Resenha - Cultura um conceito antropológico PDF

Title Resenha - Cultura um conceito antropológico
Course Antropologia Jurídica
Institution Universidade Federal de Santa Catarina
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Resumo da obra Cultura: um conceito antropológico, de Roque de Barros Laraia...


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Resenha: “Cultura: Um Conceito Antropológico”, de Roque de Barros Laraia

Em se tratando de cultura, todos possuem um entendimento próprio. Se realizada uma pesquisa nas ruas, encontrar-se-ia as mais variadas definições, desde aquelas que a tratam como mero sinônimos de costume até algumas mais elaboradas, as quais abarcariam diversos aspectos da sociedade dentro do termo, como a linguagem, as leis morais, tradições, crenças etc. O antropólogo brasileiro Roque de Barros Laraia, em sua obra “Cultura: Um Conceito Antropológico” tomou por objetivo analisar a fundo esse vocábulo, muito além de seu valor semântico, uma vez que, para ele, não podemos dissociar a concepção de cultura da própria característica de sermos humanos. O livro é dividido em duas partes. A primeira trata-se de um resgate histórico das origens do conceito da palavra cultura (do germânico kultur e do francês civilization, sintetizados mais tarde no inglês culture por Edward Tylor), passando por diversos autores que versam a respeito do tema. A segunda pretende mostrar a grande influência que a cultura exerce no cotidiano humano, valendo-se de seu intrínseco dinamismo. Desde a Antiguidade Clássica, há uma veemente preocupação (à época, em especial, dos gregos) em se observar e caracterizar hábitos de povos diferentes. Heródoto, ao estudar os lícios, chegou a afirmar que as práticas daquele grupo social divergiam de “todas as outras nações do mundo”. Por isso, numa atitude radicalmente etnocentrista, os gregos taxavam de bárbaros aqueles que não comungavam de suas tradições. Buscando tentar explicar recorrentes discrepâncias de comportamento, acreditou-se, durante muitos séculos, num certo determinismo – ora biológico, ora geográfico – da cultura. Atualmente, a Antropologia não considera a influição de qualquer determinismo nas ações humanas. Para comprovar, basta verificar que muitas atividades típicas do sexo feminino em dadas organizações sociais cabem ao masculino em outras, afinal a conduta dos indivíduos se dá em função dos hormônios. Já a ideia de um determinismo geográfico cai por terra quando antropólogos como Bôas, Wissler e Kroeber demonstraram ser possível e comum existir diversidade cultural em um mesmo tipo de ambiente (os esquimós – habitantes do extremo norte da América – e os lapões – das altas latitudes europeias, por exemplo). A primeira sistematização do termo cultura, como já exposto alhures, foi feita por Edward Tylor em 1871 e diz que “tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Dá-se, dessa forma, toda a abrangência desse vocábulo, que compreende, em si, a essência de toda a criação do homem e as consequentes interligações com seus semelhantes. Seria a cultura, para esse antropólogo britânico, tudo aquilo que é aprendido e assimilado ao longo da vida e que independe de uma transmissão genética ou hereditária. Além disso, defendeu que tal fenômeno é passível de um estudo sistemático, dado que possui causas e regularidades.

Todavia, para se compreender o pensamento de Tylor (bem como de qualquer autor deslocado de nosso tempo), é necessário compreender o contexto histórico em que ele viveu. Quando da publicação de seu livro “Primitive Culture” a Europa sentia o efeito de “A Origem das Espécies” e do evolucionismo proposto por Charles Darwin – evolucionismo este que também se estendia às ciências sociais, sobretudo à Antropologia. Portanto, era de esperas que alguns conceituadores do termo cultura empregassem a lógica evolucionista a ele, recaindo numa estruturação hierárquica onde, obviamente, as civilizações europeias sobressaiam como mais avançadas. Nesse ponto, o grande mérito de Tylor foi criticar essa configuração, especialmente em seu artigo “The Limitation of the Comparative Method of Anthropology”. Na construção do significado contemporâneo de cultura, Laraia ainda enfatiza dois autores: um deles é Franz Bôas, que desenvolveu o particularismo histórico (Escola Cultural Americana), segundo o qual cada cultura trilha o próprio caminho devido aos fatos históricos que a antecederam. O outro é Alfred Kroeber, autor do artigo “O Superorgânico”, citado muitas vezes na obra de Laraia. Kroeber apregoa que o ser humano constrói seu próprio processo evolutivo através da cultura, sem sofrer modificações biológicas por isso (como ocorre com as demais espécies). Ao adquirir cultura, o homem deixou de lado sua animalidade e, assim, livrou-se da ordem de repetir os atos de seus antepassados. A cultura, aos olhos de Kroeber, está relacionada a oito pontos: 1) em detrimento da herança genética, é ela que determina as ações do homem; 2) os instintos humanos foram parcialmente anulados por seus padrões culturais; 3) ela é o meio de adaptação a diferentes ambientes; 4) por conta da prerrogativa anterior, o ser humano fez de todo mundo seu habitat; 5) ao adquirirem cultura, os humanos passaram a depender muito mais do seu aprendizado; 6) tal processo de aprendizado delimita seu comportamento e suas habilidades; 7) é um processo acumulativo; 8) os gênios são altamente inteligentes e dispõem do conhecimento ao seu redor para melhorar – e às vezes até mesmo alterar – o curso da história. Uma vez definido o conceito de cultura, restaria ainda uma questão a se respondida: como teria se dado seu surgimento? A primeira resposta apresentada no texto é a de que assim o fez o homem quando seu cérebro foi capaz de proceder dessa maneira. Um tanto quanto vaga, essa sentença foi corroborada pelo pensamento de outros antropólogos, citados por Roque de Barros Laraia. Claude Lévi-Strauss estabelece a gênese da cultura quando do estabelecimento da primeira regra (proibição do incesto). Por outro lado, Leslie White acreditava que o ponto de partida se referia à criação de símbolos. Pensadores católicos atribuíam seu início ao momento em que Deus estabeleceu a alma em suas criações... Contudo, a concepção do ponto crítico (surgimento da cultura) é hoje considerada uma impossibilidade científica. A hipótese mais aceita é que a cultura (assim como o bipedismo e adequado volume cerebral) é uma característica inerente à espécie e se desenvolveu em confluência com seu aparelho biológico. O autor finaliza a primeira parte do livro dizendo, entretanto, que a discussão acerca da real significação de cultura não acabou e nunca encontrará seu fim, visto que sua interpretação está intimamente ligada à própria compreensão da natureza humana.

A partir de então, tem-se início a segunda parte do texto, mostrando como a cultura interfere e molda os aspectos do ser humano, desde os rituais e tradições de certa sociedade até mesmo moléstias psicossomáticas. Um trecho importantíssimo contempla o fato de que a participação de um indivíduo em seu sistema cultural é sempre limitada, pois nenhum daqueles conhece e participa de todos os elementos que este engloba. Isso acontece tanto nas sociedades ditas “complexas” quanto nas “simples”. Algumas dessas limitações estão ligadas à idade, por exemplo, já que uma criança não pode exercer funções culturais concernentes a adultos. No entanto, embora seja possível atuar em todos os aspectos de sua cultura, o indivíduo deve ter um conhecimento mínimo dos mais variados deles para operar dentro da mesma e garantir o convívio com os demais. Por fim, Laraia tece comentários acerca das mudanças culturais operantes dentro das organizações sociais. Absolutamente todas as sociedades, sejam elas simples ou complexas, experimentam transformações. O que diverge é o ritmo no qual se dão tais alterações, que podem ser internas (provenientes da própria dinâmica do panorama cultural) ou externa (resultado de um encontro entre uma cultura e outra). Nas sociedades complexas as mudanças são desencadeadas de modo extremamente rápido, principalmente após o advento da tecnologia. Nas sociedade simples, há dois casos a serem analisados. Quando a mudança é interna, geralmente é lenta; quando externa, comumente é catastrófica. Para concluir, Laraia diz que todo sistema cultural está em constante transformação e que compreender esse fato é importante para evitar atritos entre gerações, comportamentos preconceituosos e etnocêntricos. Segundo ele, “é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir”....


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