Exercício etnográfico: as interações entre os palestrantes e a platéia no “Congresso Internacional de Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais” PDF

Title Exercício etnográfico: as interações entre os palestrantes e a platéia no “Congresso Internacional de Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais”
Author Arilson Silva Silva
Course Etnografia
Institution Universidade Federal da Bahia
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Summary

Se trata de um trabalho que busca desvenda o que várias interações entre a plateia e os palestrantes durante um congresso realmente revelavam quando analisávamos mais a fundo sobre elas. ...


Description

Universidade Federal da Bahia Data: 15 de Novembro de 2018 Aluno: Arilson Silva da Silva Disciplina: Etnografia Professora: Marina Guimarães Vieira

Exercício etnográfico: as interações entre os palestrantes e a platéia no “Congresso Internacional de Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais”

O Congresso Internacional de Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais foi marcado por um diálogo bastante rico de conhecimento a cerca de povos muitas vezes marginalizados pela sociedade e esquecidos pelo poder público, como estudante da UFBA tive a oportunidade de acompanhar em alguma medida as atividades do congresso e pude tirar dali enormes contribuições em termos de aprendizado, mas além de todos os temas ali abordados como: os limites do reconhecimento das diversidades e diferenças; a violação dos direitos territoriais em tempos atuais; etc. O congresso teve também algumas aspectos mais sutis ou pouco observados pela grande maioria das pessoas, que ao longo do tempo chamou a minha atenção como um estudante que estava ali também com o objetivo de extraí material para a realização de um exercício etnográfico. Dessa forma, o texto que se segue vai ser uma tentativa no primeiro momento de lançar um panorama geral daquilo que foi dito em uma mesa e em painel do congresso (pois, foram de ambos especificamente que retirei o “objeto” de meu exercício) e num segundo momento será feita uma explanação sobre aquilo que de fato observei dando maior importância. Como é visível para o leitor estou em vários momentos do texto (inclusive agora mesmo) utilizando a primeira pessoa do singular, isso se dá pelo fato de eu ter sido convencido pelo texto “Ser afetado” de Favret-Saada, onde a mesma argumenta sobre a necessidade de ser afetado pelo campo para se conseguir informações no campo, e da mesma forma que se obtém essas informações (sendo afetado), nada mais franco a se fazer do que também expor claramente as formas como se foi afetado no texto, daí se justifica os meus elogios a experiência que o congresso me proporcionou.

Tendo encerrado esse prólogo, segue-se então aquilo que de fato ocorreu durante o congresso. O primeiro espaço do congresso que irei comentar foi à mesa que ocorreu no dia 8 de Novembro de 2018 (segundo dia do congresso) que tinha como tema “direitos humanos: limites de reconhecimentos das diversidades e diferenças”, onde teve como palestrantes Antônio Bispo (quilombola) e Rutian Pataxó (povo Pataxó) e teve como mediador Diosmar Santana Filho (GPhEDDH - UFBA). O tema inicialmente abordado foi o do descaso do colonizador para com os contratos firmados pela fala descaso esse que foi levado ao ataque empreendido pelos contratos escritos, o que levou muitas comunidades tradicionais a ter consigo um tradutor, que seria aquele que dominaria tanto a fala nativa, quanto os caracteres escritos do colonizador, Bispo comenta que aquele que foi escolhido para ser o tradutor pela sua comunidade foi ele, dessa forma foi educado também pelo método do colonizador e com isso pode traduzir a fala para a escrita, porém o mesmo diz que traduzia através de seus sentimentos. A fala dos palestrantes vai avançando de forma que Bispo faz uma grande explanação inicial, e posteriormente Rutian também explanou sobre a sua origem como pertencente a uma comunidade tradicional e a sua atuação dentro da UFBA levando em consideração a sua posição como uma “pataxó”, boa parte daquilo que Bispo argumentou ela corroborou trazendo isso para sua experiência e a experiência do seu povo em particular. Outro tema bastante discutido durante essa mesa é sobre a questão do direito, os palestrantes fazem uma importante constatação a respeito do direito e a falta de garantias para o seu usufruto, e isso estaria, conforme eles apontaram, nas condições necessárias para se usufruir de um direito que se tem teoricamente, ou seja, se determinado povo tem o direito legal a determinado território, mas lhe é negado à informação desse direito (uma hipótese), junto com essa falta de informação se dá também a falta de condições necessárias para que esse povo possa usufruir desse território que lhe pertence por direito, partindo dessa hipótese levantada pode-se ver que pouco adianta se ter um direito garantido por lei, se na mesma medida não se garante as condições necessárias para que se possa usufruir desse direito, e em grande medida é isso que ocorre para com as comunidades tradicionais no Brasil conforme apontam Bispo e Pataxó. O segundo espaço do congresso trata-se de um painel que teve como tema “a violação dos direitos territoriais em tempos atuais” e ocorreu também no dia 8 de Novembro de 2018 e contou com a participação de Doté Amilton Costa (terreiro Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe), Caciqua Antônia Assis (povo Tuxá Rodelas),

Elionice Sacramento (Comunidade Quilombola de Salinas das Margaridas), quem iniciou a fala no painel foi o senhor Amilton que contou de maneira bastante emocionada um acontecimento que houve na sua residência, onde vários policiais agiram de forma truculenta para com ele desrespeitando a sua casa passando uma má imagem do seu terreiro para a comunidade que mora próximo dele, diante desse acontecimento, ele foi denunciar a conduta dos policias para contigo, e foi onde a delegada deliberadamente omitiu informações do denuncia que Amilton fez. A segunda a se pronunciar sobre o tema do painel foi a Antônia Assis, e seu pronunciamento se centralizou na negligencia do Estado para com sua comunidade e de maneira geral, para com as comunidades tradicionais, diante desse problema, ela faz uma crítica aos direitos que são reservados para as comunidades tradicionais, mas só estão no papel e não se fazem presentes na realidade do povo Tuxá Rodelas. A terceira a falar foi Elionice Sacramento, sua fala se centrou na questão dos empreendimentos empresarias que vão invadindo os territórios do quilombo, violando dessa forma os direitos territoriais dessa comunidade tradicional, com isso ela avança em lançar críticas aos governos de esquerda que de certa forma foram negligentes aos avanços de empreendimentos como os que estão ocorrendo com sua comunidade (e com isso ela corroborou com a fala de Assis). Diante das falas dos palestrantes, podemos dizer que as formas de violação dos direitos territoriais nos dias atuais se dão tanto pela ação direta do Estado, e isso se fica evidente na fala de Doté, quanto pela negligencia do Estado para com o desrespeito de terceiros com os direitos das comunidades tradicionais, e isso aparece com nitidez nas fala de Assis e Sacramento. Passado esse primeiro momento de uma explanação geral daquilo que foi dito na mesa e no painel, passarei assim para o segundo momento desse exercício etnográfico, onde será comentado sobre aquilo que foi observado com maior interesse e assim tomado como objeto específico desse exercício, e esse objeto seria as interações que ocorriam da platéia para com os palestrantes, ou seja, as reações que platéia passava para os palestrantes, a partir de suas falas, é óbvio que teve uma grande quantidade de interações desse tipo mais particulares de algumas pessoas da platéia que por serem muito específicas não tiveram a possibilidade de serem observadas, porém houve uma grande quantidade de interações que foram realizadas por boa parte da platéia e assim permitiram ser observadas com um maior grau de precisão do ponto de vista do seu suposto motivo, e da sua forma de ser realizada.

Essas interações foram basicamente risadas, palmas, reações de surpresa e comentários e perguntas que ocorreram nos finais da mesa e do painel. Essas interações podem ser tomadas como não importantes para muitos, mas elas revelam de certa maneira a constituição dessa platéia, ou seja, elas evidenciam de alguma forma as pessoas que compõe a platéia e a importância daquilo que o palestrante está expressando para elas. Em um momento da mesa Bispo fez uma piada em que ele compara Jesus com Marx, diante disso boa parte da platéia reagiu e interagiu com ele através do riso, muito provavelmente essa não seria a reação se a platéia fosse composta de cristãos fundamentalistas, dessa forma essa reação descontraída e espontânea demonstra que essa uma platéia não tem uma grande parcela, ao menos, de pessoas que se consideram fortemente religiosas do cristianismo. Em alguns momentos se tem palmas durante as falas, e isso também revela que boa parcela da platéia está de acordo e gostou daquilo que foi dito, dessa forma, esses pequenos conjuntos de reações/interações da platéia para com os palestrantes nos mostra não apenas traços sociais daqueles que compõe a platéia, mas também o “humor” da platéia para com aquilo que é dito, e esse humor também nos apresenta a importância daquilo que é dito, pude ver que algumas pessoas batem palmas com mais força, que algumas se emocionam ao parabenizar determinada fala, e isso revela o quanto aquilo que foi dito tem de importância para essas pessoas, poderíamos até supor que é como se aquilo que foi dito por determinado palestrante é o que determinada pessoa ou pessoas da platéia gostariam de dizer, e essa suposição ganha força quando analisamos os comentários feitos por algumas pessoas aos finais das falas dos palestrantes (algo que vai ser comentado mais adiante). Outros tipos de reações/interações puderam também ser observadas, e essas se tratam daquilo que entendi como “reações de surpresa”, uma teve um destaque por ser bastante generalizada pela platéia, e essa se deu quando Bispo fez uma crítica a democracia que se tornou um valor bastante defendido por muitos que o rodeia, a sua crítica se dá pela origem euro cristã do conceito de democracia, e como o mesmo argumenta “se a democracia prestasse não tinha problema no mundo”, dessa forma Bispo não se considera “de democracia” mas sim “de confluência”. Diante dessa crítica forte que Bispo faz ao expor sua posição de não utilizar conceitos do colonizador se percebe na platéia uma reação de surpresa e inquietação, pois na atualidade onde boa parte da

Academia se apresenta com defensora da democracia se torna inesperado que alguém faça abertamente no ambiente da Academia uma forte crítica a democracia. Houve um tipo de reação/interação que ocorreu apenas uma vez somando a mesa e o painel, e essa reação foi objeção da platéia por conta de uma fala da Elionice Sacramento (no painel). Isso ocorreu quando ela argumentou que durante os governos de esquerdas “nós nos sentíamos (equivocadamente) Estado”, a rejeição da platéia se ocorreu no exato momento dessa fala, o que nos leva a pensar que isso se deu por conta que boa parte da platéia não se sentia (mesmo equivocadamente) Estado durante os governos de esquerda e dessa forma o emprego do “nós” pareceu inapropriado por parte da platéia, gerando assim uma reação de incômodo por ter sido incluído em um “nós” do qual não se sentia pertencente. Dessa forma, vimos alguns conjuntos de reações /interações coletivas por parte da platéia para com os palestrantes, agora passaremos a lidar com as interações mais particulares de determinados sujeitos da platéia, e isso é perceptível a partir dos comentários realizados após as falas dos palestrantes. Boa parte desses comentários se deu de forma a corrobora com aquilo que foi dito pelos palestrantes, e como já foi de maneira breve abordado acima, muitos demonstraram que aquilo que foi dito, aquilo que foi expresso por aqueles que compuseram a mesa e o painel era uma representação daquilo que muitos que estavam na platéia sentiam, pensavam, porém não tinham uma grande visibilidade para poder se fazer ser ouvido, esse elemento da representatividade que foi exposto demonstra a importância de um espaço como esse que serve para dar voz a muitos daqueles que são silenciados pela mídia, pela sociedade e as vezes pelo próprio Estado. Dois comentários recebem um maior destaque aqui, pois eles demonstraram um tipo de interação de uma pessoa da platéia para com outra pessoa da platéia, e isso deu por conta que um sujeito argumentou que a Bahia sempre se mostrou aberta a diversidade religiosa e isso se expressa na missa que ocorre dentro da Igreja Católica e a lavagem que as baianas fazem nas escadarias, diante desse comentário uma outra pessoa comentou respondendo a ele, relatando que para ela a Bahia não se mostra aberta e sim perigosa e isso se evidenciava a forma como boa parte da população enxergava as religiões de matrizes

africanas, e que está do lado de fora lavando as escadarias

demonstrava o papel subalterno dessas pessoas.

Diante de tudo que foi dito, fica evidente aquilo que no geral foi discutido nesses dois espaços do congresso e a forma como se desenvolveu as questões abordadas dando destaque para as reações e interações da platéia (ou parte da platéia) revelando assim de maneira ao menos parcial a constituição social da platéia e o seu humor para com o que é dito pelos palestrantes, se aquilo de alguma forma representa aquela pessoa ou se aquilo de alguma forma fere aquilo que a pessoa acredita ser verdadeiro. Dessa forma, isso demonstra a importância de se observar o comportamento da platéia perante aquilo que é dito pelos palestrantes e a sua forma de dizer para eles aquilo que aquele conjunto de pessoas está sentindo de forma mais ou menos homogenia, e o 4º Congresso Internacional de Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais se mostrou um campo bastante rico dessas interações para aqueles que se interessam nesses aspectos sociais observáveis....


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