Análise Sartreana do Filme Shine PDF

Title Análise Sartreana do Filme Shine
Author Débora Sabatini Marques
Course Psicologia existencialista
Institution Universidade do Sul de Santa Catarina
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Summary

Análise Sartreana do Filme Shine...


Description

UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA CURSO: PSICOLOGIA ACADÊMICAS: BRUNA MEIRA E DÉBORA SABATINI PROFESSORA: ZULEICA PRETTO

Análise Existencialista do Filme Shine O presente trabalho pretende elaborar uma análise do filme australiano "Shine" através dos textos de psicologia sartreana discutidos na Unidade de Aprendizagem "Intervenções Psicoterapêuticas Com Base na Psicologia Fenomenológica I". A partir disso, pretende-se então identificar e relacionar algumas cenas do filme com as teorias sartreanas abordadas em sala de aula. O filme australiano "Shine", produzido em 1996 e dirigido por Scott Hicks, narra a história real do pianista David Helfgott e o modo como se dá a relação com sua família - principalmente com o pai. Desde criança, David é influenciado pelo pai em relação à tomada de decisões e, consequentemente, na construção da trajetória de vida. Pode-se dizer assim que o principal foco do filme é demonstrar o impacto que essa situação traz para sua vida adulta, já que são desencadeados diversos traumas a partir dos conflitos gerados entre pai e filho. Pode-se considerar, a partir de Schneider (2011, p. 128), que o projeto se caracteriza pela busca do sujeito em realizar o seu ser, assim como, Sartre (1943/2001 apud Pretto, 2013, p. 625) descreve que o projeto é aberto para aquilo que ainda não é, tendo em vista que a especificidade do indivíduo é ser desejo. Ao voltar para a perspectiva de Schneider (2011, p. 128), temos que o projeto é concretizado pelo desejo de ser, a partir de escolhas cotidianas que irão mover e definir o ser. Conforme Sartre (1996 apud Schneider, 2011, p. 158) diz “a existência precede a essência”, pode-se afirmar que não há uma essência pré-determinada, há um processo de personalização do sujeito, a partir da liberdade de escolha que ele tem sobre a constituição do seu Eu. A escolha do sujeito, independente de qual seja, será a

única resposta verdadeira, haja vista que ele fez a escolha de forma autêntica que, por sua vez, se apoiou em seus próprios valores. No filme, tal questão é apresentada quando a menina mostra interesse em David e o pai o chama para evitar esse tipo de relacionamento, já que esse tipo de envolvimento vai contra os princípios morais do pai. Outra situação apresentada no filme é quando David, ao falar com a escritora, afirma ter interesse em jogar tênis, representando aí, mais uma vez, as escolhas passivas em relação ao seu projeto, já que ele só se manifesta em relação a outros possíveis campos de interesse nesse momento específico do filme. Dessa forma, ele ignora traços de sua própria personalidade para satisfazer o desejo do pai, assim tais cenas demonstram como os valores do pai são impostos para o filho, sendo que este acaba não tendo voz para escolher o que realmente quer e o que gosta de fazer. Sendo assim, a partir de Pretto (2013, p. 625), temos a ideia de que a constituição do sujeito se dá a partir da relação, seja com a materialidade, com o tempo, com o corpo, ou com os outros. Assim, ela nega a ideia de determinismo biológico, cultural ou psíquico, em que há uma tentativa de encaixar o sujeito como se ele nascesse para um determinado propósito. Tal questão pode ser notada na primeira cena do filme, em que o menino já está de certa forma encaminhado para a vida de pianista. Por isso, compreende-se por meio de Pretto (2013, p. 625), que na infância, a consciência de primeiro grau, irrefletida, não posicional de si, espontânea e alienada acontece de forma mais ativa, já que a criança ainda está em processo de construção de sua capacidade reflexiva para se distanciar do objeto e conseguir analisá-lo e questioná-lo. A partir disso, pode-se considerar que há dois planos de experimentação do eu,

 Moi. O  primeiro diz respeito ao eu que, por sua vez, aparece definido por Sartre, Je e de forma reflexiva e um tanto quanto crítica em relação à si mesmo - o sujeito se torna seu próprio objeto de observação, já que há um distanciamento. Enquanto isso, o segundo termo designa o eu de forma passiva e alienada, que é conhecido também como consciência de primeiro grau. Pode-se relacionar tal pensamento com a postura

tomada por David ao escolher morar fora do país para concretizar sua escolha, ou seja, há uma ruptura parcial com a alienação de si mesmo, já que ele começa a pensar por si só e sobre si. Por este motivo, levando em consideração o pensamento de Schneider (2011, p. 158), a personalidade é o resultado da dialética constante entre a objetividade (em-si) e a subjetividade (para-si). A objetividade, por sua vez, está relacionada à materialidade, ao tempo, aos outros, aos valores sociais e culturais. Já a subjetividade, é configurada por meio da totalização das relações que o sujeito estabelece com o mundo, bem como, seus estados, ações e emoções. Dessa forma, assume-se que qualquer pessoa constitui a sua personalidade em sua dinâmica psicológica entre sua face ativa (je) e sua face passiva e psicofísica (moi) . É possível afirmar assim, segundo Schneider (2011, p. 162), que o saber de ser é formado a partir do processo de singularização do indivíduo, por meio de escolhas cotidianas. Em relação ao filme, portanto, pode-se afirmar que David também está implicado nesse processo de interiorização e exteriorização do contexto sócio-histórico, já que fica claro como sua personalidade vai tomando diferentes formas. Entende-se que quando ainda criança, se mostrava passivo às escolhas do pai, e após sua ruptura, passa a agir de maneira reflexiva. Porém, seguindo a reflexão de Schneider (2011, p. 233), deve-se entender que, após o colapso de David em meio a sua apresentação, seu mundo está inseguro, na medida em que ele está inseguro em seu ser. A partir daí, passa a abdicar de sua personalidade e sua autonomia, o que, partindo de uma perspectiva sartreana, leva na renúncia de seu ser sujeito, já que ele interrompe o projeto de ser, como pianista. Nota-se que David sente muita pressão em cima de suas realizações já que para o pai, o filho precisava vencer sempre. Esse fato é apresentado no começo do filme quando David ainda é criança e apesar de não ganhar a competição, tocou plenamente, ganhando até uma oferta de um professor de música. Porém o pai não estava satisfeito, pois para este, David deveria ser o melhor e isso só poderia ser feito através de uma ajuda constante dele.

Quando a criança está inserida na placenta social, como no caso de David, que está em um contexto controlador, no qual o pai molda o projeto do filho a partir dos seus valores que guiam a sua própria existência, mas não a do filho. Considera-se que essa relação representada pela pressão social, limita as escolhas de David e é caracterizada pelo dever ser. Porém, tal pressão atinge proporções tão grandes que o pai usa da violência física como instrumento para que o projeto permaneça. Entretanto, David passa pelo momento que Schneider (2011, p. 163) menciona como “nascimento existencial”, em que o sujeito se liberta e não aceita mais as imposições do pai, de maneira que consegue formar a sua essência por meio de sua escolha de mudar para a Inglaterra e viver de maneira ativa com base em seus valores - configurado pelo poder ser, onde ele expressa sua liberdade. Seguindo a perspectiva sartreana, é possível que o sujeito escolha seu fim, pois ele é um ser livre em um contexto onde há apenas o ser e o nada. Isso quer dizer que não existe nada nos impelindo a agir de determinada forma, pois somos livres. Cada sujeito deve criar seus próprios valores, para que estes possam guiar a sua existência para a partir daí construir sua essência. No entanto, no caso de David, a situação não é exatamente essa, já que há a presença do pai, que por sua vez, compele as suas escolhas constantemente. Cabe à este se posicionar e construir seu caminho, por mais que haja uma complicação psicológica articulada com o social. Como afirma Schneider:

A complicação psicológica passa, portanto, pela insegurança na realização do projeto, ou ainda, pela inviabilização do projeto e do desejo de ser. Não podem ser confundidos dois conceitos: o de “ser” e o de “viabilizar-se”. Pode ocorrer de o sujeito ser sujeito e não se viabilizar, ou seja, ter seu projeto interrompido, seu desejo de ser barrado e, assim, inviabilizar-se enquanto ser; ou, a pessoa ter um projeto, mas este projeto ser cortado, por alguma circunstância do contexto antropológico, fazendo com que se experimente inviabilizada (SCHNEIDER, 2011, p. 229).

A partir dessa constatação, podemos afirmar que o protagonista do filme é um sujeito e possui um projeto de ser. Porém, o pai inviabiliza o projeto de ser do filho,

impedindo ele de viver novas experiências, e determinando que o lugar de David deveria ser ao lado da família. Outro aspecto que pode ser destacado a partir do filme é acerca do mosaico de reportagens confeccionado pelo pai, no qual se tem registrado as conquistas do filho. Há uma cena inicial do filme em que mostra o pai, em uma certa noite, apreciando a trajetória que o filho vira a caminhar, já que o projeto-de-ser que o pai construiu para o filho estava realmente acontecendo, conforme ele esperava. No decorrer da história, entretanto, o pai entra em conflito com o seu filho pelo motivo de que este começa a construir seu próprio rumo e fazer suas próprias escolhas - condição básica para o processo de personalização do sujeito. A partir daí, o mosaico passa a ter outro significado, pois a situação já não é mais a mesma. Por esse motivo o pai, ao pegar o objeto, sente raiva e decide queimá-lo, considerando que tanto o contexto como a relação entre os indivíduos em questão são, agora, diferentes. Pode-se dizer então que “a função dos objetos sobre o ser dos sujeitos depende do contexto em que se inscrevem” (SCHNEIDER, 2011). Contudo, o presente trabalho evidencia uma articulação essencial entre teoria e prática, de modo que ambas se inter-relacionam. Portanto, é possível afirmar que há um melhor entendimento acerca das teorias de Sartre, já que estas se tornam mais claras quando analisadas a partir do filme Shine. Além disso, na confecção do trabalho, houve uma reflexão constante entre a dupla para que fosse possível atingir uma discussão elaborada sobre o filme e os estudos feitos ao longo do semestre.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Pretto, Z. (2013). A infância como acontecimento singular na complexidade dialética da história. Psicologia & Sociedade, 25 (3), 623-630 Schneider, D. R. Sartre e a Psicologia Clínica. Florianópolis: Carolina Pinheiro, 2011....


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