Direitos Reais - Sebenta PDF

Title Direitos Reais - Sebenta
Course Direitos Reais
Institution Universidade de Lisboa
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Direitos ReaisRegente Luís Menezes LeitãoRaquel Castro Guerreiroíndice A categoria dos Direito Reais Objeto e caraterísticas dos Direitos Reais A tutela constitucional dos Direitos Reais Princípios gerais dos Direitos Reais Conceito e estrutura do direito real A teoria do poder direto e imediato sob...


Description

Direitos Reais Regente Luís Menezes Leitão

Raquel Castro Guerreiro

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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índice A categoria dos Direito Reais .................................................................................................... 3 Objeto e caraterísticas dos Direitos Reais ................................................................................. 3 A tutela constitucional dos Direitos Reais ................................................................................. 4 Princípios gerais dos Direitos Reais ........................................................................................... 5 Conceito e estrutura do direito real.......................................................................................... 9 A teoria do poder direto e imediato sobre uma coisa ............................................................ 10 A teoria do poder absoluto ..................................................................................................... 11 As teorias mistas ..................................................................................................................... 11 As novas orientações da doutrina portuguesa ....................................................................... 12 Caraterísticas dos direitos reais .............................................................................................. 13 Objeto dos direitos reais: as coisas corpóreas e os animais ................................................... 16 Outros efeitos resultantes dos direitos reais: as situações jurídicas propter rem .................. 26 Classificações de direitos reais ................................................................................................ 32 A posse .................................................................................................................................... 35 A compropriedade ...................................................................................................................... 80 A constituição dos direitos reais ................................................................................................. 88 A constituição por negócio jurídico......................................................................................... 88 A constituição por lei............................................................................................................... 88 A constituição por sentença judicial ....................................................................................... 89 A usucapião ............................................................................................................................. 89 A acessão ................................................................................................................................. 93 Transmissão dos direitos reais .................................................................................................. 101 Modificação dos Direitos Reais ................................................................................................. 104 Defesa dos Direitos Reais .......................................................................................................... 105 A extinção dos direitos reais ..................................................................................................... 107 Publicidade dos Direitos Reais .................................................................................................. 114 A propriedade ........................................................................................................................... 128 A propriedade horizontal .......................................................................................................... 134 O usufruto ................................................................................................................................. 147

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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Secção I A categoria dos Direito Reais Os Direitos reais consistem num ramo do Direito Civil, sendo que vai buscar os seus quadros jurídicos ao Direito Romano, tendo assim uma origem histórica. Os direitos reais incidem sobre coisas, por contraposição aos direitos de crédito que são direitos dirigidos contra pessoas. A categoria dos Direitos Reais tem como caracterização unitária a denominada eficácia real, que consiste na eficácia do direito contra qualquer pessoa (oponível erga omnes), o que atribui ao direito real cariz absoluto por contraposição com o direito de crédito, que possui apenas cariz relativo.

Objeto e caraterísticas dos Direitos Reais A autonomização do ramo dos Direitos Reais tem uma base estrutural: a distinção entre direitos de crédito e direitos reais. O Livro III do CC (Direito das Coisas) não regula todo o sistema de Direitos Reais, uma vez que se limita, além da posse, a referir vários direitos reais de gozo, ficando os direitos reais de garantia e de aquisição dispersos por outros livros do CC. O Livro III abrange a posse (arts. 1251º a 1301º), a propriedade (art. 1302º a 1438º), o usufruto (art. 1439º a 1483º), o uso e habitação (arts. 1484º-1490º), a enfiteuse, hoje abolida, a superfície (arts. 1524º-1542º), e asa servidões prediais (arts. 1543º-1575º). Ou seja, o Livro III não trata nem dos direitos reais de garantia nem dos direitos reais de aquisição. Os direitos reais de garantia, devido à sua função de garantia das obrigações, são incluídos no Livro II (Direito das Obrigações). P.e., penhor (arts. 666º-685º), hipoteca (arts. 686º-732º), direito de retenção (arts. 754º-761º). Já os direitos reais de aquisição encontram-se dispersos pelos dois livros. P.e., art. 413º, 421º, 1409º e 1535º). O Direito das Coisas consiste assim no direito que regula a atribuição das coisas corpóreas com eficácia real, ou seja, eficácia absoluta perante terceiros. É considerado um ramo do direito civil, sendo este Direito Privado Comum. No âmbito do Direito Civil, o Direito das Coisas caracteriza-se por ter natureza patrimonial, ou seja, dizer respeito a situações jurídicas avaliáveis em dinheiro. O Direito das coisas, sendo um ramo do Direito Civil, partilha das suas características fundamentais: a liberdade e a igualdade, por oposição ao Direito Público que tem como características a competência e a autoridade. Por esse motivo, ficam fora dos Direitos Reais as situações jurídicas em que a atribuição das coisas não se realiza sob estes parâmetros, como sucede com as servidões administrativas, as concessões dos bens do domínio público, ou a expropriação por utilidade pública, reguladas pelo Direito Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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Administrativo. Ficam ainda de fora dos Direitos Reais as restrições ou vinculações efetuadas ao titular do direito real por normas de Direito Público, como sucede com a regulação da atividade de construção ou edificação, abrangida pelo Direito do Urbanismo, ou os impostos sobre a propriedade, regulados pelo Direito Fiscal. Ficam também de fora as matérias abrangidas pelo Direito Comercial - como o penhor mercantil e as hipotecas mercantis (por razões de especialidade). O Professor OLIVEIRA ASCENSÃO acredita que o Direito das Coisas é o ramo da ordem jurídica que disciplina a atribuição das coisas em termos reais. Os Direitos Reais correspondem a uma natureza bastante heterogénea. P.e., Manuel Gomes da Silva e Pinto Duarte - a propriedade e hipoteca são realidades tão diferentes que essa heterogeneidade impossibilitaria a construção de uma teoria geral. A tutela constitucional dos Direitos Reais Os Direitos Reais são objeto de tutela constitucional, art. 62º CRP; arts. 17º e 18º CRP- garantia constitucional da propriedade, análoga à dos direitos, liberdades e garantias. A Tutela constitucional da propriedade deve considerar-se extensiva a todos os direitos reais, e mesmo a todos os direitos patrimoniais privados, como é a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Essa garantia constitucional da propriedade visa essencialmente permitir aos cidadãos um espaço de liberdade, no âmbito do qual estes podem desenvolver livremente a sua vida, através do pleno aproveitamento dos bens de que são titulares. A proteção da propriedade envolve assim tanto uma componente estática, no âmbito do qual é permitido aos cidadãos a titularidade dos bens, como uma componente dinâmica, no âmbito da qual se permite aos cidadãos o seu pleno aproveitamento, designadamente através do uso, fruição, transformação e alienação do bem. No entanto, a proteção constitucional da propriedade não é absoluta, existindo alguma margem de liberdade conferida ao legislador ordinário na conformação do regime jurídico dos bens. P.e., art. 84º CRP legislador prevê o regime do domínio público. E a proteção jurídica da propriedade não é unitária, variando a mesma em função do tipo de bem em causa. A garantia constitucional da propriedade não impende ainda o legislador ordinário de estabelecer limites à propriedade individual, desde que respeito os termos da CRP, art. 62º/1 in fine. A própria CRP estabelece alguns limites ao direito de propriedade: sancionamento do abandono dos meios de produção, art. 88º, e o dever de pagar impostos. Em virtude da garantia constitucional da propriedade, a mesma só pode ser restringida nos casos expressamente previstos na lei, devendo a restrição ser efetuada de forma proporcional para salvaguardar direitos e interesses legalmente Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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protegidos (art. 18º/2 CRP), tendo ainda as restrições que operar por via legal e abstrata e respeitar o núcleo fundamental do direito, art. 18º/3 CRP. Secção II Princípios gerais dos Direitos Reais 1. Generalidades Os princípios dos Direitos Reais correspondem às ideias gerais que subjazem às normas deste ramo de Direito. Existem, porém, divergências doutrinárias relativamente à identificação dos princípios dos Direitos Reais. Princípios do Direito das Coisas: a) a) b) c) d) e)

Princípio da tipicidade; Princípio da especialidade; Princípio da elasticidade; Princípio da transmissibilidade; Princípio da publicidade; Princípio da boa fé.

2. Princípio da tipicidade Este princípio encontra-se previsto no art 1306º CC, que proíbe a constituição de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito fora dos casos previstos na lei. Esta norma pretende estabelecer a proibição da existência de direitos reais que não se encontrem previstos na lei. Efetivamente, o código pretendeu limitar o elenco dos direitos reais àqueles que a lei reconhece e abolir todos aqueles que não correspondam aos tipos legais, como os constantes de costumes. Se as partes ao abrigo da autonomia privada quiserem criar novos direitos reais, a lei nega-lhes a pretendida eficácia real, atribuindo-lhes apenas natureza obrigacional. A tipicidade implica, assim, uma limitação do número de realidades que podem ser qualificadas como direitos reais, não podendo os mesmos resultar do costume ou da autonomia privada, tendo que ser a lei a criar os direitos inseridos nessa categoria. A tipicidade restringe-se, no entanto, à criação de direitos reais, não abrangendo negócios reais. De facto, nada impede as partes de criar direitos reais reconhecidos pela lei através de contratos atípicos. A tipicidade não implica que o intérprete tenha que seguir as qualificações legais, apenas reconhecendo caráter real aos direitos que a lei considere expressamente como Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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direitos reais. A tipicidade restringe-se à exigência da criação legal desses direitos, não abrangendo a respetiva qualificação, que não vincula o intérprete. Pode, por isso, o intérprete, qualificar como reais direitos que a lei não reconhece expressamente como tais, como sucede com o direito do locatário ao considerar como um direito real autónomo situações que a lei qualifica como de propriedade, como sucede com a propriedade horizontal. Há várias razões que justificam a consagração do princípio da tipicidade dos direitos reais: − O cariz absoluto dos direitos reais pode constituir um entrave à circulação dos bens, na medida em que permite ao titular do direito opô-lo eficazmente a qualquer adquirente de boa fé; − Não se apresenta adequado permitir a sobreposição sucessiva de direitos sobre coisas, que pode dar origem a litígios, que afetam a possibilidade de exploração de bens; − Representando os direitos reais a ordenação jurídica dos bens, parece mais correto que seja o Estado a institui-la, ao invés de a deixar ao livre critério dos particulares. A tipicidade é também sujeita a críticas devido à sua consagração, as normas de Direitos Reais constituem a parte mais rígida e menos mutável do Direito Privado Patrimonial. A infração à regra da tipicidade implica, nos termos do art 1306º/1 CC, que aos novos direitos assim criados não seja atribuída eficácia real, mas eficácia meramente obrigacional, sendo este um caso de conversão legal, que foge aos pressupostos do art 293º. 3. Princípio da especialidade Este princípio exige que se possa individualizar concretamente a coisa que constitui objeto do direito real. Os direitos reais têm necessariamente por objeto coisas corpóreas. O princípio da especialidade refere que para se poder constituir um direito real, as coisas corpóreas sobre que o mesmo incide têm que se encontrar determinadas, ter existência presente e ser autónomas de outras coisas. Se tomarmos em consideração separadamente estas três exigências poderemos dividir este princípio em três subprincípios: − Subprincípio da determinação determinação, exige que para que possa ocorrer a constituição do direito real, a coisa sobre que o mesmo incide se encontre determinada. De facto, se o titular tiver apenas direito a receber coisas genéricas não possui um direito real, mas apenas um direito de crédito, art 539ºCC, só se constituindo o direito real a partir do momento em que as coisas sejam determinadas, art 408º/2 CC. Pelo mesmo motivo, não existem direitos reais autónomos sobre universalidades, incidindo o direito individualmente sobre cada uma das coisas que compõem a universalidade. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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− Subprincípio da atualidade, exige que a coisa tenha existência presente para poder ser objeto de direitos reais. Ao contrário da prestação, que pode ser relativa a coisas futuras, art 399ºCC, e constitui ela própria uma conduta futura do devedor, as coisas têm que ter existência presente para poder ser objeto dos direitos reais. Assim, um direito a coisas futuras não constitui um direito real, mas antes um direito de crédito, apenas se podendo transmitir o direito quando a coisa é adquirida pelo alienante, art 408/º2 CC. Da mesma forma, não existe um direito real sobre coisas passadas, implicando a perda da coisa a extinção do direito que sobre ela incidiu. − Subprincípio da autonomização ou da totalidade, estabelece que para existir um direito real, o mesmo não poderá incidir apenas sobre partes de uma coisa, tendo que incidir sobre coisas autónomas. Assim, não se poderá constituir um direito real relativamente a coisas ligadas materialmente a outras, exigindo-se a sua prévia separação, art 408/2 CC. Da mesma forma, se a coisa vier a ser unida e incorporada noutra coisa, verificar-se-á a extinção do direito e a sua aquisição ex novo por acessão, art 1325º. Por esse motivo, nem sequer é possível manter a reserva de propriedade art 409 nº1, a partir do momento em que as coisas passem a constituir partes integrantes dos prédios. O princípio da totalidade sofre, no entanto, alguma atenuação em matéria de servidões, em relação às quais se pode estabelecer a parte do prédio sobre que podem ser exercidas. Em consequência do princípio da especialidade, os negócios jurídicos sobre direitos reais são considerados como negócios de disposição e não como obrigacionais.

4. Princípio da elasticidade Este princípio exprime a admissibilidade da sua compressão, em virtude da constituição de um novo direito real que onere a coisa, bem como da sua expansão, em caso de extinção posterior desse direito. O conteúdo do direito real não é assim imutável, variando à medida que se vão constituindo e extinguido os direitos reais que incidem sobre a coisa. Alguma doutrina tem feito referência a um princípio de compatibilidade (ou da exclusão), referindo que só pode existir um direito real sobre determinada coisa que seja compatível com outro direito que a tenha por objeto. No entanto, o regente considera que não se pode falar de um princípio com estas características. É manifesto que em caso de sobreposição de direitos sobre a mesma coisa, se torna necessário que a lei restrinja um deles ou ambos, para que todos se possam harmonizar, como sucede com a compressão da propriedade, perante a constituição do usufruto, ou com o regime da compropriedade, em caso de pluralidade de titulares do mesmo bem. Os direitos são, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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porém, potencialmente incompatíveis entre si, como se vê pela necessidade de compressão que a lei estabelece. Não é naturalmente possível constituir sucessivamente duas propriedades sobre a mesma coisa, mas tal resulta da falta de legitimidade para a realização de uma segunda disposição do mesmo direito, e não de uma falta de compatibilidade dos direitos entre si. Como resulta deste princípio, em consequência da extinção de um direito real menor, o direito real maior pode retomar o seu conteúdo originário, como sucede com a propriedade, em caso de extinção do usufruto.

5. Princípio da transmissibilidade Este princípio não é específico dos direitos reais, na medida em que a regra dos direitos patrimoniais é a de que eles são em princípio transmissíveis, tanto em vida como por morte. No entanto, é nos direitos reais que a transmissibilidade atinge maior importância, sendo incluída mesmo na garantia constitucional da propriedade privada, art 62º nº1 CRP. A transmissibilidade implica: − Que os direitos reais possam ser objeto de sucessão por morte, art 2024º. No entanto, há alguns direitos reais em relação aos quais se exclui a heritabilidade, como o usufruto e o uso e habitação que não podem exceder a vida do titular art 1443º; − A transmissibilidade implica que o direito real possa ser transmitido por ato inter vivos. Esta solução é, no entanto, excetuada pela existência de direitos reais inalienáveis, como o uso e habitação, art 1488º. O regime da transmissibilidade negocial dos direitos reais encontra-se regulado no art 408º, sendo a transmissão negocial dos direitos reais regulados entre nós pelos princípios da consensualidade e da causalidade. O Princípio da consensualidade significa que para a construção ou transmissão do direito real basta normalmente acordo entre as partes, pelo que a celebração do contrato acarreta logo a transferência do direito real, artsº 408/1 e 1317º/a). A transferência ou constituição do direito real é, consequentemente, imediata e instantânea. Logo, no momento da celebração do contrato, o adquirente torna-se titular do direito objeto desse mesmo contrato. Assim, ao contrário do que sucede com os efeitos obrigacionais, que exigem o posterior cumprimento das respetivas obrigações, o efeito real verifica-se automaticamente no momento da formação do contrato, sendo por isso a propriedade transmitida apenas com base no simples consenso das partes, verificado nesse momento. Princípio da causalidade Ligado a este princípio, está o Princípio ausalidade, nos termos do qual a existência de uma justa causa de aquisição é sempre necessária para que o direito real se Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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constitua ou transmita. Como a existência de título é necessária para a constituição ou transmissão do direito real, a validade ou regularidade da causa de aquisição é imprescindível para que essa constituição ou transmissão se opere, pelo que qualquer vício no negócio causal afetará igualmente a transmissão da propriedade. 6. Princípio da publicidade Este princípio significa que os factos jurídicos relativos aos direitos reais devem ser dados a conhecer ao público em ...


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