Resenha - Acionistas do nada ( Zaccone, Orlando) PDF

Title Resenha - Acionistas do nada ( Zaccone, Orlando)
Course História Geral
Institution Universidade do Estado de Minas Gerais
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D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionistas do Nada: quem são os traficantes de droga. Rio de Janeiro: Revan, 2007. 140p. Orlando Zaccone D’Elia Filho, delegado de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, graduou-se em Direito pela Universidade Estácio de Sá (1996), é mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes (2004), doutor em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense (2013). Atualmente é professor do Curso de Pós-Graduação em Direito e Processo Penal da Cândido Mendes e Criminologia da Academia de Polícia Civil Sílvio Terra.1 Suas principais obras são: Acionistas do nada: quem são os traficantes de drogas (editora Revan, 2007) - fruto de sua tese de mestrado - e Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro (editora Revan, 2015) - de sua tese de doutorado. O livro analisado é dividido cinco capítulos que abordam as relações entre o tráfico de drogas e a criminalização através do estudo da legislação e quem são os traficantes. O autor aponta que a legislação de “guerra às drogas” - criada durante um período geopolítico específico - fez com que as pessoas, consoante à criminologia da reação social, começassem a ser presas. Como consequência, a mídia e a legislação jurídico-medicinal foram responsáveis pela criação de um estereótipo do traficante violento, sendo o oposto ao que muitos são: reféns da atuação policial e da concentração da repressão policial. O autor inicia a obra definindo quem são os traficantes de drogas na atualidade e os designa, segundo Nils Christie, de “acionistas do nada”, visto que “integram a parte mais enfraquecida do tráfico de drogas, auferindo lucros insignificantes em face do montante do negócio”.2 Conta também que em sua experiência como policial civil na cidade do Rio de Janeiro, 60% dos presos por tráfico eram homens e mulheres pobres, com baixa escolaridade e sem proteção armada. Embora não representassem resistência armada nas consideradas vendas em varejo, tais traficantes recebem a mesma opressão policial do que os armados.

1

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2

D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone. Acionistas do Nada. Quem são os traficantes de droga. Rio de

Janeiro, 2007, pp. 27.

D’Elia Filho segue sua argumentação utilizando o conceito de Criminologia da Reação Social, no qual o Labelling Approach (ou a Teoria do Etiquetamento ou da Rotulação Social), de Howard Becker, é responsável pela criação de normas penais, que definem o senso comum, e pelo processo de seleção e aplicação de tal legislação, atribuindo as etiquetas aos desviantes sociais. Por fim, o sistema penal é capaz de intervir, consolidando uma carreira criminal a esse setor da sociedade. No entanto, o sistema penal não consegue ter abrangência a toda a sociedade, pois com o novo modelo repressivo bélico, a polícia seleciona os alvos - sobretudo aqueles que se encaixam no estereótipo criminal - para a ação do sistema penal. Para definir tal seletividade, D’Elia Filho destaca os pontos principais da teoria de Becker, a qual afirma ser o tempo (as reações sociais de um período histórico) e o agente da infração elementos cruciais para a decisão da punição. O primeiro é destacado, pois as reações variam de acordo com a legislação, a geopolítica e o estereótipo de cada período; enquanto o segundo é responsável pela aplicabilidade da legislação pelo sistema penal, que tende a ser mais efetiva em alguns grupos sociais sobretudo negros e pobres. Lançando mão de olhares revisionistas acerca da legislação de drogas, do controle social e do estereótipo e da estigmatização sobre o traficante, o autor pesquisa a historiografia das penas para compreender a origem e a intensidade das práticas penais na história. Cita autores da Escola de Frankfurt, como Rusche e Kirchheimer (1999)3, que estudam o caráter classista do direito penal, o qual mudou as punições do pagamento de fianças para castigos corporais. Foucault4, que estuda a relação do saber-poder penal, no qual a polícia e a prisão são dispositivos geminados. Essa, fracassada, tem como função criminalizar condutas contrárias à propriedade privada (“ilegalidade de bens”) e contra a vida e a liberdade (“ilegalidade de direitos”). Por fim, cita Zaffaroni5, criminólogo argentino, que classifica o sistema punitivo como um subsistema reprodutor das relações de poder, no qual o tráfico de drogas é visto como um delito de óptica econômica. 3

Autor cita a obra Punição e estrutura social, de Georg Rusche e Otto Kirchheimer (Rio de Janeiro:

Freitas Barros, 1999) 4

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.

5

ZAFFARONI, Raúl Eugênio. “Crime organizado uma categorização frustrada” In: Discursos

Sediciosos - Crime, Direito e Sociedade, nº 1. Rio de Janeiro: Relume - Dumará, 1996.

Por ser fruto de uma tese de mestrado em Ciência Penal, o autor analisa políticas criminais e as coloca no centro para a compreensão da “guerra às drogas”, apresentando o diálogo existente entre a geopolítica de diferentes momentos históricos, a legislação e a criação dos estereótipos em torno do traficante. Ao contrário de Júlio César Adiala6, que em sua pesquisa centraliza o discurso médico para a construção de uma hegemonia acerca do controle sobre o tráfico de drogas, analisando a partir de uma perspectiva foucaultiana do saber-poder, D’Elia Filho afirma haver uma sobreposição do mercado ao médico. Isso ocorreu a partir do momento pós-Segunda Revolução Industrial, quando a letargia passou a ser desinteressante para os grupos industriais e diversas convenções para discutir a legislação sobre drogas começaram a surgir no cenário internacional. O autor afirma ainda que cada país teve uma receptividade diferente sobre a legislação, porém afirma que a proibição teve prioridade política e a partir da punitividade do sistema penal, iniciou-se o processo de difusão de um estereótipo moral e médico sobre os traficantes e usuários. A partir dos anos 1960, com os movimentos de contracultura e a expansão do consumo de drogas (especialmente maconha) entre as classes média e alta dos Estados Unidos, instaurou-se uma legislação com modelo médico-sanitarista. Com ela, surgiu a “ideologia da diferenciação”, na qual, segundo Rosa del Olmo7, o traficante é visto como criminoso e o consumidor, doente, havendo uma influência médica sob o discurso jurídico. O Decreto-lei 159 (de 10 de fevereiro de 1967), entretanto, não distingue o usuário do traficante, visto que o discurso médico-sanitarista demandava investimentos e recursos indisponibilizáveis na época da ditadura, sobretudo após a instauração do AI-5 e de sua política repressiva. Desta forma, acentuou-se estereótipos, nos quais os habitantes da favela eram agressivos devido a droga e que a classe média, doente, precisava ser tratada. Em 1968, com o Decreto-Lei 385 e a aplicação de sanções igualitárias para traficantes e usuários, diversos problemas jurídicos emergiram, como o destacado a seguir:

6

ADIALA, Júlio César. “Drogas, loucura e psiquiatria: a civilização ameaçada”, in: Drogas, Medicina

e Civilização na Primeira República. Rio de Janeiro. Tese [Doutorado em História das Ciências] – Casa de Oswaldo Cruz; 2011. pp. 112 – 159. 7

DEL OLMO, Rosa. A face oculta da droga. Rio de Janeiro: Revan, 1990 apud D’ELIA FILHO,

Orlando Zaccone, op. cit., pp. 87

Durante três anos as condutas do consumidor e traficante foram equiparadas, com ambos respondendo pelas mesmas penas, fato que levou muitos juristas a criticar o Decreto-lei 385/68. Mena Barreto, citado por Salo de Carvalho, foi enfático ao considerar tal legislação vexatória, tornando-se inoperante e inaplicável pelos tribunais, que acabavam por absolver réus primários e/ou dependentes, ao invés de aplicar-lhes ‘equilibradas condenações’.8

Em 1971, a Lei n. 5.726 modificou o modelo repressivo médico-sanitarista para o atual, baseado no modelo bélico. Esse seleciona alvos para a ação do sistema penal através da diferenciação penal do consumidor , classificado como bom delinquente, para o traficante, infrator perigoso. Ainda durante o período da Ditadura Civil-Militar, surgiram então duas ideologias de combate às drogas: Defesa Social e Segurança Nacional. A primeira tem como base três princípios: a legitimidade do Estado de julgar e condenar atos, o bem contra o mal, no qual o delito é um dano à sociedade, e o princípio do interesse social e do delito natural, no qual o interesse penal é interesse dos cidadãos. Já a segunda, com gênese no pós-Segunda Guerra Mundial, classifica como inimigos os subversivos externos e internos aos países, no qual tanto os revolucionários quanto criminosos comuns são inimigos. No entanto, com o fim da criminalidade política, substitui-se a perseguição para a criminalidade comum, a fim de obter controle máximo da crescente massa de excluídos, chegando, então, a uma criminalização da pobreza. Para Nilo Batista, ainda que a prisão, processo e julgamento de grandes produtores ou atacadistas de drogas ilícitas seja completamente excepcional, a intervenção cotidiana que mata ou prende ‘aviões’, ‘vapores’, ‘mulas’ e ‘esticas’ introduz sondas investigatórias e repressivas em estratos sociais excluídos, onde se amontoam os inimigos internos do projeto neoliberal”.9

Por fim, o autor conclui dissertando sobre o paradigma do sistema neoliberal atual, no qual aplica mais Estado policial e penitenciário ao mesmo tempo em que 8

D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone, op. cit., pp. 91

9

BATISTA, Nilo. “A violência do estado e os aparelhos policiais. In: Discursos Sediciosos . Rio de

Janeiro: Freitas Bastos,1997 apud Ibidem, pp. 102

exige menos Estado econômico e social. Com a disseminação do estereótipo contra os traficantes e o fracasso no controle da criminalidade, o sistema penal passa a concentrar a repressão penal nos setores incapazes de reagir a prisão, sobretudo aos “acionistas do nada”, que obtêm lucros insignificantes em relação a totalidade do tráfico. Tal guerra às drogas é, pois, uma guerra contra os setores menos úteis e potencialmente perigosos, considerados como “lixo social”10, como destaca a seguir: A atual política de guerra contra as drogas, para além de revelar um verdadeiro fracasso naquilo que se propõe, oculta sua real função que cumpre com magnitude: o controle social das classes perigosas. [...] O atual modelo bélico de repressão às substâncias psicoativas proibidas cumpre assim uma função: o encarceramento das populações excluídas do mercado consumidor.11

Pode-se concluir que a argumentação do autor é coerente em diversos pontos, sobretudo ao afirmar que a função do sistema penal neoliberal é criminalizar pessoas que respondem a conduta a ser combatida. No entanto, ao abordar somente sob uma perspectiva político-penal, o autor não aborda sobre as razões sociais que levam os traficantes a se envolverem no tráfico, apenas observando o que acontece com tais personagens a partir de então. Embora não seja uma obra historiográfica, sua abordagem sob a perspectiva geopolítica internacional dos séc. XIX e XX tem alcance considerável, deixando apenas a desejar quanto a apresentação da documentação, exposta apenas em alguns momentos específicos a título de exemplificação. Ademais o autor não discute sobre as influências efetivas do discurso médico-sanitarista, abordado por diversos autores, como Júlio César Adiala (em seu Doutorado em História das Ciências Drogas, Medicina e Civilização na Primeira República, 2011), Thamires Sarti Ribeiro Moreira (em sua dissertação de Mestrado em História Social Maratonas e Rambles: a emergência dos tóxicos como um problema social no início do século XX, 2015) e Carlos Torcato (em seu Doutorado em História Social A história das drogas e sua proibição no Brasil: da Colônia à República, 2016).

10

CHRISTIE, Nils. A indústria do controle do crime . Rio de Janeiro: Forense, 1998.

11

D’ELIA FILHO, Orlando Zaccone, op. cit., pp. 125-130

Por apresentar uma perspectiva diferenciada sobre o tráfico de drogas e com leitura simples, a obra, mesmo possuindo um conhecimento acadêmico elevado, não apresenta dificuldades de acesso, sendo recomendável para leitura....


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