Trabalho - Resenha sobre o documentário \"Sem Pena\" - Direito Penal I Unicap PDF

Title Trabalho - Resenha sobre o documentário \"Sem Pena\" - Direito Penal I Unicap
Author Juliana Aguiar
Course Direito Penal I
Institution Universidade Católica de Pernambuco
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Trabalho valendo nota sobre o documentário "Sem Pena". Professora Erica Babini. ...


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Resenha crítica do documentário:







Alunos: Gisele Vicente Juliana Aguiar Matheus Lago Professora: Erica Babini Recife, 24/08/2015

INTRODUÇÃO Ao analisarmos o documentário Sem Pena, através dos subsídios que encontramos nos livros de Kafka, Galeano, Skakespeare e Darcy, pudemos detectar o quão aplicável esses textos ainda são em nossa realidade; gerando inquietude e despertando nossa inconformidade frente ao Grande Punitivo. Também pudemos concatenar essas ideias para além do documentário, fazendo um apanhado do ontem e hoje, através de questionamentos acerca de um pseudo avanço, do qual a sociedade pensar ter feito, de alguns séculos passados para nossa dita pós-modernidade. Como esses textos dialogam entre si, optamos por fazer nossa crítica através de uma metodologia, propositalmente, mais “amarrada”, não desmerecendo Descartes, porém prezando por uma lógica linear ─sem ser necessariamente temporal─. É pertinente pontuar ainda que todas as considerações realizadas nesta resenha crítica convergem para a mesma ideia: o sistema penal encontra-se em ruínas, desumanizando pessoas e reverberando mazelas de toda sorte; a cada dia pune mais e “melhor”; e no ritmo que se encontra qualquer indivíduo pode ser visto como inimigo declarado dessa máquina kafkiana; ou como uma vítima de uma “justiça” arbitrária como Shakespeare já profetizava desde 1604; ou ainda por cima por causa de sua cor ou estado social, segundo Darcy e Galeano. De fato, ainda temos muito o que aprender com esses autores, para impedir que nossa sociedade venha a apodrecer de vez.

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O livro , trata da formação do povo brasileiro em suas raízes, englobando o processo de colonização, as matrizes tupis, a miscigenação, dentre outros. Esse processo de formação, contudo, foi violento e, até hoje, mostra suas cicatrizes. Pode-se começar citandos os negros africanos, que foram retirados de suas terras compulsivamente, colocados juntos com tribos rivais e submetidos ao trabalho escravo, sendo torturados e desumanizados, como mostra o seguinte trecho: “A empresa escravista, fundada na apropriação de seres humanos através da violência mais crua e da coerção permanente, exercida através dos castigos mais atrozes, atua como uma mó desumanizadora e decultuadora de eficácia incomparável [...]” Fazendo uma abordagem atual, pode-se inferir que esse processo de coerção permanente, por meio da violência, ainda é bastante comum. Diariamente, presos são torturados nas prisões e indivíduos são coagidos e espancados publicamente muitas vezes sem provas concretas. O documentário “Sem Pena” mostra, em um dos seus relatos, o caso de um homem que foi acusado de estuprar uma garota na rua e foi abordado pelos policiais de forma totalmente agressiva. Ao olhar esse fato numa ótica kafkiana ao qual é bastante aplicável em nossa realidade; quando aquele sujeito é capturado, apenas porque estava trajando roupas semelhante ao suspeito, e sem nenhum tipo de certificação prévia feita pela polícia ─desrespeitando o princípio da presunção de inocência─; estando declarado o desfecho da história, não havendo o que fazer da parte do suspeito, simplesmente porque ele corresponde a alguns pré-requisitos do qual a polícia o caracteriza como inimigo. Então, pode-se perceber que a versão da polícia é a única efetivamente válida e esta muitas vezes está interessada em mostrar serviço, sendo esse trabalho muitas vezes arbitrário e legitimado pelo Estado. Nessa cena do rapaz que disse ser confundido, remete ao texto da ao qual o oficial afirmou a seguinte frase: “A culpa é sempre indubitável”, ou seja, a culpa é sempre incontestável quando se trata de uma culpa atribuída pela polícia; não havendo assim a preocupação de se escutar a outra parte, porque senão surgem „complicações‟, segundo tal oficial. Dessa forma, a polícia é a representante de um Leviatã, ao qual não se deve ser confrontada, apenas obedecida. Há também o caso de uma mulher, acusada de traficar drogas, que também foi abordada com uma arma na cabeça sem ter direito de defender-se de início. Repetindo-se a mesma história, com uma versão diferente. Através desses relatos, convém pontuar também o estado crítico em que se encontram os presídios brasileiros, principalmente no que diz respeito ao tratamento dos presos, ferindo seus direitos fundamentais. É importante acrescentar aqui que os presídios brasileiros contam com mais de 60% da população carcerária constituída por negros. Nessas prisões atuais, que remetem ao quadro que pontuava Darcy Ribeiro quanto ao uso de métodos violentos para castigar os negros, as

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torturas (que contam até com gás de pimenta, gás lacrimogêneo, balas de borracha) são comuns e consideradas endêmicas pela ONU. Entra-se, então, a ideia de punição preventiva, também descrita no texto de Darcy. “[...] Aí está a racionalidade do escravismo, tão oposta à condição humana que, uma vez instituída, só se mantém através de uma vigilância perpétua e da violência atroz da punição preventiva”. Desmembra-se dessa passagem que o escravismo foi acompanhado de vigilância, controle e punição constantes a fim de estabelecer a ordem e “evitar” rebeliões. Ainda hoje, determinados grupos sociais que são taxados como diferentes e potenciais ameaças, como negros e de classe social baixa, são vítimas de violência e preconceito sem precedentes. Através da tamanha banalização da violência, podemos observar, de forma recorrente, pessoas na rua, taxadas como perigosas apenas pelo modo de se vestir, sendo constrangidas e até mesmo agredidas por policiais, mesmo que sejam inocentes. Um desses exemplos, inclusive, pode ser encontrado no documentário logo no início, quando um homem é abordado violentamente junto com mais dois por estarem vestidos da mesma forma (um moletom azul e uma calça preta). Infere-se que muitas vezes a violência é usada para “impedir/evitar” que esses indivíduos , sendo uma suposta ameaça, usem de violência contra a sociedade, o que cria um ciclo vicioso: “violência tentando controlar a própria violência”; porém quando esta é usada pelo Estado, chama-se prevenção geral. “[O negro] sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma identificação possível com ninguém [...], maltrapilho e sujo, feio e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina [...]. Semanalmente vivia um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar [...]” Dessa passagem, pode-se fazer uma conexão, ainda, com a situação dos presídios brasileiros. Bem como se sentia o negro naquela época, os presos atuais contam com ambientes sujos, sem direito à saúde de qualidade, à higiene, dentre outras garantias citadas na LEP (Lei de Execuções Penais). Fazendo um paralelo, os negros retirados de suas terras e famílias podem ser hoje em dia vistos na forma dos presos que são retirados também de seus familiares para ir à um lugar sombrio. Na passagem “sem amor de ninguém”, pode-se remeter ao fato de que muitas vezes os presos sequer têm apoio da família ou, se têm, esta tem que se submeter a vários procedimentos para a visitação. Como mostra no documentário, as restrições para entrar nos presídios são imensas e proporcionam constrangimento e exaustão; muitas vezes, os familiares têm que chegar muito cedo ao local, esperar longas horas para passar apenas uma hora com o preso no fim do dia. Essas jornadas, consequentemente, acabam por desestimular as visitas; nesse sistema a pena tem extensão 3

à família, como diz a mulher no documentário: “É como se a família também estivesse pagando a pena”. Muitos presídios brasileiros encontram-se celas isoladas que são usadas como castigo às presas que tiveram mal comportamento. Dá-se a ideia de que elas são isoladas em ambientes pouco iluminados e restritas de irem ao banho de sol para servir de exemplo às outras presas para que essas não sigam o mesmo caminho e, como indica no trecho anterior, seria uma castigo exemplar (semelhantes aos negros escravos) para aqueles que chamassem atenção. A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. “Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária.” (RIBEIRO, Darcy). Desse trecho, infere-se que essa vontade de punir e torturar dificilmente sairá da sociedade brasileira. Como mostra no documentário, a polícia brasileira, caracterizada pelo seu viés repressivo, é usada como braço armado do Estado, não como prestadora de serviços à população. Além disso, é importante relembrar a cena final que mostra o julgamento da Dona Sônia. O juiz – parecendo mais a um promotor de acusação- ou, ligando ao trecho, “a autoridade brasileira”, mostra-se totalmente tendencioso, pois, constantemente, fazia perguntas que no fundo insinuavam que ela era sim a culpada. Essa insinuação estava claramente baseada no modo de se vestir da acusada, bem como sua condição financeira que, para a sociedade brasileira, está dentro dos padrões do indivíduo ameaçador da ordem. É sabido, de forma geral, que é da competência de um juiz, figura simbólica da Lei e da Justiça, mediar os conflitos existentes entre a norma e os indivíduos ou entre estes, de tal forma que se faça o justo e o correto e que se alcance o bem-estar social e a paz civil. No entanto, nem sempre é possível concretizar esses objetivos, que, às vezes, são falhos pela insensibilidade do jurista, e, em casos mais extremos, pela sua total negligência; não no respeito da norma ou da lei, mas si em desconsideração das consequências e agravantes que a aplicação rigorosa da pena pode acarretar para o réu. Dessa forma, percebe-se que em alguns momentos usa-se, equivocadamente, o extremo do poder punitivo da lei para casos brandos, que não necessitam de tamanha austeridade; desrespeitando assim o princípio da Intervenção Mínima (ultima ratio), praticamente em desuso no direito penal. Isso é observável na peça , em que uma antiga lei que punia, com pena de morte, relações sexuais cometidas com uma mulher sem que ambos

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estivessem unidos pelo sagrado matrimônio, é restaurada. Em um trecho clássico, o governante que decidiu restaurá-la diz o seguinte sobre a justiça dessa lei: Ângelo: –“Mostro-a (piedade) principalmente quando faço justiça, porque então eu exerço minha piedade em relação a desconhecidos que uma ofensa não castigada corromperia mais tarde e faço o bem àquele que, expiando um crime odioso, não possa mais viver para cometer outro”. A piedade dessa lei estaria na justiça que se faria cumprir uma vez que, obedecida a sanção correspondente para aquele crime, isso impediria que outras pessoas o cometessem e fossem levadas à execução. O relevante disso tudo é que, além da pena ser desproporcional a infração cometida, o um fator coercitivo, mais precisamente de prevenção geral com uma dupla finalidade: ameaça, por um lado, para evitar que novos casos se repitam e violenta, por outro, para repreender o acusado. Esses pontos encontram, novamente, ressonância no texto shakespeariano, numa passagem em que o acusado do crime faz um “passeio” público ─ suplício ─ pelas ruas da cidade como humilhação e para que a população saiba quão agonizante é e assim o será para quem cometer o mesmo crime: Cláudio - “Meu amigo, porque me ofereces assim em espetáculo ao público? Leva-me para a prisão para onde fui mandado.” Preboste - “Não estou fazendo com má intenção, mas por ordem especial do Senhor Ângelo.” Cláudio - “Assim, esse semideus, a Autoridade, faz que paguemos nossas faltas a peso...” Todavia, essa exemplificação através de uma humilhação pública não é de uso único do judiciário e da força do Estado. Um suplício moderno foi cometido no Brasil, mais especificamente no Maranhão, no dia 7 de julho de 2015. Um jovem, suspeito de ter praticado um roubo em um bar, foi pego, amarrado a um poste e espancado até a morte por um grupo de pessoas. Numa ação de vingança, o próprio povo fez isso alegando ter realizado justiça, quando, na verdade, isso, além de demonstrar um crime bárbaro por vingança, revela que o ranço da escravidão permanece vivo, em semelhança total com o que acontecia nos séculos XVII, XVIII e XIX. “Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados [...] e a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, mulheres, crianças convertidas em pasto de nossa fúria.” (RIBEIRO, Darcy). Pode-se analisar a característica brasileira de ser um povo sofrido e que ao mesmo tempo causa sofrimento. Faz-se lembrar do personagem Prudêncio, de Machado de Assis, que era um

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escravo de Brás Cubas na infância e que tinha sofrido espancamentos e maus tratos. Depois de alforriado, Brás Cubas o encontra batendo em um negro fugitivo e fica sabendo que ele tinha se tornado dono de escravo, passando a fazer exatamente o que Brás fazia com ele. E essa é exatamente a posição que se os brasileiros se colocam. Para lidar com a situação, coloca-se a tratar o próximo exatamente como eram tratados na época da colonização. Voltando ao Medida por Medida; a tradição do juiz “Boca da Lei”, segundo Montesquieu, é um costume francês da Exegese e que, por ocasião, existe no Brasil. O problema de aplicar a pena sob a sua perspectiva mais rigorosa e ortodoxa e literal é que, em casos penais, isso tende a alhear toda a condição do indivíduo, a sua situação em si, tornando-se apenas um processo, uma mera designação desumanizada à frente do juiz e de sua consciência. O jurista faz valer uma racionalidade insensível. Em contraste com o purismo jurídico, há casos em que o magistrado tem um processo em trâmite por um delito que cometeu uma infração; mas, por ilusão de seu ego, ele assume a forma do espírito da lei, incorpora a “Justiça”, sentindo-se uma figura extrajudicial e pura, incólume de responder a processos legais, acusações e afins. E, sob a autoridade do homem da lei, quem iria contestar a veracidade das suas palavras mesmo que a acusação estivesse correta e com embasamentos plausíveis? Outra passagem de Medida por Medida demonstra claramente esse abuso de autoridade e a hipocrisia: Ângelo – “Quem acreditaria em vós, Isabel? Meu nome sem mácula, a austeridade de minha vida, meu testemunho oposto ao vosso, minha situação no Estado, gravitarão com um peso tal sobre vossa acusação que sereis submergida pelo vosso próprio relato e chorareis a calúnia. (...) Quanto a vós, dizei o que quiserdes, minha falsidade supera vossa correção”. Isabel – “A quem me queixarei? Quem me acreditaria, se referisse isto? Oh! Perigosas bocas que só têm língua, a mesma para condenar e a mesma para absolver! Forçam a lei para que se incline diante de seus caprichos; pregam o justo ou o injusto com a isca do apetite, forçando que justo ou o injusto o sigam na direção que os leva ao anzol dos sentidos. (...)”. Em analogia com o exposto acima, hodiernamente, podem-se citar alguns policiais, que, primeiramente, não asseguram segurança à população; pelo contrário, às vezes estão envolvidos na consolidação do próprio crime; e tampouco realizam a verificação de toda a verdade de acusações e afins. Um caso recente de muita relevância e que trata de abuso do cargo público, hipocrisia, e máfé foi o do juiz João Carlos de Sousa Correa. Em fevereiro de 2011, ele foi parado em uma blitz da Lei Seca no Leblon, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, sem carteira de habilitação e com o carro sem placa. A agente de trânsito, que fez a abordagem, e o magistrado se envolveu em uma discussão, e aquela acabou dizendo ao magistrado que "juiz não é Deus". Em seguida, o juiz lhe deu voz de prisão. A agente entrou na justiça contra o juiz, porém, a decisão judicial considerou que ela ofendeu o magistrado e a condenou ao pagamento de indenização de R$ 5 mil por danos morais. Ela recorreu da decisão, mas não conseguiu revertê-la.

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Assim, tanto no passado retratado por Shakespeare como na contemporaneidade do século XXI, o abuso de autoridade através da manipulação despótica do próprio poder conferido ao cargo público que se exerce ainda existe e é utilizado lato sensu. No Brasil, isso recebe o nome de carteirada. E diante de uma Autoridade que possui um status social de muita importância e seriedade, pressupõe-se que a pessoa tenha um direcionamento moral para o correto, mas como isso não é uma verdade geral, algo absoluto, quando essa pessoa de respeito age de modo evidentemente corrupto, o seu prestígio pelo cargo que detém contraria qualquer depoimento que o acuse de crime, mesmo que as provas ou argumentos usados possuam plausibilidade e demonstrem a verdade. E, ainda por acima, controlam a lei a seu bel-prazer, na satisfação de suas vontades e caprichos, e não para alcançar a verdade, a justiça e o bem coletivo, mas sim uma realização e um bem individuais.

Dessa forma, o juiz hipócrita ou sem uma razão sensível, sob um discurso de impedir a impunidade, faz valer a face cruel e ortodoxa da norma, em que, tolhido, o réu não tem sequer condições de defesa, restando-lhe aceitar, resignado, as implicações da lei; às vezes sendo mandado, desnecessariamente, para cumprir a pena privativa de liberdade no sistema penitenciário. E, com isso, esquece-se das condições precárias desse sistema, que, além de não oferecer suporte ao indivíduo, é supersaturado e revela o lado do horror e do execrável, onde o homem - pelas más condições em que vive, a falta de higiene, o convívio instável de outros detentos - só por estar ali, perde a sua humanidade e vira bicho. “De todos os modos, o condenado tinha um aspecto tão caninamente submisso, que ao que parece teriam podido permitir-lhe correr em liberdade pelos campos circundantes, para chamá-lo com um simples assovio quando chegasse o momento da execução”. (KAFKA, Franz) Tais condições sub-humanas, análogas à escravidão, nos remetem também à cena do camburão do documentário, o qual parece um Navio Negreiro moderno; sem luz, sem vida, sujo, que não serve nem pra levar um animal ─ pior que um carro da Carrocinha levando cães ─ nos levando a pensar se de fato houve alguma evolução nessa trajetória de tempo ou se estamos submissos à mesma mentalidade de outrora, porém com artefatos/instrumentos diferentes para disfarçar nossa crueldade ainda latente.

Já na metáfora de Kafka o homem é mastigado pela máquina, sendo o condenado, portanto, vítima porque não tem nenhum controle sobre os acontecimentos, não sabe o porquê de estar ali, muito menos o motivo de estar sendo punido. “não lhe foi dada nenhuma oportunidade de defender-se”; semelhantemente a Josef K., na obra O processo, também do mesmo autor. “Além de ser uma máquina que escreve a condenação: “Nossa sentença não é aparentemente severa. Consiste em escrever sobre o corpo do condenado, por meio do Ancinho, a disposição que ele mesmo violou. Por exemplo, as palavras escritas sobre o corpo deste condenado ─ e o oficial aprontou o indivíduo ─ serão: HONRA A TEUS SUPERIORES”; As pessoas se deliciavam ao assistir essa máquina, como ainda hoje podemos observar a alta audiência dada aos programas jornalísticos policiais, em que abusam do sensacionalismo para exibir

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aquele „suplício‟ de uma forma cerimonial contemporânea. Aquele que está integrado ao sistema é sempre sujeito e anulado como pessoa: “A injustiça do processo e a inumanidade da execução eram indubitáveis.” A metáfora Na Colônia Penal está intimamente ligada ao sistema carcerário desumano, podemos relac...


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