que seria o caso dos gregos em relação à sua mitologia. A ação de atribuir determinadas características, elementos ou acontecimentos à um deus equivaleria às rubricas genéricas, fratrias e totens com os quais os nativos australianos “matizavam” sua realidade. Os autores comentam ainda que, em essência, o pensamento mitológico, nada mais é que um princípio de classificação, aparentado ao científico, mas que haure seus princípios em origens religiosas. Em suma, Durkheim e Mauss vem a defender que, analisadas todas as sociedades a que se propuseram: grega, australiana, chinesa (e indiana); é possível perceber que:

“ as classificações primitivas não constituem [...] singularidades excepcionais, sem analogia com aquelas que estão entre os povos mais cultivados; ao contrário, parecem ligar-se, sem

solução

de

continuidade,

às

primeiras

classificações

científicas.”

(pág.

450)

Seriam evidências disto os sistemas dispostos em ordens hierarquizadas e também a forma de relação que as classificações mantém, preservando seus “limites” , mas ao mesmo tempo constituindo um conjunto uno. Além disto, a classificação científica, assim como as outras estudadas, são todas especulações acerca da realidade, que possuem finalidade primeira tornar inteligíveis as relações entre os seres, antes mesmo de quererem constituir-se como modo de orientação à ação. As formas de classificação são, portanto, um produto da necessidade humana de relacionar as ideias entre si, constituindo liga entre elas, para que, de alguma forma, o conhecimento possa ser

unificado,

agrupado.

Concluem

os

autores

sobre

este

raciocínio:

“Pode-se, portanto, pensar que as condições de que dependem tais classificações muito antigas não deixaram de desempenhar um papel importante na gênese da função classificadora em geral.” (p. 451)

Retomando e lapidando o argumento base do texto, os autores colocam: “ A sociedade não foi simplesmente um modelo segundo o qual o pensamento classificador teria trabalhado; foram seus próprios quadros que serviram de quadros ao sistema. As primeiras

categorias

lógicas

foram

categorias

sociais;

as

primeiras

classes

de

coisas

foram classes de homens nas quais tais classes foram integradas. Foi porque os homens estavam agrupados e viam-se em pensamento em forma de grupos que agruparam idealmente os outros seres, e as duas maneiras de agrupamento começaram a confundir-se a ponto de se tornar indistintas.” (p.

451)

Ou seja, segundo os autores a classificação “real”, a classificação, antes de tudo, social, precede as classificações mentais do indivíduo. As classificações mentais teriam surgido em função da observação empírica dos homens que já encontravam-se organizados em grupos, em fratrias, em clãs. É como se a ordem social concreta antecedesse a tomada de consciência desta mesma. Tomada a consciência, esse modo de classificar é então “estendido”, levado aos demais seres da natureza e elementos

da

realidade.

E ainda, Mauss e Durkheim afirmam que os próprios vínculos que unem sejam

os seres de um mesmo grupo, seja os diferentes grupos entre si, são concebidos como vínculos sociais. Desta forma, “as relações lógicas constituem então, em certo sentido, relações domésticas” (p.452). É posta à tona a questão da afetividade.

“Segue-se,

pois,

doméstica,

social,

que

os

etc.

mesmos

presidiram

sentimentos também

que

tal

estão

repartição

na

base

lógica

da

das

organização

coisas.”

(p.453)

“ São, portanto estados de alma coletiva que deram origem à estes agrupamentos e, ademais, tais estados são manifestadamente afetivos, sentimentais entre as coisas assim como entre os indivíduos, e é de acordo com estas afinidades que elas são classificadas” (p.453)

Os autores argumentam que os sentimentos são superiores às ideias puras na lógica de classificação, uma vez que, como colocado, são eles que orientam as relações sociais, domésticas. Já que a ordem dada às demais relações são

um

reflexo

elas

também

daquela

organizadas

que de

se

configura

maneira

no

afetiva,

ou

âmbito

social,

seja,

aquilo

seriam que

é

favorável ou desfavorável, sagrado ou profano, amigo ou inimigo, etc. Entretanto, está lógica afetiva que se encontra nos primórdios das classificações, teria gradativamente cedido lugar à lógica racional-científica, como entendemos mediante à leitura do trecho que segue abaixo. Apesar de os autores também afirmarem que estas influências longínquas estavam bastante longe de deixar de

se fazer

sentir e

deixando um

efeito

poderoso

atrás

de

si.

“ [...] a história da classificação científica é, em última análise, a própria história das etapas no decurso das quais este elemento de afetividade social se enfraqueceu progressivamente, deixando sempre mais o lugar livre ao pensamento refletido dos indivíduos.”

(p. 455)

Por fim, Mauss e Durkheim ressaltam ainda mais uma vez a importância das Ciências Sociais no estudo da gênese das classificações e nas operações lógicas, de maneira mais genérica. Pontuam como se pode perceber, através do estudo que realizaram, que as classificações variam de acordo com o momento histórico no qual estão inseridas. Este fato demonstra a relevância do aspecto social em estudos que antes somente áreas como a psicologia e a metafísica possuíam favor de se aventurar....


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