Sebenta de Direito da Família (1.º Semestre) PDF

Title Sebenta de Direito da Família (1.º Semestre)
Author Daniel Bessa de Melo
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Sebenta de Direito da Família (1.º Semestre) Professora Doutora Rute Teixeira Pedro Daniel Bessa de Melo 2019/2020 Sebenta de Direito da Família – Daniel Bessa de Melo 1. Noções introdutórias de Direito da Família. Aproximação ao conceito de família. Nem do artigo 36.º da CRP nem do artigo 67.º do m...


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Sebenta de Direito da Família (1.º Semestre) Professora Doutora Rute Teixeira Pedro

Daniel Bessa de Melo 2019/2020

Sebenta de Direito da Família – Daniel Bessa de Melo

1. Noções introdutórias de Direito da Família. Aproximação ao conceito de família. Nem do artigo 36.º da CRP nem do artigo 67.º do mesmo diploma defluem uma noção (jurídica)1 de família. Do primeiro inciso simplesmente decorre que a família não se reconduz somente ao vínculo matrimonial (“de constituir família e de contrair casamento”). Do segundo normativo decorre que a proteção constitucional da família conhece duas vertentes: uma vertente institucional, na sua qualidade de grupo que, dentro da sociedade, ocupa um papel fundamental, diferente da soma dos seus membros; uma vertente individual, garantindo-se a proteção do indivíduo dentro da família2. Estas normas da CRP marcam uma mudança relativamente ao período constitucional anterior, em que sobrepujava essencialmente a vertente institucional, a qual assim primava sobre a vertente individual. Corolário dessa conceção seriam, por exemplo, as restrições erigidas ao divórcio. Recentemente – ou seja, desde a Constituição de 1976 - transitou-se para o polo individual, começando-se a perspetivar a família nessa vertente; como consequência dessa mudança de paradigma, há quem atualmente fale de uma “crise da família”. Em suma, enquanto que no passado a vertente institucional era mais fortemente tutelada que a vertente individual, agora os dados do jogo inverteram-se, aceitando-se pacificamente que o destino da família não pode ser traçado sem se considerarem os interesses dos membros da família. De todo o modo, não há uma noção constitucional de família. Nem tal noção consta do Código Civil, “sinal da dificuldade do recorte da própria instituição familiar”3. O art. 1576.º CCiv, sem grande rigor e padecendo de certas deficiências, considera “fontes das relações jurídicas familiares” o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção4. Se o casamento e a adoção, como atos jurídicos, são, verdadeiramente, fontes das correspondentes relações jurídicas familiares (e também essas mesmas relações jurídicas, podendo ser entendidas nesse dúplice sentido), já o mesmo se não pode dizer do parentesco e da afinidade, que são, eles próprios, relações familiares, derivadas, respetivamente, da geração (ou de uma série de gerações) e da geração e do casamento. Isto quer dizer que um elenco correto de fontes das relações jurídicas familiares abarcaria o casamento enquanto ato, a procriação, o casamento-ato conjugado com a procriação e o ato de adoção5. Não obstante a voracidade legislativa testemunhada neste ramo do Direito, o art. 1576.º tem permanecido incólume desde a sua génese em 1966. Desse artigo retiramos que a família de uma pessoa seria constituída pelo seu cônjuge, pelos seus parentes, pelos seus afins e, conforme o caso, pelos adotados ou adotantes. Contudo, valerá um princípio de tipicidade, ou seja, haverá família para além desse catálogo legal? Tradicionalmente, a resposta era negativa. “Mas também pode haver quem desvalorize o elenco expresso, aliás incorretamente, no art. 1576.º e julgue que devem ser acrescentadas as relações emergentes da união de facto [de facto, há relação de conjugalidade fora do casamento]; ou o apadrinhamento civil [ainda que com certos limites, os padrinhos exercem responsabilidades parentais] e a paternidade não biológica consentida no quadro da procriação medicamente assistida (art. 1839.º, n.º 3, CCiv, e Lei n.º 32/2006, de 26 de julho, art. 20.º, 23.º, n.º 2, 26.º, 27.º e 47.º)”6. Acrescentemos também a promessa de casamento. Além do mais, a própria relação entre os antigos cônjuges, imposta até pela aplicação dos ditames da boa fé na fase pós-contratual (post pactum finitum), revestiria, segundo alguns autores, natureza para-familiar. Enfim, “as deficiências técnicas de que padece o art. 1576.º (confusão de fontes das relações com relações, uso impróprio do termo “relação jurídica”) não 1

Não uma noção biológica, social ou sociológico, talvez ainda mais problemáticas. «Como unidade fenoménico-existencial agregadora dos membros que a integram, enquanto “elemento fundamental da sociedade”, como se lê no art. 67.º da C.R.P., a família merce proteção a se. Assim, a família qua tale, e não as pessoas que a constituem, é o sujeito do direito fundamental, de natureza social, à proteção da sociedade e do Estado vertido no art. 67.º da C.R.P. Ademais, da conjugação da tutela das duas dimensões da família e da leitura integrada da proteção reconhecida, no art.º 36.º, incluído no título relativos aos direitos, liberdades e garantias (art. 36.º), e nos art. 67.º e 68.º, inseridos no título relativo aos direitos económicos, sociais e culturais (art. 67.º e art. 68.º), resulta que, quer a família, quer o casamento continuam a merecer proteção constitucional sob a forma de garantias institucionais. Sem prejuízo do que acaba de ser dito, importa evidenciar que o novo enquadramento constitucional consente, promovendo, uma perspetivação mais individualista da família. Na verdade, a família e o casamento passam a ser entendidos como um meio de concretização do desenvolvimento pessoal dos cônjuges. O legislador constitucional, aliás, reconhece-o, no art. 67.º da C.R.P. No difícil jogo de articulação entre o interesse comunitário da família e o interesse individual de cada um dos seus membros, dá-se, então, uma oscilação nos pontos de equilíbrio para que o ordenamento jurídico aponta. Se no passado, ele se situava numa localização mais próxima do polo comunitário, com a Constituição de 1976 desloca-se para um ponto com mais proximidade do polo individualista (…). Pedindo emprestadas as palavras de GOMES CANOTILHO e de VITAL MOREIRA, podemos sintetizar a transformação ocorrida que atribui protagonismo ao indivíduo sobre o grupo no sei da família, afirmando que “constitucionalmente, a família é feita de pessoas e existe para a realização pessoal delas, não podendo a família ser considerada independentemente das pessoas que a constituem, muito menos contra elas”» (RUTE TEIXEIRA PEDRO, Convenções Matrimoniais, Coimbra, Almedina, 2018, p. 159-163). 3 J. DUARTE PINHEIRO, O Direito da Família Contemporâneo, 5.a ed., Lisboa, Almedina, 2017, p. 13. 4 Como obra predileta do curso, seguimos F. PEREIRA COELHO e G. DE OLIVEIRA, Curso de Direito da Família, Vol. I, 5.a ed., Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016. 5 PINHEIRO, O Direito, p. 32. 6 COELHO, Curso, pp. 34-35. No mesmo sentido, L. SILVEIRA, in A. PRATA, Código Civil Anotado, Vol. II, p. 456. 2

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favorecem a ideia de que o enunciado é fechado só porque foi elaborado por um legislador que não recorreu a expressões que revelassem o carácter meramente exemplificativo do mesmo”7. A tudo isto retornaremos ulteriormente. Concentrar-nos-emos nas relações que são empiricamente família: 1. Casamento. Pode ser entendido de duas formas: ou como negócio jurídico bilateral (necessariamente!), isto é, o encontro de vontades entre duas pessoas que funda a relação matrimonial (casamento in fieri); ou como a própria relação jurídica matrimonial ou estado duradouro que resulta desse ato, produzindo certos efeitos pessoais e patrimoniais (casamento in facto esse)8. Encarado no primeiro sentido, ele vem definido no artigo 1577.º (a norma entrou em vigor em 2010, desaparecendo a exigência da diversidade de sexos). Ademais, trata-se de um contrato bilateral, gerador de deveres (coercíveis, na opinião da Professora Rute Teixeira Pedro) para ambos os cônjuges ligados pelo nexo do sinalagma genético9. 2. Parentesco. Tal como foi definido pelo nosso legislador (1578.º), é uma relação de consanguinidade, estabelecida entre pessoas que tenham o mesmo sangue. São parentes aqueles que descendem uns dos outros (linha reta) ou descendem de um progenitor comum (linha colateral). A fonte do parentesco – e daqui se nota, mais uma vez, o embaraço do legislador na redação do artigo 1576.º - é a fonte biológica da procriação, exprimindo-se assim “a similitude de características biológicas entre as pessoas que correlaciona, e, também, em regra, uma certa proximidade, em termos sociológicos, na vida social”10. Todavia, desde a Lei 32/2006 que temos reconhecido entre nós o recurso às técnicas de PMA: é, então, possível que um ser humano seja gerado não através da procriação, mas sim por via de técnicas genéticas. Dessa forma, o parentesco vai além dos limites traçados no Código Civil. O parentesco, enquanto relação, resulta dos atos de procriação ou gerações que a exprimem. Cada geração representa um grau de parentesco. O número de graus de parentesco entre duas pessoas reflete a sua maior ou menor proximidade, no âmbito da sociedade familiar a que pertencem. Essa maior ou menor proximidade exprime-se em termos de características e também, em regra, no nível da força centrípeta familiar que os une. As linhas de parentesco correspondem à configuração geométrica da relação entre as gerações ou graus de parentesco. A linha é reta quando um parente de outro; a linha é colateral quando um parente não descende do outro, mas descendem ambos de um ascendente comum. A linha reta diz-se descendente quando se parte do ascendente para os que dele descendem. Ao invés, é claramente ascendente, quando se parte dum descendente no sentido do seu progenitor11. Por outro lado, pode distinguir-se entre linha paterna e materna, tanto quanto à linha reta como quanto à transversal. A distinção releva, p. ex., quanto à constituição do conselho de família (art. 1952.º, n.º 3) e à nomeação do protutor (art. 1955.º, n.º 2)12. O número de graus em que o parentesco se define corresponde ao das gerações ou atos de procriação. Esta característica interessa na medida em que, quanto maior é o número de graus de certa relação de parentesco, menor é a sua relevância. Esta afirmação, respeitante à relevância jurídica do parentesco, corresponde à que vale em termos de leis da hereditariedade. A importância da determinação do grau de parentesco ressalta, por exemplo, em matérias de impedimentos para casamentos (artigos 1602.º b) e 1604.º c)), de constituição do conselho de família (artigo 1652.º, n.º 1) e de sucessão legítima (2135.º, n.º 1)13. O n.º 1 do artigo 1581.º indica uma forma prática de fazer o cômputo do parentesco na linha reta: conta-se o número de pessoas integradas nessa linha e elimina-se o primeiro ascendente ou progenitor. O n.º 2 estabelece o critério prático para o cômputo dos graus na linha colateral: soma-se o número de pessoas integradas no ramo ascendente ao das que compõem o ramo descendente e subtrai-se uma unidade, relativa ao progenitor comum.

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PINHEIRO, O Direito, p. 33. “Uma relação que afeta a condição dos cônjuges de maneira profunda e duradoura, influenciando o seu regime, pode dizerse, a generalidade das relações jurídicas obrigacionais ou reais de que eles sejam titulares” (COELHO, Curso, pp. 32-34). 9 “O casamento não só é negócio jurídico, como, dentro desta categoria, um verdadeiro contrato, como a lei o designou. É, com efeito, um acordo entre as suas partes, os nubentes – e ninguém mais. Não é exata, pois, a visão daqueles que o caracterizam como ato trilateral, constituído pelo encontro de vontades dos nubentes e do conservador” (SILVEIRA, Código, p. 457). Em obséquio a esta sua natureza bilateral estaria, desde logo, a estrutura do casamento urgente, que pode verificar-se e produzir os seus próprios sem a presença do conservador (art. 1622.º, n.º 1). 10 SILVEIRA, Código, p. 458. 11 A diferença entre as perspetivas acabadas de apontar releva, designadamente, quando a lei distingue – por exemplo, em matéria sucessível – entre descendentes e ascendentes (art. 2133.º). 12 É claro que duas pessoas podem ser parentes, ao mesmo tempo, na linha paterna e na materna, e a este parentesco duplo ou bilateral dá por vezes a lei relevância jurídica. Assim, os irmãos germanos (parentes nas duas linhas) têm, em geral, melhores direitos que os irmãos consanguíneos (parentes só na linha paterna) e uterinos (parentes só na linha materna): art. 2146.º. A possibilidade de um duplo parentesco não é, de resto, restrita à presente hipótese. Se dois irmãos casam com duas irmãs, os filhos que nasçam de cada um dos casamentos são parentes (primos) ao mesmo tempo na linha paterna e na materna. Assim, COELHO, Curso, pp. 45-46. 13 SILVEIRA, Código, p. 460. 8

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Os efeitos do parentesco14 variam consoante a relação de parentesco que se considere: como é natural, as relações de parentesco têm maior ou menor relevância conforme são mais apertadas ou mais frouxas. O efeito principal do parentesco é o sucessório: os descendentes, os ascendentes, os irmãos e seus descendentes e os outros colaterais até ao 4.º grau integram, respetivamente, a 1.ª, a 2.ª, a 3.ª e a 4.ª classes de sucessíveis na ordem da sucessão legítima estabelecida no n.º 1 do art. 2133.º. Embora se trate, assim, de um efeito comum às várias relações de parentesco aí referidas, vemos que a lei estabelece sob este aspeto uma hierarquia entre elas. Esta hierarquia é-nos revelada, tanto pelo princípio da proximidade de classe ou grupo sucessório, como pelo princípio da proximidade de grau de parentesco dentro de cada classe sucessória, princípios sobre que assenta a sucessão legítima. E é de notar ainda que os parentes na linha reta descendente ou ascendente, que ocupam, ao lado do cônjuge, as duas primeiras classes sucessórias do n.º 1 do art. 2133.º, são herdeiros legitimários (art. 2157.º). Outro efeito muito importante do parentesco é a obrigação de alimentos, que a lei impõe a determinados parentes: os descendentes, os ascendentes, os irmãos e os tios (estes, os tios, durante a menoridade do alimentando), justamente pela ordem indicada (art. 2009.º). Sendo vários, respondem todos na proporção das suas quotas como herdeiros legítimos do alimentando (art. 2010.º, n.º 1). Se algum deles não puder prestar os alimentos ou não tiver possibilidade económica de saldar integralmente a sua responsabilidade, o encargo recairá sobre os onerados subsequentes (art. 2009.º, n.º 3). Note-se também que, por morte do arrendatário, e na falta de cônjuge com residência no locado ou pessoa que com o arrendatário vivesse no locado em união de facto há mais de um ano, o direito ao arrendamento para habitação se transmite aos seus parentes que com ele residiam há mais de um ano em economia comum, nos termos previstos no art. 1106.º CCiv, e o direito ao arrendamento rural aos seus parentes na linha reta que viviam com ele em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo (art. 20.º, n.º 2, a), do Decreto-lei n.º 294/2009, de 13 de outubro). Da qualidade de parente pode derivar a obrigação de exercer a tutela ou fazer parte do conselho de família, nos termos dos arts. 1931.º, n.º 1, e 1952.º, n.º 1, respetivamente. Há ainda a referir o art. 1639.º, em que a lei confere legitimidade para intentar a ação de anulação do casamento fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela se o autor falecer na pendência da causa, a qualquer parente dos cônjuges na linha reta ou até ao 4.º grau na linha colateral; além disso, nos termos dos arts. 1640.º, n.º 2, e 1641.º, a ação de anulação do casamento fundada em falta (à parte a simulação) ou em vício da vontade pode ser prosseguida por qualquer parente do cônjuge a quem a lei confere legitimidade para a propor (o cônjuge cuja vontade faltou ou que foi vítima do erro ou da coação). Considerámos até aqui os efeitos comuns às várias relações de parentesco ou a uma generalidade delas. Se quiséssemos mencionar agora os efeitos especialmente atribuídos a certas relações de parentesco, destacaríamos as relações de filiação (a relação de maternidade e a de paternidade), que são, sem dúvida, as mais importantes de todas. Dos vários efeitos destas relações o mais significativo são as chamadas responsabilidades parentais, reguladas nos arts. 1877.º e segs., e que é o complexo de poderes e deveres que a lei atribui ou impõe aos pais para regerem as pessoas e os bens dos filhos menores. Por último referiremos os efeitos do parentesco que se traduzem em limitações ou restrições à capacidade jurídica. De muito interesse para nós são as als. a) e b) do art. 1602.º, segundo as quais não podem contrair casamento entre si os parentes na linha reta, nem os parentes em 2.º grau na linha colateral (irmãos); existe neste caso, como veremos, um impedimento dirimente relativo à celebração do casamento. E também os parentes em 3.º grau na linha colateral (tio e sobrinha, tia e sobrinho) não podem casar (art. 1604.º, al. c)); mas o impedimento é agora meramente impediente, e admitindo dispensa (art. 1609.º, n.º 1, al. a)), como veremos no lugar apropriado. Se, existindo perfilhação, a pretensa mãe e o perfilhante forem parentes em linha reta ou no 2.º grau da linha colateral, não é admitida a averiguação oficiosa da maternidade (art. 1809.º, al. a)); do mesmo modo, não é admitida a averiguação oficiosa da paternidade se a mãe e o pretenso pai estiverem ligados por iguais relações de parentesco (art. 1866.º, al. a)). Outros efeitos que a lei dá a certas relações de parentesco e que igualmente se traduzem em limitações à capacidade, constam de legislação especial que seria fastidioso mencionar aqui. A título de exemplo, podem referir-se as normas que regulam os impedimentos e as suspeições do juiz (CProcCiv, arts. 115.º e 120.º); as recusas a depor como testemunha (CProcCiv, art. 497.º); os impedimentos dos notários e dos adjuntos e oficiais do cartório (CNot, arts. 5.º e 6.º); etc. Afinidade. As relações de afinidade são distintas das de parentesco. Fala-se por vezes de “parentes por afinidade”, mas a terminologia deve evitar-se. A afinidade não é, como o parentesco, uma relação de sangue. Pode definir-se como o vínculo que liga um dos cônjuges aos parentes do outro cônjuge (art. 1584.º CCiv)15. A fonte da

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COELHO, Curso, pp. 46 e ss.. Aos parentes e não aos afins: é o que se costuma exprimir na máxima afinidade não gera afinidade. Assim, por exemplo, não são afins os concunhados, o padrasto não é afim da mulher do enteado, etc. Embora a relação entre um dos cônjuges e os afins do outro não seja de parentesco nem de afinidade, a verdade, porém, é que há, embora muito raramente, algumas hipóteses em que a lei 15

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afinidade, ou das várias relações de afinidade, é, pois, o casamento. Um casamento, naturalmente, ainda não dissolvido. E como o casamento é que é a causa da afinidade, esta só começa com a celebração do casamento. A afinidade não opera para trás, não é retroativa, e sobre isto não se levantam dúvidas. Mas a afinidade cessará igualmente quando se dissolve o casamento que lhe deu origem? Caída a causa, também cairá o efeito? A questão foi sempre discutida, sobretudo acerca da dissolução por morte, que era a causa mais frequente; chegou a prevalecer temporariamente a cessação da afinidade no caso de segundas núpcias. O código de 1966 manteve a solução tradicional de que a afinidade “não cessa pela dissolução do casamento” (art. 1585.º, 2.ª parte). A solução pode compreender-se no caso de dissolução por morte, em que, regra geral, o falecimento de um dos cônjuges não faz cessar as relações do sobrevivo com os parentes do finado; tratando-se de dissolução por divórcio, porém, na generalidade dos casos as relações de afinidade deixam de ter relevância social, mal se justificando por isso, que mantenham a sua relevância jurídica. Pelo menos no caso de divórcio, a solução do art. 1585.º suscitava assim de iure condenado as maiores reservas e a Lei n.º 61/2008 determinou que a afinidade só não cessa no caso de dissolução do casamento por morte. As relações de afinidade, como as de parentesco, são muito numerosas, e há necessidade de as definir e ordenar procedendo à respetiva contagem. Mas a este respeito nada há a acrescentar ao que dissemos quanto ao parentesco. Como este, assim a afinidade se conta por linhas e por graus. E conta-se da mesma maneira. Quer isto dizer que um...


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