Trab cidade dos homens patrick PDF

Title Trab cidade dos homens patrick
Author Patrick da Rosa Guidolin
Course Cinema e Narratividade
Institution Universidade Federal de Pernambuco
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Summary

Resumo sobre o capítulo da série televisiva Cidade dos Homens....


Description

Cidade dos Homens: Análise do episódio “A Coroa do Imperador”

Quando a infância é apenas uma palavra Intitulado “A Coroa do Imperador”, esse primeiro episódio possui como objetivo central a apresentação dos protagonistas e de seu universo em que estão inseridos. Analisando os primeiros três minutos da série já podemos imaginar que sua infância – no seu conceito mais padrão e clássico de algo puro, longe das maldades e pecados no qual os adultos estão sujeitos - foi apenas uma palavra, ainda que essa questão não seja dita de forma explícita. Essa ideia parece ser mais concreta ao vermos um dos protagonistas demonstrando um profundo conhecimento de armas e a representação da sua imaginação, fértil ao tratar de forma banal a morte e a guerra através de uma animação, recurso que reforça bem essa infância (animação/desenho) alocada em um ambiente hostil (guerra/armas/morte), um micro exemplo que podemos utilizar na representação dos moradores da favela (e aqui o foco é nas crianças) que precisam conviver com a violência diariamente. Aliás, a própria sala de aula retratada aqui dialoga com essa infância longe de algo tranquilo . Nesse sentido, podemos ver uma instituição pública falhando na tentativa de ser um ambiente agradável, capacitado em despertar o interesse e a atenção de seus alunos. Por fim, é na sala de aula onde somos introduzidos na alegoria que será desenvolvida ao longo do episódio: assim como nos tempos de Napoleão, na favela há o conflito por território e é em torno disso que os moradores precisam viver o seu dia a dia. É também lá que somos informados que acontecerá um passeio que custará R$ 6,50, valor que os alunos precisam trazer na próxima aula. Quando o episódio sai desse ambiente interno da sala de aula nós observamos melhor o caminho estético que a série pretende obter. Câmera na mão para enfatizar o tom documental, cortes rápidos e enquadramentos estranhos. Na verdade, se há um estilo que a série busca obter é essa fuga da estilização excessiva; não há nenhuma intenção aqui em ser bonito esteticamente ou obter planos e enquadramentos contemplativos, focando em

grandes detalhes. A intenção central é representar a favela como um ambiente dinâmico, pulsante e intenso. E é a partir dessa estética que ocorre a demonstração da complexidade desses personagens, com um maior foco em Acerola nesse primeiro momento. Notamos como ele tem a malícia necessária para conseguir o dinheiro do passeio com o patrão da sua mãe e como ele tem uma visão crítica dessa situação fazendo um paralelo inclusive com o trabalho das ONGs nas favelas. Essa noção de diferença entre classes parece um tanto inverossímil para um pré-adolescente, mesmo no caso de Acerola que demonstra possuir uma experiência mais crua da realidade por estar inserido em um ambiente que força esse desenvolvimento. Assim, o discurso em voice over de Acerola é recheado de percepções relacionadas a divisão de classe, raça, relações de trabalho, aspectos de poder institucional (políticos x traficantes), papel da polícia em manter a favela afastada das “áreas nobres” e até mesmo do papel da mídia que usa a favela apenas para criar sua narrativa sensacionalista. São indagações bem complexas de serem feitas por um menino de 13 anos. Por isso, mais do que apresentar a visão que Acerola tem sobre seu ambiente, o seu discurso parece ter como intenção narrativa apenas validar a favela como um local de complexidades, distanciando a série do discurso representativo padrão que mostrava esse ambiente apenas como local de pobreza e violência. Partindo dessa ideia primordial que a série busca a quebra desse paradigma representativo, torna mais evidente o uso desse discurso como forma de recrutar um tipo de espectador distante dessa realidade (ou seja, de classe média/alta) para dentro desse ambiente, demonstrando pra ele de forma didática esse “outro lado”. E talvez o maior exemplo dessa ideia é exposto quando Acerola compara a liberdade da favela com a prisão simbólica que os mais ricos vivem, prisão reforçada no campo da imagem com a sequência do garoto passando por grades, portaria e segurança particular ao sair do condomínio. Paralelamente a isso temos Laranjinha, que possui as mesmas intenções narrativas de Acerola (humanizar a favela) mas que faz isso de forma muito mais orgânica. Assim, vemos o garoto entregando pastéis que sua vó vende e ajudando uma senhora a carregar sacolas pesadas. Com o dinheiro dos pastéis ele deve comprar o remédio da sua vó (que segundo ela se não tomar pode morrer) e o troco usar para pagar o passeio da escola. As questões aqui trabalhadas são próximas de qualquer núcleo familiar com o neto ajudando a avó

e recebendo um presente por isso. Nesse sentido já vemos que Laranjinha não é uma criança que tem um núcleo familiar problemático, outra situação exaustivamente trabalhada em outras obras ambientadas em favelas.

Os ratos falam Amanhece na favela e continuamos grudados em Acerola. Na trilha sonora o reforço do conceito que foi apresentado anteriormente para o espectador: “us playboy” tem todos os privilégios mas não possuem sossego, sendo que os moradores do morro possuem a liberdade de andar na rua sem esse medo, já que há um senso de irmandade na favela que outros locais da cidade não possuem. Mas é interessante notar que após esse discurso otimista e favorável desse ambiente aconteça o primeiro ato explicitamente violento da série: abordado por um grupo de garotos, Acerola é interrogado sobre o paradeiro de BB, personagem que mais tarde saberemos se tratar do chefe do morro. Nesse momento a série se aproxima muito da narrativa padrão da favela como um ambiente extremamente hostil. Acerola apanha, tem o dinheiro do seu passeio roubado e seus materiais escolares quebrados. Laranjinha ao saber da injustiça que o amigo sofreu e que por isso o mesmo não vai mais no passeio cria uma solução para o problema: usar o dinheiro de sua nvó para pagar o passeio e depois pedir dinheiro do remédio para os traficantes do morro. Mesmo relutante, Acerola acompanha Laranjinha até a boca e fica esperando do lado de fora. Nesse momento, Acerola enxerga um rato no meio do esgoto, uma clara insinuação do modo como ele enxerga os traficantes do morro. Novamente é usado o recurso do voice over, com Acerola se questionando se o amigo é esperto e valente ou se é apenas muito burro ao se meter com o tráfico. A partir daí a perspectiva é toda de Laranjinha. E é importante notar que em nenhum momento ele parece hesitante ou nervoso, ato que deixa ainda mais claro como esse ambiente é familiar a ele. Aliás, assim como Acerola ditando diversos modelos de armas na sala de aula, Laranjinha demonstra conhecer bem o funcionamento do tráfico no seu morro e os motivos que fazem os jovens procurarem e almejarem essa vida. Laranjinha consegue o dinheiro com os traficantes e logo ele e Acerola vão comprar o remédio na farmácia,

acompanhados de um garoto do tráfico que está ali apenas para confirmar que o dinheiro era mesmo para o remédio. Surge um conflito, ouvimos sons de tiros e a tensão é criada com muitos cortes, mostrando os comerciantes fechando seus estabelecimentos com a urgência de quem já viveu situações similares. Nesse momento Laranjinha relata (novamente em voice over) os motivos dos conflitos por território envolvendo as duas organizações do tráfico que estão na comunidade. O tom didático é o mesmo visto anteriormente, deixando claro que os personagens da série estão dialogando com um espectador que não está nem de perto familiarizado com essas situações. Nessa explicação é dito também o problema que esse conflito criou: a casa da vó de Laranjinha fica numa área comandada pelos traficantes rivais, tornando impossível entregar o remédio que sua avó precisa. Acompanhamos então as tentativas de encontrar um caminho livre para chegar até o destino. Nessa procura, encontra-se aquele mesmo menino que havia acompanhado Acerola e Laranjinha na farmácia, porém morto e estirado no chão, um retrato explícito do quão fatalista aos jovens é esse mundo. Após as frustrantes tentativas em entregar o remédio, os garotos vão até a casa de um amigo, onde o episódio insere um tom documental que se confunde com a ficção. Esse misto entre a violência do noticiário sobre a Faixa de Gaza e a violência do cotidiano na favela vai sendo fundido até resultar no relato absolutamente documental de mortes e violência que todos os garotos ali presentes já presenciaram ou foram informados. E é no mínimo perturbador compartilharmos essas experiências com meninos que em sua maioria não completaram nem quinze anos de idade. Por fim, voltamos para o ambiente que abriu o episódio: a sala de aula. A professora constata que ninguém entendeu o conteúdo e que portanto o passeio não irá acontecer. Acerola se oferece para explicar tudo se com isso o passeio acontecer. Usando a linguagem da favela e o conflito que viveu como base, Acerola explica o conteúdo da aula. A professora complementa a matéria enquanto cenas da guerra entre facções são mostradas, continuando a traçar esse paralelo entre guerras históricas e a situação atual daquela comunidade. Esse paralelo é inclusive usado na favela: ao saber que a frota de Portugal usou uma escolta para chegar segura ao seu destino, Laranjinha utiliza a mesma tática para ir até a casa de sua avó. E apesar do suspense criado pela trilha sonora, sua vó está bem. O final do episódio é cheio de alegria, com imagens das crianças com a avó e das crianças no passeio.

Os vários lados da favela

A série Cidade dos Homens (2002-2005) é fruto de um momento particular na televisão brasileira. Se a ideia de fazer a serie surgiu após a exibição do curta Palace II (2000), é difícil imaginar Cidade dos Homens saindo do papel sem a ajuda da grande repercussão – nacional e internacional - que Cidade de Deus (2002) obteve. Foi através disso que antigos debates foram revisitados como a representação da favela, os seus moradores e os estereótipos que historicamente são utilizados quando essa temática é abordada. E se a série e o filme flertam em algumas questões (mesma equipe de realizadores e atores, temática), são as diferenças entre as duas que os tornam projetos diferenciados, não só pelo veículo na qual foram exibidas mas também pela proposta central que é desenvolvida. Se em Cidade de Deus a ideia era fazer um recorte de como a violência surgiu e de que modo ela se mantém até hoje nas favelas, em Cidade dos Homens a violência e o tráfico estão em segundo plano. Na série o mais importante é revelar como é a rotina de seus moradores e quais são as alegrias e as dificuldades encontradas no seu cotidiano, apresentando os muitos lados que a favela possui. Nesse sentido, podemos dizer que uma obra complementa a outra, apresentando duas visões de uma mesma narrativa....


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