Title | Resenha Cristologia do Novo Testamento |
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Author | Rebecca Domingues |
Course | Teologia |
Institution | Universidade Presbiteriana Mackenzie |
Pages | 5 |
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Resenha crítica do livro "Cristologia do Novo Testamento" de Oscar Cullmann; o livro visa discutir sobre os títulos atribuídos a figura de Cristo e como eles se aplicam, de fato, ao mesmo. ...
“Cristologia do Novo Testamento’’, de Oscar Cullmann, é uma obra dividida em quatro partes, sendo elas os títulos cristológicos referentes à obra terrenadeJesus, os referentes à obra futura, à obra presente e à preexistência de Cristo, respectivamente. O autor defende sua tese, que é dividida e categorizada por meio destas quatro partes, partindo de um olhar analítico, que abraça a filologia e a história, examinando cada título conferido a Jesus Cristo de maneira separada, levando em consideração o idioma original de passagens bíblicas, tal como as crenças judaicas e helenísticas que poderiam ter influenciado os títulos cristológicos. Na tentativa de compreender a funcionalidadeeaplicabilidadedostítulos,Cullmann começa pelo de “profeta”, referente à obra terrena de Cristo. No período neo-testamentário, havia duas definições, distintas, a respeito do que era um profeta. A primeira definição tinha o profeta como um entre os muitos profetas que haviam existido; este era alguém levantado por Deus para revelar sua vontade e, possivelmente, trazer predições sobre o juízo do Senhor. A segunda, por sua vez, fazia referência a um p rofeta escatológico, ou seja, aquelequeviriacomorealização última de todas as profecias anteriores, trazendo uma mensagem a respeitodofim dos tempos e preparando o caminho de Yahweh. Por meio da análise filológica e histórica, Cullmann conclui que Jesus Cristo cumpre o papel de profeta na medida em que é um pregador, revestido de autoridade, que prepara o caminhodeYahweh. No entanto, o título de profeta não satisfaz toda a cristologia. Ele não abarca questões como o Cristo assentado à direita do Pai, o Cristo preexistente, sua obra redentora ou sua obra expiatória. O título de profeta apenas diz respeito a uma “missão preparatória”, e não pode explicar toda a obra terrena de Jesus,tampoucoa esperança presente nos cristãos que viveram e vivem posteriormente ao período neo-testamentário. O segundo título analisado é o de “Ebed Iahweh”; o “servo sofredor”pareceseruma figura de grande importância na cristologia. Para Cullmann, o Ebed Iahweh é, na realidade, o centro da cristologia do NT, tendo como base principal a ideia de substituição progressiva e de uma aliança. No entendimento do autor, esse título cabe perfeitamente em Jesus, se relacionando com a obra e vida de Cristo. É possível concluir que a noção de substituição e aliança eramaspectos presentesna
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obra de Jesus, relacionando-o perfeitamente com o Ebed Iahweh prefigurado na crença judaica e em passagens do AT. O terceiro título é o de “Sumo Sacerdote”; a figura do sumo sacerdote possui uma influência muito importante tanto na crença judaica,comonocristianismoprimitivo. Recorrendo aos idiomas originais, Cullmann mostra que essa figura se revelacomo parte essencial na cristologia, relacionando-se, inclusive, com a de EbedIahweh.Os primeiros cristãos reconheceram em Cristo o sumo sacerdote, e tinhamessaparte de sua cristologia fundamentada principalmente no livro de Hebreus. O autor deste livro tem uma grande preocupação, principalmente no capítulo 7, de apresentar Jesus como aquele que havia consumado, de maneira absoluta, o sacerdócio. Dessa maneira, Cristo desqualificaria todo e qualquer outro sacerdote, uma vezque nele se encontrava a plenitude e o cumprimento da função mediadora sacerdotal. Esta função, por sua vez, se conecta com a de Ebed Iahweh no sentido de que o sacerdote oferece o sacrifício, mas o Ebed é aquele que é sacrificado. Dessa maneira, ao ser sacrificado, Cristo cumpre tanto a função sacerdotal comoafunção de servo, pois ele é aquele que dá sua vida voluntariamente(oferecendoosacrifício a Iahweh) e morre em favor de muitos (sendo o sacrifício emfavordopovo).Dessa maneira, Jesus como sumo sacerdote, realiza o centro da história da salvação. Por meio de sua realização sacerdotal, Cristo torna-se, como Cullmann explicará, o “chefe da nova humanidade” e o “autor da salvação”, oferecendo apossibilidadede que os homens novamente apresentem-se diante de Deus. O quarto título, agora referindo-se à obra futura de Jesus, é o de “Messias”; É possível ver nos Evangelhos (Mc14.61; 15.2; 8.27;14.61) que Cristosemprepareceu evasivo no que diz respeito a receber o título de Messias; ele não o abraçava, tampouco o rejeitava. Sempre muito cauteloso em suas respostas àquelas que o indagavam acerca disso, preferia falar sobre si mesmo como o Filho do Homem. Isto, no entanto, possui um motivo muito pertinente: as ideias judaicas sobre o Messias são essencialmente políticas, o que entra em conflito direto comamissão de Jesus. Cristo não nega o messianismo presente em si, o que ele rejeita é essencialmente o Messias político esperado pelos judeus. Muito provavelmente o entendimento messiânico em sua época já não estava atrelado somente a política, de maneira que ele parece abraçar a figura messiânica em sua abordagem
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soteriológica, mas não em sua abordagem política; assim sendo, a cautela em responder aquele que o questionam se dá pelo fato de não querer ser visto de maneira equivocada, tal como a esperança judaica era. Como Cullmann explica, “Jesus tem a firme convicção de ter de cumprir sua missão pelo sofrimento e pela morte, não pelo estabelecimento de uma dominação política” (2008, p. 163) e também “O elemento do messianismo que se pode aplicar a Jesus éofatodequeo Messias, como tal, realiza a missão de Israel. Porém, a maneira em que Jesus a cumpre se opõe à esperança judaica,tomada emseusentidomaisrestrito”(2008, p. 168). O quinto título é o de “Filho do Homem”; a figura de Filho do Homem representaum homem celestial, que julga o mundo e realiza o povo dos santos; percorreu alguns entendimentos, entre eles a ideia de que Adão, o primeiro homem, se reencarnaria num evento ‘’escatológico’’. No entanto, em Cristo e posteriormente em Paulo, veríamos a compreensão mais coerente sobre a implicação do título. O Filho do Homem une-se, então, com a figura de Ebed Iahweh, concretizando-se numhomem histórico, Jesus Cristo, que não é o primeiro homem Adão, mas repara as faltas deste. Essa noção caiu em esquecimento pouco a pouco, mas a discussão a respeito deste título cristológico é essencial para o debate da cristologia uma vez que Jesus o abraçou mais veementemente do que a qualquer outro, e de mesma sorte, ele também engloba um problema presente em toda a história da Igreja: a dupla natureza de Cristo. O sexto título, agora referente à obra presente de Jesus, é o de“Kyrios”;partindode uma análisefilológica e históricadovocábulo‘’Kyrios’’ entreasreligiõeshelenísticas e a crença judaica, tal como a fé da Igreja primitiva, Cullmann conclui queosenhorio atribuído a Jesus por meio do título lhe é, efetivamente conferido, por meio de sua glorificação, e representa a submissão de todas as coisas,dentreelaspotestades,a si, tal como a exaltação de seu nome sobre todo nome, ‘’o único soberanoao lado de quem não existe outro”, e sua preexistência. Este senhorio é exercido sobre o mundo visível e invisível, e acabará por ser cedido a Deus Pai após o regresso de Cristo Jesus. O sétimo título é o de ‘’Salvador”; este título, como o próprio autor afirma, “pressupõe toda a obra de Jesus realizada e sancionada por sua Ascensão” (2008,
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p. 315). Em suma, Cullmann defende a idéia de que o título de Salvador aparece como um complemento de ‘’Kyrios’’, uma vez que Cristo como salvador é derivado da fé no Cristo ressurreto e glorificado, quejánessacondiçãoatrai parasiotítulode “Senhor”. O oitavo título, agora referente à preexistência de Cristo, é o de “Logos”; a noção pagã de ‘’Logos’’ teve alguma participação na forma como a noção cristã se construiu, isto porque o pensamento cristão vale-se do pensamento pagão não como uma forma de aplicação a Jesus, mas justamente como uma forma de submeter a interpretação não cristã ou pré-cristã à revelação de DeusemCristo.No seio pagão, “Logos” é um ser mitológico, portador da revelação e,emcertoaspecto, um Salvador revestido de forma humana, mas nunca encarnado na mesma. Entretanto, a noção que de fato mais participa da construção do entendimento de Jesus como “Logos” é a noção judaica presente no AT. Como expressa Cullmann: Em resumo, pode-se dizer que para o Novo Testamento a cristologia do Logos é constituída pelos dois elementos seguintes: o primordial é a certeza de ser a vida de Jesus o centro de toda a revelação de Deus, portanto, a certeza de que Jesus é, em sua própria pessoa, aquilo que ele prega e ensina; com auxílio do relato do Gênesis, que narra a criação pela "Palavra", uma reflexão teológica acerca da origem de toda a revelação se apoia sobre esta certeza. O elemento secundário é a utilização de especulações contemporâneas sobre as hipóstases divinas. No entanto, esta utilização não chega a um universalismo sincretista, mas a um universalismo propriamente cristão (2008, pp. 351, 352)
O penúltimo título é o de “Filho de Deus”; analisando este título entre os berços helenístico e judaico, Cullmann compreende que Jesus, enquanto filho de Deus, em nada se assemelha à perspectiva helenística, que compreende esta figura partindo de um ponto de vista politeísta, onde um homem é dotado de “forças divinas”. Em contrapartida, é possível notar, em partes, uma assimilação entre a fé judaica e a consumação do título de Filho de Deus em Jesus Cristo, na medida em queIsraelé visto como filho de Deus, tal como o rei e todo aquele que é chamado e vocacionado a uma missão divina também o são. Dessa maneira, o título de Filho de Deus, quando relacionado às crenças judaicas, se concretiza em Cristo por meio de sua obediência. No entanto, essa perspectiva não é capaz de compreender porinteiroo sentido de Filho de Deus, uma vez que este título, quando aplicado a Cristo, expressa, em sua essência, a unidade de Jesus com Deus, significando a
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participação total de Cristo na divindade do Pai. Não obstante, háumarelaçãoentre o título de Sumo Sacerdote e o de Filho de Deus na medida em que o Único Filho, participante da criação e que veio do Pai assume a qualidade do homem,mediando a humanidade e Deus. O último título é o de “Deus”; em resumo, as passagens no qualotítulode “Deus”é atribuído a Cristo revelam ao menos duas coisas: em primeirolugar,háumarelação com a elevação de Jesus à dignidade de Kyrios, e em segundo,háportrásaidéiade que Jesus não somente traz a revelação do Pai, mas é esta revelação. Dessa maneira, Cullmann conclui a obra “Cristologia do Novo Testamento”pormeio de uma análise filológica e histórica, compreendendo quecadaconcepçãoparticular aponta para uma compreensão geral da obra de Jesus. A diversidade de títulos, no fim, está unida numa mesma história da salvação por meio do esquema do Cristo encarnado, o que volta, o presente e o preexistente. Tal convicção foi, como bem mostrado pelo autor, abraçada na Igreja primitiva e deve continuaraserestudadae trabalhada pela Igreja contemporânea. ● Conclusão A obra de Cullmann é rica não somente por proporcionar um estudo completo a respeito dos títulos cristológicos, mas também pela forma como o autor consegue dialogar com diferentes vertentes da teologia cristã. Sua tese se comunica tanto com o liberal, como com o conservador, sendo uma obra intermediária e bastante imparcial na medida do possível. Apesar de certos aspectos serem de maior dificuldade, a leitura é bastante envolvedora e consegue prender o leitor e fazê-lo enxergar os títulos atribuídos a Cristo Jesus de forma muito mais profunda e consistente. Raros momentos são os que trazem alguma discordância,istonãopela vertente teológica do leitor, mas pela riqueza de argumentos bem fundamentados usados por Cullmann. A leitura de “Cristologia do Novo Testamento” foi, sem sombra de dúvidas, uma das melhores leituras do ano de 2020. Referência Bibliográfica: CULLMANN, Oscar. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008....