A Lei da Boa Razão-Gabriela Martins PDF

Title A Lei da Boa Razão-Gabriela Martins
Course História do Direito Português
Institution Universidade de Lisboa
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A Lei da Boa Razão

A lei de 18 de Agosto de 1769, denominado no século XIX de Lei da “Boa Razão”, devido à afirmação da mesma enquanto parâmetro de validade das diferentes fontes normativas não produzidas pelo monarca, é pejada de modernidade, assim como pretende repor algumas disposições das Ordenações Manuelinas, reproduzidas pelas Ordenações Filipinas. A lei da Boa Razão enquadra-se no quadro de atividade legislativa levada a cabo por Sebastião José de Carvalho e Melo em nome do Marquês do Pombal, tendo-se verificado num momento de viragem ideológica na história do direito português. Durante os primeiros cinquenta anos da sua existência, esta lei foi citada pelos autores apenas pela sua data, como acontecia com os demais diplomas legais. Porém, e graças ao Commentario Critico à Lei da Boa Razão, em Data de 18 de Agosto de 1769 de José Homem Corrêa Telles (publicado em 1824), passa a ser denominada de Lei da Boa Razão. Diploma característico da segunda metade do século XVIII, constitui a primeira manifestação clara, no domínio legislativo, das ideias jusracionalistas do Iluminismo, conhecidas no Reino de Portugal pelas mãos de Luís António Verney (1713-17929, conhecido por Barbadinho. No campo do direito, as propostas de Verney passavam por: 1) Submissão da jurisprudência aos princípios do direito absoluto, eterno e imutável, derivado das próprias exigências racionais da natureza humana; 2) Receção crítica do direito romano, distinguindo-se aquilo que nele seria suscetível de ser utilizado à luz das circunstâncias da sociedade moderna do que já estaria obsoleto 3) Valorização das leis em vigor nos países europeus mais avançados, sobretudo nas áreas ou nos setores da vida em que se verificavam maiores inovação e evolução; 4) Estudo e conhecimento das tradições jurídicas nacionais, em abono da boa compreensão das leis e normas em vigor. Este ideário encontraria eco na Lei da Boa Razão, que teve como principal objetivo disciplinar e reformular as matérias concernentes às fontes de direito no Reino de Portugal (direito subsidiário), assim como fornecer um critério objetivo sobre o que seria a boa razão, pois, em última instância, a boa razão passaria a ser a única fonte subsidiária do direito pátrio.

Procurou, ainda, obstar a irreguralidades em matéria de assentos, estabelecer regras objetivas sobre a validade do costume e, bem assim, prever os elementos a que o intérprete e o aplicador podiam recorrer para integração de lacunas no direito pátrio. Nesta lei, existe um evidente entrecruzamento do novo com o velho, do direito praticado pelas “Nações Christãs, iluminadas e polidas” que agora se põe em evidência, com a boa interpretação das Ordenações e das “Leis Patrias”. A ideia de “progresso” aparece solidária com a emergência de um regresso às leis pátrias interpretadas agora à luz do “espírito nacional” e não com o recurso à tradicional polifonia do mos italicus. A Lei da “Boa Razão” procura articular os instrumentos estratégicos da construção e da gestão do direito. Esta é constituída por catorze parágrafos, sendo que cada uma contém ordens específicas que visam o seu cumprimento. Parágrafo 1- Proíbe a decisão judicial que seja contra direito expresso, à época, as ordenações e as leis destes meus reinos; Parágrafo 4- Dá aos Assentos da Casa da Suplicação a autoridade máxima na interpretação do direito, enquanto jurisprudência, antecipação da súmula vinculante; Parágrafo 5- Eleva os Assentos a categoria de leis, enquanto fonte normativa; Parágrafo 6- Obriga ao juízes a recorrerem aos Assentos; Parágrafo 7- Penaliza os advogados que se valem de interpretações enganosas maldosas e recursos meramente protelatórios; Parágrafo 8- Confere competência máxima à Casa da Suplicação em Lisboa; Parágrafo 9- Define o que é boa razão; Parágrafo 10- Reforça as leis do reino com repulsa ao Direito Romano (Corpus Juris Civilis, de Justiniano); Parágrafo 11- Confirma o rei como fonte interpretativa mais graduada; Parágrafo 12- Proíbe o Direito Canônico no Tribunais Civis; Parágrafo13- Proíbe o uso das glosas de Acúrsio e a Opinião de Bártolo; Parágrafo 14- Obriga à observação dos costumes, definindo como condição de validade que tenham mais de cem anos. Encontramos sete soluções diversas a serem propugnadas pela Lei da Boa Razão, sendo estas: 1) Os processos que dessem entrada nos tribunais deviam ser julgados, antes de mais, pelas lies Pátrias e pelos Estilos das Cortes, que constituíam jurisprudência a observar em casos idênticos, desde que tivessem sido aprovados através de assentos da Casa da Suplicação “ (...) Mando por uma parte, que debaixo das penas ao deante declaradas se não possa fazer uso nas ditas Llegações, e Decisões, de Textos, ou de auctoridades de alguns Escriptores, em quanto houver Ordenações do Reino, Leis Pátrias e Usos dos Meus Reinos legitimamente aprovados também na Fôrma abaixo declarada

2) Foi conferida autoridade exclusiva aos assentos da Casa da Suplicação, fixandose os casos em que podia e devia proferir assentos normativos

(...) Attendendo a que a referida Ord. não foi estabelecida para as Relações do Porto, Bahia, Rio de Janeiro, e India, mas sim, e tão sómente para o Supremo Senado da Casa da Supplicação: E atendendo a ser manifesta a differença, que há entre as dictas Relações subalternas, e a Suprema Relação de Minha Corte; a qual antes pela Pessoal Presidência dos Senhores Reis Meus predecessores; e depois pela proximidade do throno, e facilidade de recorrer a elle; pela auctoridade de seu regedor, e pela maior experiencia dos seus doutos, e provectos Ministros; não só mereceu a justa confiança, que d’ella fizeram sempre os dictos Senhores Reis Meus Predecessores (bem caracterizada nos sobredictos da Ord. Do Reino, e Reformação d’ella) para a interpretação das leis, mas também constitue ao mesmo tempo nos Assentos, que nella se tomam sobre a importante matéria toda quanta certeza póde caber na providencia humana para tranquilizar a Minha Real Consciência, e a justiça dos Litigantes sobre os seus legítimos direitos: Mando, que os Assentos, que sobre as intelligencencias das Leis forem tomados em observância d’esta nas sobredictas Relações Subalternas,; ou seja por efeito das glosas dos Chancelleres; ou seja por duvidas dos Ministros; ou seja por controvérsias entre os advogado; haja recurso á Casa da Supplicação, para nella na prese do regedor se aprovem, ou reprovem os sobredictos Assentos por efeitos das contas, que d’elles devem dar aos Chancelleres das respetivas Relações, onde se tomarem. Aos quaes Chancelleres Mando outrossim que nas primeiras occasiões, que se lhes oferecem, remetiam indispensavelmente os dictos Assentos, anotes de se escreverem nos sues Livros, em Cartas fechadas ao dicto Regedor da Casa da Supplicação, para nella se tomarem os respetivos Assentos definitivos na Fôrma da Ord, e se determinar por eles se for justo; e se responder aos sobredictos Chancelleres recorrentes com as copias authenticas dos Assentos tomados na Casa da Supplicação; para então serem lançados nos Livros das dictas Relações Subalternas, e se ficarem observando nellas como Leis geraes, e impreteríveis. No caso em que as partes prejudicadas nos sobredictos Assentos das Relações Subalternas quiserem também d’elles agravar para a mesma Casa da Supplicação, o poderão fazer livremente, e nella lhes será deferido +por Assentos tomados na presença do Regedor, na sobredicta fôrma (...)” -.

3) Relativamente ao costume, veio fixar os requisitos concretos a que devia obedecer para poder ser considerado e observado. Deste modo, devia: a) Ser conforme à boa razão -Não pode ir contra os princípios do direito natural e divino b) Não contrariar a lei -Tem de seguir os princípios estipulados pelo direito das gentes e aplicado às nações cristãs -Dever seguir os princípios jurídicos e enformadores da civilização cristã -Não se aplicam o costume contra legem nem o praeter legem c) Ter mais que 100 anos de existência

-Forma de se evitar os abusos e a corrupção por parte das comunidades, que muitas vezes tentavam defender novas práticas que contrariavam a legislação régia Sem estes três requisitos preenchidos, os costumes seriam considerados “corruptelas, e abusos: proibindo que se aleguem, ou por elles se julgue, debaixo das mesmas penas acima determinadas, não obstante todas, e quaesquer disposições, ou opiniões de Doutores, que sejam em contrario” (14º da Lei da Boa Razão)

4) Se as fontes imediatas acabadas de referir não oferecessem solução para o caso a decidir, caberia recurso para o direito subsidiário ( aplicava-se o direito romano conforme a boa razão e, em caso de lacunas deste, a Lei das nações cristãs polidas e iluminadas) 5) Sobre o conceito de boa razão, o legislador pombalino começa a definir a boa razão pela negativa ( o que não é), de modo a determinar o que deveria ser entendido por ela. Assim: Primeiramente , é aquela que “consiste nos primitivos Princípios , que conteem verdades essenciaes, intrínsecas, e inalteráveis, que a ethica dos mesmos Romanos havia estabelecido, e que os Direitos Divino, e Natural formalizaram para servirem de regras Moraes, e Civis entre o Christianismo” ( 9º da Lei da Boa Razão) Depois, deve ser considerada a “que se funda nas outras regras, que de unamine consentimento estabeleceu o direito das Gentes para a direcção, e governo de todas as Nações civilizadas” (9º da Lei da Boa Razão) Por fim, pode se entender por boa razão aquela “que se estabelece nas Leis Políticas, Econômicas, Mercantis, e Marítimas, que as mesmas Nações Christãs teem promulgado com o manifestas utilidades do socego publico” (9º da Lei da Boa Razão)

6) A lei da Boa Razão veio proibir a aplicação subsidiária do direito canónino nos tribunais civis, relegando a sua aplicação para os tribunais eclesiásticos. 7) Proibiu a invocação e a aplicação em Tribunal das Glosas de Acúrsio e das Opiniões de Bártolo que, durante mais de 300 anos, com autonomia ou limitadas pela communis opinio, haviam sido observadas como fontes integradoras de lacunas.

Em termos globais, a Lei da “Boa Razão” faz eco aos próprios princípios e ideias do humanismo jurídico e é um reflexo da impulsão de reformar o direito nacional trazida

pelo Marquês de Pombal ,que tinha tomado inspiração para tal através do seu contacto direto com as monarquias iluminadas europeias. Além disso, esta lei revela ser um produto da época racionalista, da adoção dos Usos Modernos Pandectarum e do Despostismo Iluminado. Há autores que criticam a Lei da “Boa Razão”, afirmando que esta deslocou a confusão para a instabilidade da fixação das características da boa razão e da concordância da mesma aos preceitos do Direito romano que se invocavam como Direito subsidiário. Estabelece-se críticas à probabilitas e ao consensos, conduzida com dureza por autores como Descartes, Hobbes, Pufendorf e Locke, que recebem consagração legislativa. Porém, em geral, as obras académicas sobre este temas quase todas enxergam a Lei da Boa Razão como o início de um processo que inaugurou uma nova e modernizadora fase do direito português.

Gabriela Martins...


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