O local da cultura de Homi Bhabha (Capítulos III e IV) PDF

Title O local da cultura de Homi Bhabha (Capítulos III e IV)
Author Jessica Stori
Course Literatura e Estudos Culturais
Institution Universidade Federal do Paraná
Pages 8
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Resumo e texto explicativo dos conceitos e elaborações do autor Homi Bhabha nos capítulos III e IV da célebre obra O Local da Cultura de 1998....


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O Local da Cultura (1994) de Homi K. Bhabha - Capítulo III e IV

Homi K. Bhabha nasceu em Mumbai, na Índia, onde iniciou sua formação e especialização em literatura. Já na Inglaterra, fez o doutorado em Literatura Inglesa em Oxford. Atualmente é professor de Literatura e Linguagem inglesa e estadunidense e Diretor do Centro de Humanidades Mahindra em Harvard. É também um dos principais teóricos do pós-colonialismo e elaborou conceitos chaves no campo de pesquisa; são eles hibridismo, mímica, ambivalência, estereótipo, enunciação e diferença cultural. Alguns deles que vamos nos deter na apresentação dos capítulos III e IV do seu livro de ensaios O Local da Cultura (1994). Capítulo 3 – A outra questão: o estereótipo, a discriminação e o discurso do colonialismo I Bhabha inicia o capítulo dizendo que um aspecto importante do discurso colonial é sua dependência do conceito de “fixidez” na construção ideológica da alteridade. Essa fixidez da diferença na cultura, na história e na raça está presente no discurso colonialista e representa uma ordem rígida e imutável, mas também mostra a desordem e a degeneração. Nessa fixidez do discurso existe o estereótipo, que de acordo com o autor, é a principal estratégia desse discurso, pois é uma forma de conhecimento e de identificação que vacila entre o que está no lugar conhecido e algo que precisa ser repetido. Ele dá como exemplo do estereótipo a bestial liberdade sexual do africano que

não precisa de prova, mas que não consegue ser provada no discurso. Portanto, no estereótipo há o que o autor chama de ambivalência, o que dá força ao discurso e garante sua repetibilidade, embasa suas estratégias de individuação e marginalização e que produz uma provável verdade. A função da ambivalência como uma das estratégias discursivas e psíquicas mais significativas do poder discriminatório (seja racista ou sexista, periférico ou metropolitano) não foi ainda mapeado ou historicizado por conveniência política, pois para reconhecer o estereótipo como conhecimento e poder, ou seja, de modo ambivalente exige uma reação teórica e política que desafia os modos deterministas ou funcionalistas de conceber a relação entre o discurso e a política. Na leitura de Bhabha o ponto de intervenção é não tomar as imagens do discurso colonialista apenas como negativas ou positivas, mas entender os processos de subjetivação tornados possíveis através do discurso do estereótipo. Ele diz, “para compreender a produtividade do poder colonial é crucial construir o seu regime de verdade e não submeter suas representações a um julgamento normatizante”. Portanto, a ambivalência está contida no discurso do estereótipo, que ao ser percebida, mostra a produção da diferença, da alteridade entre o objeto de desejo e escárnio, articulação que revela as fronteiras do discurso colonial. Onde há fronteira, pode haver transgressão. Para compreender a construção do sujeito colonial no discurso é preciso entender que há uma articulação entre as diferenças raciais e sexuais, portanto, o corpo está sempre inscrito tanto na economia do prazer e do desejo (Laznik, psicanalista lacaniana, o gozo como essencial à constituição do sujeito, O excesso de gozo do Outro pode prejudicar ou obstaculizar a constituição do sujeito), tanto na economia do discurso, da dominação e do poder. Dessa forma, há um espaço da articulação da diferença, da alteridade, no âmbito político e teórico. As qualidades raciais e sexuais passam a ser vistas como modos de diferenciação e embasam as práticas discursivas e políticas de hierarquização racial e cultural. Antes de pensar a construção do discurso colonial, Bhabha quer perceber a marginalização da alteridade nos textos teóricos que se ocuparam do tema da “diferença” a partir do modo de representação da alteridade. Então se utiliza da análise de Stephen Heath sobre o filme A Touch of Evil [A Marca da Maldade], de Orson Welles, mais especificamente sobre a dedicação do autor sobre à estruturação da fronteira México/Estados Unidos, onde Heath percebe de maneira relevante os lugares

contraditórios e diversos do sistema textual que constroem diferenças nacionais e culturais quando fazem uso das palavras “estrangeiro”, “mistura”, “impureza” como transgressões e corrupções. Mas apesar dessa atenção dada pelo autor, a análise de Heath marginaliza a alteridade quando percebe apenas sob o signo da sexualidade e não o intersecciona com a questão racial. Se utiliza também dos objetivos anti-colonialistas de Robert Stam e Louise Spence em “Colonialismo, racismo e representação” e percebe que os autores mudam os objetivos políticos e críticos em suas análises, mas permanecem, de certa forma, reproduzindo uma ideia de estereótipo capaz de oferecer um ponto seguro de identificação. Ao contrário, Bhabha propõe ver o estereótipo como um “modo de representação complexo, ambivalente e contraditório, ansioso na mesma forma que afirmativo”. Para se combater o etnocentrismo nas análises, Bhabha considera importante especificar os limites do próprio campo enunciativo, ou seja, para representar a alteridade, a diferença é preciso abandonar a vontade de poder e conhecimentos das leituras. Aqui eu pensei especificamente no conceito de lugar de fala. II Nessa segunda parte, Bhabha fornece o que considera as condições mínimas e específicas do discurso colonial. Para ele o aparato se mostra no reconhecimento e repúdio das diferenças raciais/culturais/históricas com função estratégica na criação do que ele chama de “povos sujeitos” através da produção de conhecimento onde se exerce a vigilância o prazer/desprazer onde se legitima a diferença no conhecimento tanto do colonizado e do colonizador como pensamentos contrários. Na p. 111 Bhabha cita que “o objetivo do discurso colonial é apresentar o colonizado como uma população de tipos degenerados com base na origem racial de modo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução”. Ou seja, o Outro produzido pelo discurso colonial é uma realidade social e também visível. Aí que Bhabha coloca a narrativa colonial como semelhante à narrativa do realismo com sua busca da retratação da vida e do cotidiano e com seu regime de verdade. Edward Said, intelectual palestino, no seu livro Orientalismo percebe nos discursos europeus a criação do Oriente como termos unificados em raça, geografia, política e cultura a partir do emprego do “eterno atemporal”, sempre utilizando-se do “é

assim”, “sempre”, “eterno” para designar sua construção do Oriente. Said identifica na criação do discurso sobre o Oriente o conteúdo como inconsciente fantasioso, escritos imaginativos e ideias essenciais. Entretanto, para Bhabha, o orientalismo de Said também unifica o sujeito quando os coloca sempre em oposição ou dominação através das múltiplas relações de poder, sem que perceba a ambivalência dentro do discurso. Ainda, Bhabha percebe, a partir de Foucault, que “a força do discurso colonial e póscolonial como intervenção teórica e cultural na contemporaneidade representa a necessidade urgente de contestar singularidades de diferença e de articular ‘sujeitos’ diversos de diferenciação” (p. 115), pois as relações de poder se apoiam em tipos de saber hegemônicos. Ao final da p. 115, Bhabha então propõe que a leitura do estereótipo seja em termos de fetichismo - visto a partir da ansiedade da castração e da diferença sexual, ou como consta no Dicionário de Psicanálise: “Freud construiu uma teoria que o levaria, em seu artigo de 1927, a compreender o fetichismo como a coexistência de uma recusa da percepção da ausência do pênis na mulher com um reconhecimento da falta, levando a uma clivagem* permanente do eu* e à fabricação do fetiche como substituto do órgão faltante” (p. 237). Para entender o fetiche dentro do discurso é importante compreendêlo como um jogo simultâneo onde há o reconhecimento da diferença e ao mesmo tempo a recusa da mesma, percebendo então uma identidade baseada na dominação e no prazer quanto na ansiedade e na defesa. E ao se reconhecer como diferente pelo fetichismo há a reativação do desejo no sujeito por uma origem pura que é sempre ameaçada por sua identidade ambivalente. Bhabha conclui que o estereótipo, então, tanto para o colonizador quanto para o colonizado representa a duplificação da cena do reconhecimento (pois a partir dele se vê uma falsa representação de uma dada realidade), mas também se vê a diferença fixa, de representação que ao negar a diferença constitui a representação do sujeito na ordem social e psíquica. Pois, na fala de Gayatri C. Spivak, “só há sujeito fixo graças à repressão” (SPIVAK, p. 31, 2014). Ao final da página 117 Bhabha descreve a partir de Frantz Fanon, psiquiatra, filósofo e ensaísta de origem francesa e africana, em Pele Negra, Máscaras Brancas “que o que se nega ao sujeito colonial, tanto como colonizador quanto colonizado, é aquela forma de negação que dá acesso ao reconhecimento da diferença”, no sentido de dar a possibilidade de liberação do

significamte “pele/cultura” das fixações do que sua raça significa nos discursos coloniais de forma “negativa”, ou seja, enquanto racismo. III Nesta parte Bhabha continua sua análise do estereótipo a partir da obra de Fanon se utilizando do episódio relatado pelo autor para pensar os dramas coloniais e suas encenações. Para Bhabha, “as cenas primárias ilustram [...] que olhar/ouvir/ler [são] lugares de subjetificação no discurso colonial [e] são prova da importância do imaginário visual e auditivo para as histórias das sociedades” (p. 118). Na importância do ver e ser visto, Bhabha atenta-se para importância da vigilância do poder colonial que funciona em relação ao regime de pulsão escópica que é força e o prazer em olhar o objeto de desejo (prazer e poder). A partir da imagem o esquema do imaginário lacaniano torna-se importante. Sob o espelho o sujeito assume uma imagem distinta que torna-se problemática ao colocar o sujeito diante do reconhecimento e da recusa, o que traz uma identificação ligada ao narcisismo e a agressividade. Duas formas de identificação que constituem, para Bhabha, a estratégia dominante do poder colonial exercida em relação ao estereótipo, que ao reconhecer a diferença logo a máscara. Imagem enquanto identidade sempre ameaçada pela falta. O processo de mascaramento, como mostra na p. 120 é inscrito pela falta, que deve ser ocultada e pela fixidez contida nas histórias estereotipadas “sobre a animalidade do negro, a inescrutabilidade do cule ou a estupidez do irlandês” contadas repetidamente. Como se não existisse nada antes, durante ou depois do que é o fixo colonial, como Fanon descreve, “um total desaparecimento da cultura préexistente” que leva a mumificação cultural e por consequência a mumificação do pensamento individual. Bhabha desenvolve uma estratégia em quatro termos do estereótipo para fornecer uma estrutura e um processo do sujeito do discurso colonial. Toma, num primeiro momento, o problema da discriminação como efeito político do discurso e percebe a pele como significante chave da diferença cultural e racial no estereótipo e presente no fetiche visivelmente a partir do público drama racial encenado todos os dias nas sociedades coloniais. A diferença do objeto da discriminação, para Bhabha a partir de Abbot, “é ao mesmo tempo visível e natural – cor como signo cultural/político de inferioridade ou degeneração, a pele como sua identidade natural” (p. 123). Mas para

ampliar a visão a partir dessa afirmação, Bhabha aplica o seu conceito de estereótipocomo-sutura para pensar a ambivalência desse reconhecimento de identidade natural tanto da ordem da identificação quanto da ordem da autoridade. Voltando a questão da pele como significante para o racismo no discurso colonial, Bhabha diz que “visibilidade da escuridão é um significante primeiro do corpo e seus correlatos sociais e culturais”. O estereótipo sob estratégia do discurso colonial carrega a crença múltipla, a ambivalência, a cisão subversora, pois mistura e divide a identidade, polimorfa e perversa: “o negro é ao mesmo tempo selvagem (canibal) e ainda o mais obediente e digno dos servos (o que serve a comida); ele é a encarnação da sexualidade desenfreada e, todavia, inocente como uma criança; ele é místico, primitivo, simplório, e, todavia, o mais escolado e acabado dos mentirosos e manipulador das forças sociais”. Ainda, a fantasia colonial em seu discurso ambivalente propõe condições de dominação e controle, onde o “nativo é progressivamente reformável”. Onde a separação torna-se visível e a dominação se mostra na exploração do colonizado durante a negação de sua capacidade de se autogovernar e de ter independência. Este discurso racista estereotípico institucionaliza-se em ideologias políticas e culturais que Bhabha diz serem “preconceituosas, discriminatórias, vestigiais, arcaicas” etc. e tomam o controle dos povos nativos como necessidade, para se levar a civilização, para tornálos civilizados mesmo que ao final nunca possam tomar o espaço de verdadeiros semelhantes. E na tentativa perversa de ser o civilizado existe a mímica. Capítulo IV – Da mímica e do homem: a ambivalência do discurso colonial A mímica, de início, para Bhabha, é uma das estratégias mais ardilosas e perversas do poder e do saber coloniais (p. 130). A mímica representa um acordo irônico onde existe o desejo de um Outro reformado, mas não totalmente, ela representa também ambivalência e atenção e reconhecimento à diferença aparente. Ela é a representação da diferença e também o processo de recusa. A ambivalência da mímica fixa o sujeito colonial como uma presença “parcial”, ou seja, “incompleto”, em progresso, subdesenvolvido, em desenvolvimento. Aqui pode-se pensar, então, a subjetividade colonial a partir do exemplo de Bhabha com Grant, que compreende que a difusão parcial do cristianismo na Índia produziu uma reforma parcial, ou seja, havia uma imitação dos costumes ingleses, mas uma tolerância sobre as religiões pagãs. É visível então, nesta ação de políticas e

expansão colonial do cristianismo como legitimador do discurso colonial, que criou a partir da imitação de costumes “uma classe de pessoas que são indianas em sangue e cor, mas inglesas em gosto, opiniões, moral e intelecto – em outras palavras, um imitador educado” (p. 132). A mímica, de acordo com Bhabha, repete, mais do que reapresenta e elabora o desejo de emergir como ‘autêntico’ através da repetição. A mímica, assim como estereótipo, sabe da identidade atrás da máscara e percebe também a ameaça nessa visão dupla que revela a ambivalência no discurso colonial e, portanto, desestabiliza sua autoridade, que de acordo com Foucault na página 134 libera elementos marginais e abala a unidade do ser do homem através do qual ele estende sua soberania. A visibilidade da mímica é produzida nesse lugar de interdição, “quase o mesmo, mas não brancos”. Um discurso na encruzilhada entre o que é conhecido, mas deve ser mantido escondido, discurso nas entrelinhas. O desejo da mímica, para Bhabha, tem objetivos estratégicos que o autor chamou de metonímia da presença (que são identidades entre estereótipos). Essas estratégias fazem da representação do colonizado como catarse coletiva e da ambivalência da mímica emerge a sujeição colonial, onde a mímica é processo de fixação do indivíduo colonial como forma de saber transclassificatório, discriminatório, no interior de um discurso de interdição, e, portanto, levanta obrigatoriamente a questão da legitimação das representações coloniais. Os “efeitos-identidades”, como Bhabha os denominou, são sempre crucialmente divididos, ao imitar e não chegar até o sujeito desejado o desautoriza, rearticulando a alteridade, exatamente aquilo que ela recusa, pois eleva sua diferença ao mesmo tempo que quer ocultá-la. A ambivalência da autoridade colonial repetidamente passa da mímica – uma diferença que é quase nada, mas não exatamente – a ameaça. No mundo ambivalente os objetos fundadores do mundo ocidental, o corpo e o livro perdem seu objetos parciais da presença, “a pele negra se divide sob o olhar racista, deslocada em signos de bestialidade, de genitália, do grotesco, que revelam o mito fóbico do corpo branco inteiro, não-diferenciado. E o mais sagrado dos livros – a Bíblia” é desmembrada numa cultura que não a vê mais que um papel de embrulho. Na resenha crítica do livro, “"Entre-lugares" da cultura: diversidade ou diferença?” Margareth Schãffer escreve que “a leitura dessa obra demanda do leitor o colocar-se, tal como faz o próprio Bhabha, em um entre-lugares; demanda que se ocupe

o lugar intersticial que não está, a priori, demarcado. Posição deveras incômoda, acostumados que estamos a ocupar lugares pré-definidos pela nossa inserção teóricopolítica. Se ficarmos arraigados em nossa posição, provavelmente, questionaremos o autor sobre o entrecruzamento de obras que vão desde o estruturalismo até o pósestruturalismo; questionaremos os argumentos de Lacan ou os de Derrida, dos quais o autor amplamente faz uso; questionaremos sua leitura de Foucault ou mesmo de Fanon, sendo este último o grande interlocutor de Bhabha em toda a obra. Questionaremos, talvez, a "mistura" excessiva entre vida e obra do autor e, com isso, as próprias categorias básicas que forjam a obra serão questionadas. Talvez, eu diria, talvez. Como a carga semântica que a palavra "talvez" carrega consigo nos conduz a um espaçotempo não demarcado previamente, o convite para ler a obra acaba sendo extremamente tentador. E é esse o convite que se faz ao leitor -deixar-se seduzir pela obra, apesar dos pré-juízos que nos acompanham sempre.” E por fim, segundo Spivak, “os intelectuais pós-colonialistas aprendem que seu privilégio é sua perda”, e a partir dessa leitura, eu posso dizer que compreendê-la e entrar no código do autor é também abandonar os privilégios e os lugares pré-definidos teóricos e políticos....


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