Por uma História das Mulheres: O Partido Republicano Feminino e o seu negligenciamento PDF

Title Por uma História das Mulheres: O Partido Republicano Feminino e o seu negligenciamento
Course História do Brasil III
Institution Universidade Estadual de Campinas
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Summary

Este trabalho fala sobre o Partido Republicano Feminino no Brasil sob a perspectiva de Leolinda de Figueiredo Daltro, que foi uma das idealizadoras do partido e reivindicou o direito de voto das mulheres através de uma falha na constituição brasileira, à qual não dizia que as mulheres não tinham o d...


Description

POR UMA HISTÓRIA DAS MULHERES: O Partido Republicano Feminino e o seu negligenciamento “Mil nações Moldaram minha minha cara Minha voz Uso pra dizer o que se cala Ser feliz no vão, no triste, é força que me embala O meu país É meu lugar de fala” (Elza Soares - O Que Se Cala)

A EMANCIPAÇÃO FEMININA

A luta pela emancipação feminina vem crescendo nos últimos anos. Os movimentos que reivindicam igualdade de gênero entre homens e mulheres ganharam mais força no século XXI. Contudo, a resistência feminina não foi constituída apenas no momento atual. Existe uma história que antecede ao cenário no qual estamos inseridos. O movimento sufragista da Inglaterra é muito influente mundialmente no que diz respeito a resistência das mulheres e também das suas conquistas. Pensando no Brasil, o que a história nos diz sobre a luta das mulheres? Ela existiu? Essa história é contada? Seguindo na linha destes questionamentos, o presente trabalho tem como objetivo enaltecer os movimentos de mulheres brasileiras que resistiram ao sistema patriarcal que era - e ainda é - vigente no Brasil. O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise de fontes, que serão apresentadas ao longo do desenvolvimento do mesmo, com o intuito de enaltecer essa história que é negligenciada no Brasil.

UMA HISTÓRIA NEGLIGENCIADA

“Os conceitos se mostravam estreitos demais para pensar a diferença, aliás, masculinos, muitas vezes misóginos, precisavam ser transformados, abandonados, questionados, refeitos. Como lembra Elizabeth Grosz, não se tratava afinal de um simples esquecimento das mulheres de um campo neutro e objetivo de conhecimentos: ‘Sua amnésia é estratégica e serve para assegurar as bases patriarcais do conhecimento.’” (Rago, 1998, pp. 9) A supervalorização de trabalhos produzidos por homens na ciência¹ é consequência do patriarcalismo presente na organização das sociedades ocidentais. Como ressaltado no trabalho “Epistemologia feminista, gênero e história”, da Dra. Margareth Rago, as práticas masculinas são mais valorizadas e hierarquizadas em relação às femininas². Nesse sentido, o negligenciamento de trabalhos feitos por mulheres tem como consequência esse apagamento intrínseco, seguido da desvalorização não só da história que as mulheres fizeram parte, como também da história que elas têm para contar. A História das Mulheres começou a fazer parte da historiografia a partir da década de 1970. A história tradicional construída, majoritariamente, por discursos misóginos, passa a ser criticada, com mais força, a partir desse momento.

“A historiografia feminista segue os mesmos parâmetros (que a desconstrução de Derrida, a arqueologia da Foucault, a teoria crítica marxista, a história social e conceitual dos historistas alemães, a historiografia das mentalidades), pois tem seu caminho metodológico __________________________________________________________________________ ¹RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. In: PEDRO, J.; GROSSI, M. (orgs.)Masculino, Feminino, Plural. Florianópolis: Ed. Mulheres,1998. ²Ibidem, pp 4

aberto para a possibilidade de construir as diferenças e de explorar a diversidade dos papéis informais femininos.”³ Diferente da proposta da história tradicional e seguindo no caminho da Nouvelle Histoire, ou Nova História, que é a corrente que surgiu nos anos 70 com a terceira geração de

Annales, a historiografia feminista propõe estudar a história em diferentes camadas. A análise do Partido Republicano Feminino que será feita neste trabalho partirá dessa nova corrente citada acima, visando enaltecer essa história que não é contada.

LEOLINDA DE FIGUEIREDO DALTRO

A precursora do Partido Republicano Feminino, professora Leolinda de Figueiredo Daltro, nasceu na Bahia em 1859. Além de ser ativista na emancipação feminina, também era uma ativista da causa indígena. Escreveu o livro “Da Catechese dos Índios do Brasil” (1896-1911), onde defendia uma catequese laica para os indígenas⁴ . Também dava aulas noturnas para mulheres e crianças que não tinham condições de seguir um ensino regular, devido a necessidade de trabalhar. Na militância em prol ao direito das mulheres, Leolinda atuou no apoio à candidatura de Hermes da Fonseca. A partir de uma congregação de mulheres que faziam parte da fundação Junta Feminil Pró-Hermes, que mais tarde foi rebatizada como Partido Republicano Feminino (PRF). Presidindo o PRF, Leolinda promovia grupos de debates entre mulheres, onde questionava a “superioridade”, que negava às mulheres, por exemplo, o direito ao voto ou a ser votada. Entre essas reivindicações, a Prof. Daltro, como era conhecida nos Jornais, também reivindicava outros direitos, que serão mostrados mais a frente, para garantir a cidadania feminina.

___________________________________________________________________________ ³Maria Odila Leite da Silva Dias - “Teoria e método dos estudos feministas: perspectiva histórica e hermenêutica do cotidiano”, in Albertina de O. Costa e Cristina Bruschini ⁴KARAWEJCZYK, Mônica. Os primórdios do movimento sufragista no Brasil: o feminismo “pátrio” de Leolinda Figueiredo Daltro. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 40, n. 1, p. 64-84, jan.-jun. 2014 pp.72

ANÁLISE Com o intuito de fazer uma análise sobre o Partido Republicano Feminino e o seu negligenciamento, serão utilizados como fonte:

● O Santinho de candidatura à Constituinte de Leolinda Figueiredo Daltro ● Periódicos do Diário Oficial da União, de 17 de dezembro de 1910, onde está o estatuto do PRF ● Periódicos do Jornal A Rua, do Rio de Janeiro “O campo das experiências históricas consideradas dignas de serem narradas ampliou-se consideravelmente e juntamente com a emergência dos novos temas de estudo, isto é, com a visibilidade e dizibilidade que ganharam inúmeras práticas sociais, culturais, religiosas, antes silenciadas, novos sujeitos femininos foram incluídos no discurso histórico, partindo-se inicialmente das trabalhadoras e militantes, para incluir-se, em seguida, as bruxas, as prostitutas, as freiras, as parteiras, as loucas, as domésticas, as professoras, entre outras.” (RAGO, 1998)

I.

A IDEALIZAÇÃO DO PARTIDO REPUBLICANO FEMININO

Em um contexto onde a República havia sido instaurada e a cidadania feminina ainda era incompleta, o “despertar” dos movimentos feministas crescem demasiadamente, principalmente no que diz respeito ao sufrágio. Neste seguimento, as mulheres brasileiras também mostram a sua luta. Há controvérsias na declaração do artigo 70 da constituição de 1891. Ainda que não fosse declarado explicitamente que o direito ao voto era apenas concedido aos homens, entendia-se que as mulheres não poderiam votar, pelo fato do alistamento ser obrigatório apenas para homens.

Art. 70:“São eleitores todos os cidadãos maiores de 21 anos que se alistarem na forma da lei” (Constituição Brasileira de 1891)

“Se a intenção dos legisladores não foi explícita ou intencional de deixar de fora as mulheres, uma vez que a desigualdade entre mulheres e homens era tácita, certamente, pela naturalidade com a qual aquelas já eram consideradas excluídas, e, portanto, ao aplicar o artigo, as mulheres foram eliminadas.” (Tabak, e Toscano, 1982)

Nessa condição, onde a mulher não votava, Leolinda Daltro, em sua militância, reivindicou, em fevereiro de 1917 seu direito a se eleger. Isso foi noticiado pelo Jornal A Rua, do Rio de Janeiro.

Fala de Leolinda: “Pois não. É para realmente exercer o direito do voto. Sou cidadã brasileira, exercendo o cargo público, pagando os impostos que me cabem, de direito, pagar. A lei eleitoral diz poderem ser eleitores ‘todos os cidadãos brasileiros’, maiores de 21 anos. Existe alguma distinção de sexo? Não. Logo, nada mais natural que requerer o meu título de eleitora.”

O que Leolinda fez, foi procurar uma abertura dentro da constituição para reivindicar o seu direito ao voto. Ainda com essa reivindicação, anos se passaram até que ela conseguisse se eleger. Entretanto, a partir dessa atitude, a atenção que a mídia passou a dar para o PRF e os passos que a Prof. Daltro dava para alcançar o que não só ela, mas também outras mulheres almejavam, fortaleceu a visibilidade do partido. Em 1934, ela se elegeu para constituinte. No santinho de sua candidatura, era enaltecida sua campanha feminista e também a sua militância no movimento.

Santinho de Candidatura - Leolinda de Figueiredo Daltro, candidata a Constituinte em 1934 ARQUIVO PÚBLICO

“(...) de se observar os usos sexualmente diferenciados dos modelos culturais comuns aos dois sexos; de se definir a natureza da diferença que marca a prática feminina; e da incorporação feminina da dominação masculina.” (RAGO, 1998) Acredito que a proposta de Rago, no seu artigo mencionado na introdução deste trabalho, conversa muito com a época em que Leolinda vivia. Isso acontece, porque não houve uma ruptura completa do sistema patriarcal. Esse fato é evidenciado quando ao falar de

um partido que foi construído em 1910, presidido por uma mulher que tinha suas práticas barradas, se assemelha ao que, em 1998, é evidenciado por Margareth Rago ao falar sobre a diferença intrínseca entre a prática feminina da masculina e o seu alcance, que é limitado nesse sentido.

II. ESTATUTO DO PARTIDO

O estatuto do Partido Republicano Feminino foi publicado em dezembro de 1910, no Diário Oficial da União. Abaixo, serão mostrados os artigos do estatuto, a fim de apresentar as reivindicações em pauta.

“Art. 1º De acordo com o art. 72, §8º da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, fica fundado o Partido Republicano Feminino, que obedecerá ao seguinte programa: §1º Congregar a mulher brasileira na capital e em todos os estados do Brasil, a fim de fazêla cooperar na defesa das causas relativas ao progresso pátrio. §2º Pugnar pela emancipação da mulher brasileira, despertando-lhe o sentimento de independência e de solidariedade patriótica, exalçando-a pela coragem, pelo talento e pelo trabalho, diante da civilização e do progresso do século. §3º Estudar, resolver e propor medidas a respeito das questões presentes e vindouras relativas ao papel da mulher na sociedade, principalmente no Brasil, pleiteando as suas causas perante os poderes constituídos, baseando-se nas leis em vigor. §4º Pugnar para que sejam consideradas extensivas à mulher as disposições constitucionais da República dos Estados Unidos do Brasil, desse modo incorporando-a na sociedade brasileira. §5º Propagar a cultura feminina em todos os ramos do conhecimento humano. §6º Estabelecer entre as congregadas o interesse pelas questões, progressivamente, desde o lar até a agricultura, o comércio, a indústria, a administração pública e as questões sociais. §7º Combater, pela tribuna e pela imprensa, a bem do saneamento social, procurando, no Brasil, extinguir toda e qualquer exploração relativa ao sexo.

§8º Fundar, organizar e regulamentar, dirigir e manter instituições de utilidade geral e outras de proveito exclusivo, cujos cargos sejam preenchidos, tanto quanto possível, pelas sócias do partido, podendo-se desde já mencionar as de instrução, de educação, de beneficência, de assistência geral, de crédito mútuo, de cultura física, de diversões etc. Art. 2º O Partido Republicano Feminino é uma instituição social de progresso individual, comum e geral; durará por espaço ilimitado no tempo; será constituído de número ilimitado de pessoas do sexo feminino domiciliadas no Brasil, sem distinção de nacionalidade nem de religião, e terá sua sede na capital do Brasil. (...) Art. 11 Os destinos do partido ficarão entregues a um grande conselho deliberativo composto da comissão administrativa, das diretorias das diversas seções e instituições fundadas pelo partido e das comissões especiais. (...) Art. 17. A comissão administrativa, que é a única competente para executar as deliberações do conselho deliberativo, nos limites das suas atribuições, será composta de presidente, três vice-presidentes, três secretárias, duas tesoureiras, uma bibliotecária, uma arquivista, três procuradoras e uma zeladora. (...) Art. 19 A orientação suprema político-social e a ação geral do partido ficarão entregues a uma chefe suprema, que é a própria presidente do conselho e da comissão administrativa auxiliada por uma secretaria geral e uma procuradoria geral. §1º À presidente cumpre representar o partido em juízo ou fora dele e, em geral, em suas relações para com terceiros. (...) Art. 24 O patrimônio do partido será ilimitado e representado por apólices ou títulos representativos de valor, móveis, biblioteca, distintivos, jóias, mensalidades e propriedades diversas que venha a possuir. (...) Art. 28 As sócias do Partido Republicano Feminino não respondem, subsidiariamente, pelas obrigações que a administração contrair, expressa ou intencionalmente, em nome dele.”

O Partido Republicano Feminino foi oficializado em agosto de 1911. Foi depositado no 1º Ofício de Títulos e Documentos do Distrito Federal. Entre a fundação e o registro, a composição da diretoria não sofreu qualquer alteração. (MELO e NOVAES 2008)

CONCLUSÃO

Primeiramente, é importante dizer que como mulher, me senti no dever de me posicionar em alguns momentos deste trabalho, que tem um caráter ensaístico. Em tempos de incerteza sobre o futuro político do Brasil, onde nós, mulheres, ainda somos vítimas de um sistema patriarcal e machista, ter conhecimento sobre a luta de mulheres por diferentes causas dentro do nosso país nos dá força para prosseguirmos resistindo. Evidentemente, as reivindicações dessas lutas são diferentes conforme cada período. Ainda assim, embora existam várias vertentes dentro do feminismo, nós, mulheres feministas, que compreendemos esse sistema do qual fazemos parte e a importância do nosso posicionamento para obtermos mudanças. Ainda que existam diferentes reivindicações dentro de cada perspectiva do movimento feminista, temos uma luta única: A nossa emancipação e uma igualdade de gênero que queremos assegurar. Nesse sentido, ainda que o presente trabalho enalteça um movimento feminino de mulheres brancas - o que deve ser ressaltado tratando-se de um privilégio - a importância de desvelar histórias como a de Leolinda de Figueiredo Daltro e os seus trabalhos em prol da mulher se mostra como algo imprescindível para a história do movimento feminista no Brasil. A mulher hoje pode exercer seu direito de voto. A mulher hoje pode se eleger. Ainda assim, só tivémos uma mulher como presidente depois de séculos de história. Foi graças a movimentos como o PRF que nossos direitos foram assegurados e que em 2011 uma mulher ocupava um cargo executivo no país. Ainda assim, é importante ressaltar que nossas reivindicações como mulheres não param por aí. Estamos inseridas no mundo político, bem como estamos inseridas em uma sociedade machista. A ideia deste trabalho parte de princípios e da tentativa de uma contribuição para a história das mulheres, com um recorte no séc XX no Brasil. Essa luta nos emancipou, mas não podemos esquecer que ela é diária. Seguimos resistindo. Juntas.

BIBLIOGRAFIA

BANDEIRA, L. e MELO H, Tempos e Memórias - Movimento Feminista no Brasil, Disponível em:

KARAWEJCZYK, Mônica. Os primórdios do movimento sufragista no Brasil: o feminismo “pátrio” de Leolinda Figueiredo Daltro. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre,

v.

40,

n.

1,

p.

64-84,

jan.-jun.

2014.

Disponível

em:

MELO, H. e MARQUES, T. FEDERAÇÃO BRASILEIRA PELO PROGRESSO FEMININO: História. 2018. Disponível em:

MELO, H. e MARQUES, T. DALTRO, Leolinda de Figueiredo, Disponível em:

MELO, H. e MARQUES, T. PARTIDO REPUBLICANO FEMININO: História. 2018. Disponível em:

MARTINELLI, Andréa. Quem foi Leolinda Figueiredo Daltro, que há 108 anos fundou o Partido Republicano da Mulher: História. 2018. Disponível em:

PAIVA, Mirian S. TEORIA FEMINISTA: O desafio de tornar-se um paradigma . Disponível em:...


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